Eis a solução para toda discussão!
Um imenso animal leiteiro aproximou-se da mesa de Zaphod Beeblebrox, um
quadrúpede gordo e enorme, do tipo bovino, com grandes olhos d'água, chifres pequenos e
um sorriso nos lábios que quase poderia ser insinuante.
— Boa-noite — abaixou-se e sentou-se pesadamente sobre suas ancas —, sou o
principal Prato do Dia. Posso sugerir-lhes algumas partes do meu corpo? — Rosnou e
grunhiu um pouco, remexeu seus quartos traseiros buscando uma posição mais confortável e
olhou pacificamente para eles.
Seu olhar encontrou olhares de sobressaltada perplexidade da parte de Arthur e
Trillian, um dar de ombros resignado de Ford Prefect e a fome descarada de Zaphod
Beeblebrox.
— Alguma parte do ombro, talvez? — sugeriu o animal. — Assada com molho de
vinho branco?
— Ahn, do seu ombro? — disse Arthur, num sussurro de horror.
— Mas naturalmente que do meu ombro, senhor — mugiu o animal, satisfeito —,
só tenho o meu para oferecer.
Zaphod levantou-se de um salto e pôs-se a apalpar e sentir os ombros do animal,
apreciando.
— Ou a alcatra, que também é muito boa — murmurou o animal. — Tenho feito
exercícios e comido cereais, de forma que há bastante carne boa ali. — Deu um grunhido
brando, rosnou mais uma vez e começou a ruminar. Engoliu mais uma vez o bolo alimentar.
— Ou um ensopado de mim, quem sabe? — acrescentou.
— Você quer dizer que este animal realmente quer que a gente o coma? —
cochichou Trillian para Ford.
— Eu? — disse Ford com um olhar vidrado. — Eu não quero dizer nada.
— É absolutamente horrível — exclamou Arthur —, a coisa mais revoltante que já
ouvi.
— Qual é o problema, terráqueo? — disse Zaphod, que agora transferia a atenção
para o enorme traseiro do animal.
— Eu simplesmente não quero comer um animal que está aí me convidando para
isso — disse Arthur. — É impiedoso!
— Melhor do que comer um animal que não quer ser comido — disse Zaphod.
— Não é essa a questão — protestou Arthur. Pensou então um pouco a respeito. —
Está bem — disse —, talvez seja essa a questão. Não quero saber, não vou pensar sobre isso
agora. Eu só... ahn...
[...]
— Acho que só vou querer uma salada — murmurou.
— Uma salada? — disse o animal virando os olhos em sua direção, em tom de
reprovação.
— Você vai me dizer — disse Arthur — que eu não deveria comer salada?
— Bem — disse o animal —, conheço muitos legumes que têm essa questão muito
clara. E é por isso, aliás, que foi decidido cortar esse problema complicado pela raiz e criar
um animal que realmente quisesse ser comido e que fosse capaz de dizê-lo com tanta
clareza e distinção. E eis-me aqui.
Conseguiu uma leve mudança.
— Um copo d'água, por favor — disse Arthur.
— Olha — disse Zaphod —, nós queremos comer, não queremos uma discussão.
Quatro bifes mal passados, e depressa. Faz quinhentos e setenta e seis bilhões de anos que
não comemos.
O animal levantou-se. Deu um grunhido brando.
— Uma escolha muito acertada, senhor, se me permite. Muito bem — disse —,
agora é só eu sair e me matar.
Voltou-se para Arthur e deu uma piscadela amigável.
— Não se preocupe, senhor", farei isso de forma humana. Encaminhou-se gingando para a
cozinha.
Em questão de minutos, o garçom apareceu com quatro filés fumegantes. Zaphod e
Ford avançaram, sem vacilar duas vezes. Trillian parou, sacudiu os ombros, e se serviu.
Arthur olhou para o seu, sentindo-se levemente enjoado.
— Ei, terráqueo — disse Zaphod, com um sorriso malicioso no rosto que não estava
se empanturrando —, que bicho te mordeu?
Do Restaurante no Fim do Universo, por douglas Adams