Agressividade na Internet
Enviado: 10 Mar 2007, 14:16
"O Globo" 05/03/07
Quando a agressividade invade os chats
Carlos Alberto Teixeira
Cada vez mais jovens tecnolóides sucumbem à febre de se comunicar online, incessantemente, via mensageiros eletrônicos. Ferramentas gratuitas não faltam: AOL Instant Messenger, Excite/ Pal, Gadu-Gadu, Google Talk, iChat, ICQ, Jabber, Meetro, MSN Messenger, .NET Messenger Service, Rediff Bol Instant Messenger, Skype, Trillian, Yahoo! Messenger, e longe vai a lista, que inclui o bom e velho Internet Relay Chat (IRC), popular até hoje.
O hábito do chat instantâneo, conhecido como IM (Instant Messaging), entre crianças e adolescentes vem deixando transparecer um fenômeno social inédito, uma quase agressividade às vezes não intencional que surge em decorrência das características peculiares do ambiente em que se trocam as mensagens.
Muitos dos jovens adeptos da prática do IM inserem em suas mensagens coisas embaraçosas demais para serem ditas cara-a-cara.
E quando, horas ou dias depois, acontecem de se encontrar pessoalmente, acabam se mostrando envergonhados quanto ao que disseram online e evitam trazer à tona o assunto que gerou a manifestação pontiaguda. Em muitos casos, o encontro torna-se tenso e perde a fluidez natural que teria, não fosse o desabafo via IM.
“Flaming” surge da desinibição online Um interessante artigo de Daniel Goleman, do “International Herald Tribune”, aponta que o referido fenômeno parece fazer parte de um padrão muito maior que vem se configurando no mundo das comunicações virtuais. Contudo, não se trata de algo inteiramente novo.
Já nos primeiros tempos da internet surgia o desagradável hábito do “flaming”, prática em que alguns internautas enviavam mensagens deliberadamente ofensivas, grosseiras e por vezes embaraçosas. Enviar flame (significa chama ou labareda, em inglês) via email mostrava-se como uma forma de desabafar facilmente, de maneira quase irresponsável.
Pensamentos expressos de forma escrita, enquanto se está sentado sozinho diante de um computador, poderiam certamente ser apresentados de maneira mais diplomática num encontro presencial, ou mesmo nem serem mencionados num papo coloquial entre conhecidos.
O termo técnico aplicado por psicólogos que estudam o assunto, quando se referem ao flaming, é “Efeito de Desinibição Online”, designando os diversos comportamentos adotados por usuários da rede quando estão imersos no oceano do ciberespaço e não se vêem pressionados a moderar seu ímpeto.
Estudiosos de psicologia no ciberespaço e nos blogs sugerem que são vários os fatores psicológicos que induzem à desinibição online, entre eles: o anonimato de um pseudônimo na web, também conhecido como nick (nickname = apelido); a ausência de uma figura online que represente autoridade; o exagerado senso de si decorrente do fato de se estar sozinho num dado período; o intervalo de tempo entre enviar um email e receber a resposta; e a invisibilidade por outros internautas.
A desinibição online tem dois lados, um positivo, em que uma pessoa normalmente tímida resolve se soltar, extravasando sua personalidade, e um negativo, que é justamente a causa da agressividade típica do flaming.
Algumas pistas sobre o que se passa na mecânica neural dos internautas que se rendem ao flaming podem ser encontradas através de um ramo de pesquisa científica que tem crescido bastante ultimamente, e que é conhecido como Neurociência Social, ou seja, o estudo dos processos em andamento no cérebro e no corpo de duas pessoas em interação.
Parece existir uma falha de projeto inerente à interface entre o circuito social do cérebro humano e o ambiente do mundo online. Nas interações faceaface, nosso cérebro continuamente lê uma torrente de sinais emocionais e sutis dicas sociais que, em tempo real, vai direcionando nossos próximos passos na interação, de tal modo que o encontro tenha êxito, sem estresse nem conflitos, dentro do possível. Grande parte deste complexo processo analítico se dá numa região cerebral conhecida como córtex órbito-frontal, nosso centro de empatia. É lá que ocorre o esquadrinhamento social que nos ajuda a ter certeza de que nossa próxima atitude contribuirá para manter a interação nos trilhos.
Este sistema-guia, a princípio, inibe impulsos que gerem ações capazes de ofender o interlocutor, rompendo a suavidade da interação. Pacientes apresentando danos no tal córtex perdem a habilidade de atenuar os impulsos oriundos das amídalas, que são um dos centros de onde provêm alguns de nossos impulsos ditos incontroláveis.
Passam, assim, a se comportar como crianças, cometendo embaraçosas gafes sociais, totalmente inconscientes de que estão fazendo algo desagradável ou que gere desconforto no outro.
Texto digitado não dá pistas de cunho social Em indivíduos sãos basta uma suave alteração no tom de voz do outro, ou mesmo uma sutil contratura de sua musculatura facial, para gerar uma busca interna que disparará nossa próxima atitude, canalizando nossos impulsos de maneira civilizada e não beligerante.
O problema é que, num texto digitado às pressas, não há canais para voz, nem expressões faciais ou outras dicas que nos permitam avaliar como nosso interlocutor reage ao que escrevemos.
Sim, existem os emoticons, sinais gráficos que tentam denotar manifestações emocionais em modo texto usando caracteres de pontuação.
Mas estes sinais são pobres em nuances e não permitem manifestações complexas de feedback.
Se houver o agravante de o internauta estar digitando suas linhas de maneira agitada, aumentam as chances de seu circuito pré-frontal falhar, levando-o a se expressar de maneira infeliz e teclar o “Enviar” antes de repensar e analisar de cabeça fria o que escreveu e que, em situação mais serena, não enviaria ao outro.
Com a adoção cada vez mais intensa de ferramentas de áudio e vídeo, tanto para trocas de emails, quanto para bate-papos online, tende a diminuir o efeito deletério da aridez das mensagens de texto. Mas, sempre que se fizer necessária uma interação textual, especialmente entre jovens, o espectro da agressividade latente estará à espreita.
Quando a agressividade invade os chats
Carlos Alberto Teixeira
Cada vez mais jovens tecnolóides sucumbem à febre de se comunicar online, incessantemente, via mensageiros eletrônicos. Ferramentas gratuitas não faltam: AOL Instant Messenger, Excite/ Pal, Gadu-Gadu, Google Talk, iChat, ICQ, Jabber, Meetro, MSN Messenger, .NET Messenger Service, Rediff Bol Instant Messenger, Skype, Trillian, Yahoo! Messenger, e longe vai a lista, que inclui o bom e velho Internet Relay Chat (IRC), popular até hoje.
O hábito do chat instantâneo, conhecido como IM (Instant Messaging), entre crianças e adolescentes vem deixando transparecer um fenômeno social inédito, uma quase agressividade às vezes não intencional que surge em decorrência das características peculiares do ambiente em que se trocam as mensagens.
Muitos dos jovens adeptos da prática do IM inserem em suas mensagens coisas embaraçosas demais para serem ditas cara-a-cara.
E quando, horas ou dias depois, acontecem de se encontrar pessoalmente, acabam se mostrando envergonhados quanto ao que disseram online e evitam trazer à tona o assunto que gerou a manifestação pontiaguda. Em muitos casos, o encontro torna-se tenso e perde a fluidez natural que teria, não fosse o desabafo via IM.
“Flaming” surge da desinibição online Um interessante artigo de Daniel Goleman, do “International Herald Tribune”, aponta que o referido fenômeno parece fazer parte de um padrão muito maior que vem se configurando no mundo das comunicações virtuais. Contudo, não se trata de algo inteiramente novo.
Já nos primeiros tempos da internet surgia o desagradável hábito do “flaming”, prática em que alguns internautas enviavam mensagens deliberadamente ofensivas, grosseiras e por vezes embaraçosas. Enviar flame (significa chama ou labareda, em inglês) via email mostrava-se como uma forma de desabafar facilmente, de maneira quase irresponsável.
Pensamentos expressos de forma escrita, enquanto se está sentado sozinho diante de um computador, poderiam certamente ser apresentados de maneira mais diplomática num encontro presencial, ou mesmo nem serem mencionados num papo coloquial entre conhecidos.
O termo técnico aplicado por psicólogos que estudam o assunto, quando se referem ao flaming, é “Efeito de Desinibição Online”, designando os diversos comportamentos adotados por usuários da rede quando estão imersos no oceano do ciberespaço e não se vêem pressionados a moderar seu ímpeto.
Estudiosos de psicologia no ciberespaço e nos blogs sugerem que são vários os fatores psicológicos que induzem à desinibição online, entre eles: o anonimato de um pseudônimo na web, também conhecido como nick (nickname = apelido); a ausência de uma figura online que represente autoridade; o exagerado senso de si decorrente do fato de se estar sozinho num dado período; o intervalo de tempo entre enviar um email e receber a resposta; e a invisibilidade por outros internautas.
A desinibição online tem dois lados, um positivo, em que uma pessoa normalmente tímida resolve se soltar, extravasando sua personalidade, e um negativo, que é justamente a causa da agressividade típica do flaming.
Algumas pistas sobre o que se passa na mecânica neural dos internautas que se rendem ao flaming podem ser encontradas através de um ramo de pesquisa científica que tem crescido bastante ultimamente, e que é conhecido como Neurociência Social, ou seja, o estudo dos processos em andamento no cérebro e no corpo de duas pessoas em interação.
Parece existir uma falha de projeto inerente à interface entre o circuito social do cérebro humano e o ambiente do mundo online. Nas interações faceaface, nosso cérebro continuamente lê uma torrente de sinais emocionais e sutis dicas sociais que, em tempo real, vai direcionando nossos próximos passos na interação, de tal modo que o encontro tenha êxito, sem estresse nem conflitos, dentro do possível. Grande parte deste complexo processo analítico se dá numa região cerebral conhecida como córtex órbito-frontal, nosso centro de empatia. É lá que ocorre o esquadrinhamento social que nos ajuda a ter certeza de que nossa próxima atitude contribuirá para manter a interação nos trilhos.
Este sistema-guia, a princípio, inibe impulsos que gerem ações capazes de ofender o interlocutor, rompendo a suavidade da interação. Pacientes apresentando danos no tal córtex perdem a habilidade de atenuar os impulsos oriundos das amídalas, que são um dos centros de onde provêm alguns de nossos impulsos ditos incontroláveis.
Passam, assim, a se comportar como crianças, cometendo embaraçosas gafes sociais, totalmente inconscientes de que estão fazendo algo desagradável ou que gere desconforto no outro.
Texto digitado não dá pistas de cunho social Em indivíduos sãos basta uma suave alteração no tom de voz do outro, ou mesmo uma sutil contratura de sua musculatura facial, para gerar uma busca interna que disparará nossa próxima atitude, canalizando nossos impulsos de maneira civilizada e não beligerante.
O problema é que, num texto digitado às pressas, não há canais para voz, nem expressões faciais ou outras dicas que nos permitam avaliar como nosso interlocutor reage ao que escrevemos.
Sim, existem os emoticons, sinais gráficos que tentam denotar manifestações emocionais em modo texto usando caracteres de pontuação.
Mas estes sinais são pobres em nuances e não permitem manifestações complexas de feedback.
Se houver o agravante de o internauta estar digitando suas linhas de maneira agitada, aumentam as chances de seu circuito pré-frontal falhar, levando-o a se expressar de maneira infeliz e teclar o “Enviar” antes de repensar e analisar de cabeça fria o que escreveu e que, em situação mais serena, não enviaria ao outro.
Com a adoção cada vez mais intensa de ferramentas de áudio e vídeo, tanto para trocas de emails, quanto para bate-papos online, tende a diminuir o efeito deletério da aridez das mensagens de texto. Mas, sempre que se fizer necessária uma interação textual, especialmente entre jovens, o espectro da agressividade latente estará à espreita.