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Pecado

Enviado: 12 Nov 2008, 11:37
por Acauan
Pecado

Por Acauan

Postado originalmente em 08/07/2004 23:33:00

O cristianismo não existiria sem o pecado, cuja remissão é a única razão de ser do dogma do sacrifício vicário de Cristo.

Por conta disto (e de outras coisas), o pecado é uma preocupação central na vida do crente cristão e, possivelmente, o fator que mais o distancia de ateus e agnósticos, para quem o pecado não existe ou é apenas uma curiosidade conceitual.

Para os cristãos, evitar o pecado é a diretriz primeira de seu sistema moral, daí a dificuldade da maioria e a incapacidade de muitos deles em reconhecer que a ausência de crença religiosa em alguém não compromete em nada sua moralidade.

De fato não compromete, pois pecar é, essencialmente, ofender ou desobedecer a Deus ou afastar-se dele, o que não é sinônimo de ato imoral.
A dissociação do conceito bíblico de pecado do conceito moderno de moralidade pode ser ilustrado pela passagem em que Deus ordena que o exército de Israel promova o extermínio de Amaleque, incluindo os bebês:


I Samuel 15:3 Vai, pois, agora, e fere a amaleque, e destrói totalmente a tudo o que tiver, e nada lhe poupes; porém matarás homem e mulher, meninos e crianças de peito, bois e ovelhas, camelos e jumentos.


É uma opinião civilizada que trucidar crianças de peito é moralmente reprovável sob quaisquer circunstâncias.
Sob a ótica do fundamentalismo cristão os que feriram Amaleque apenas cumpriram ordens diretas de Deus, logo fizeram o que tinham de fazer.
Os israelitas matadores de crianças não pecaram. Pelo contrário, teriam pecado gravemente se poupassem as criancinhas e desobedecessem a Deus.

Pela escala de valores fundamentalista, a vontade divina é suprema e, portanto, está acima dos valores morais humanos. Logo, moral e pecado não são conceitos interdependentes, de modo que despreocupação com o segundo implique no mesmo com o primeiro, como muitos cristãos tendem a enxergar a questão.

O pecado ou o risco dele incomoda o cristão devoto de um modo pouco compreensível para o observador descrente, uma vez que o pecado, para quem acredita nele, vem associado ao medo e a culpa: Medo de perder a salvação e culpa por ser um pecador.

Se os cristãos não inventaram o sentimento de culpa certamente o aperfeiçoaram, tão intrínseco este sentimento é ao cristianismo.
O catolicismo romano reservou um espaço fixo para a culpa na liturgia da missa para que os fiéis a manifestassem publicamente no ato de contrição, enquanto os protestantes rebaixaram o ser humano à condição miserável do pecador mendicante da graça divina.

O crente que se sente culpado por ser um pecador, mais do que pelos seus pecados, é paradoxal para o observador ateu, cético ou agnóstico, por ser muito difícil para quem não tem fé religiosa estabelecer qualquer tipo de empatia com esta situação em particular.

Do outro lado da moeda, pode ser chocante para o cristão devoto aferir que o pecado, razão de ser de seus maiores medos e culpas, é motivo de absoluta indiferença para aqueles que não compartilham de sua crença.

Para evangélicos fundamentalistas, o medo e a culpa com relação ao pecado exercem ainda mais influência em suas vidas do que para outros cristãos (ou pelo menos, comportam-se eles publicamente como se assim fosse).

Embora este grupo de religiosos entenda que a graça divina é um dom gratuito (Romanos 6:23), eles possuem um compromisso com a busca da santidade (seja lá o que for isto) e a prevenção do pecado, tal como recomendado nos versículos abaixo:


I Pedro 1:16 porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo.

Mateus 26:41 vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.


Este compromisso leva os crentes mais afoitos a projetarem o medo e a culpa do pecado nas coisas mais prosaicas como comprimento do cabelo, modelo das roupas ou preferências televisivas.
Para muitos deles, comprar um CD da Xuxa representa uma passagem sem escalas para o inferno.

Se tal preocupação obsessiva com o pecado pode parecer risível para os não crentes, ela é o principal fundamento da prática religiosa cotidiana de certos cristãos, daí a incapacidade de muitos dentre eles de dissociarem a indiferença com relação ao pecado (típica de ateus e agnósticos) do mal, do demoníaco e da perdição.

O mais inaceitável para estes cristãos talvez seja o fato de que só aqueles que não crêem em Deus levam uma vida absolutamente sem pecado, já que para eles o pecado não existe.
Nada mais frustrante para quem carrega a culpa e o medo pelo pecado do que encarar o fato de que o ateísmo não deixa de ser um modo de remissão.

Re: Pecado

Enviado: 12 Nov 2008, 11:52
por Lúcifer
CITAÇÃO:
"É uma opinião civilizada que trucidar crianças de peito é moralmente reprovável sob quaisquer circunstâncias.
Sob a ótica do fundamentalismo cristão os que feriram Amaleque apenas cumpriram ordens diretas de Deus, logo fizeram o que tinham de fazer.
Os israelitas matadores de crianças não pecaram. Pelo contrário, teriam pecado gravemente se poupassem as criancinhas e desobedecessem a Deus."

E é isso que da mais medo.
A qualquer hora, algum líder religioso pode dizer que foi inspirado pelo espírito de deus e este disse que era para matar qualquer ateu ou seguidor de ideias contrárias a sua fé.

Pode ser que muita gente não cumpra por causa das leis da sociedade ou acharem isso uma ordem absurda, mas sempre terá os retartados para cumprirem essa ordem, mesmo que na surdina.

Re: Pecado

Enviado: 12 Nov 2008, 11:55
por Acauan
Lúcifer escreveu:E é isso que da mais medo.
A qualquer hora, algum líder religioso pode dizer que foi inspirado pelo espírito de deus e este disse que era para matar qualquer ateu ou seguidor de ideias contrárias a sua fé.

Pode ser que muita gente não cumpra por causa das leis da sociedade ou acharem isso uma ordem absurda, mas sempre terá os retartados para cumprirem essa ordem, mesmo que na surdina.


Em um finado fórum crente, outrora muito movimentado, colocaram aos participantes a questão de se matariam alguém caso recebessem uma ordem direta de Deus e tivessem certeza absoluta disto.

A maioria disse que se estivessem certos de que foi mesmo Deus que mandou, então matariam.

Pois é...

Re: Pecado

Enviado: 12 Nov 2008, 11:58
por Acauan
Sobre o tema, ver também o tópico O Cristianismo e o pecado, do Gugams.

Re: Pecado

Enviado: 12 Nov 2008, 12:32
por Tarcísio
Acauan escreveu:Para os cristãos, evitar o pecado é a diretriz primeira de seu sistema moral, daí a dificuldade da maioria e a incapacidade de muitos deles em reconhecer que a ausência de crença religiosa em alguém não compromete em nada sua moralidade.


O pecado tem o sagrado ao seu lado, como garantidor ou reforço na ordem de não fazer.
A "moral ateísta" não tem equivalente de peso.

Então não importa quantas linhas escreva, ou como irá reorganizar a questão, o ponto é que os religiosos mesmo com Deus e a danação eterna em seus calcanhares falham, logo alguém que não tem equivalente irá falhar muito mais. Qualquer outra informação colocada nessa dicussão é mero acessório que será suportado por ambos os lados de formas diferentes, ou que por si mesmo terá peso zero.

Re: Pecado

Enviado: 13 Nov 2008, 11:52
por Fernando Silva
Tarcísio escreveu:
Acauan escreveu:Para os cristãos, evitar o pecado é a diretriz primeira de seu sistema moral, daí a dificuldade da maioria e a incapacidade de muitos deles em reconhecer que a ausência de crença religiosa em alguém não compromete em nada sua moralidade.

O pecado tem o sagrado ao seu lado, como garantidor ou reforço na ordem de não fazer.
A "moral ateísta" não tem equivalente de peso.

A moral dos ateus é a única verdadeira. A moral religiosa não passa do cumprimento de ordens que não necessariamente entendemos, mas cumprimos assim mesmo "porque Deus mandou e vai me castigar se eu não o fizer".
Tarcísio escreveu:Então não importa quantas linhas escreva, ou como irá reorganizar a questão, o ponto é que os religiosos mesmo com Deus e a danação eterna em seus calcanhares falham, logo alguém que não tem equivalente irá falhar muito mais. Qualquer outra informação colocada nessa dicussão é mero acessório que será suportado por ambos os lados de formas diferentes, ou que por si mesmo terá peso zero.

Talvez os crentes falhem justamente por não terem um bom motivo para seguir suas regras de moral além da crença em um ser invisível e indetectável. Depende de fé, e a fé às vezes falha.

É diferente da moral que se baseia em motivos que podemos compreender.

Como conciliar nosso modo de ver as coisas com as leis de um deus que mata toda a humanidade por motivos fúteis, além de milhares de anos de barbaridades, tudo registrado no "Livro Bom" ?

Sobre moral e ética sem religião:
http://ateusdobrasil.com.br/artigos/com ... -religiao/

Sobre a "bondade" de Deus:
http://fernandosilva.multiply.com/journ ... _ordem_sua

Re: Pecado

Enviado: 13 Nov 2008, 12:54
por Tarcísio
Fernando Silva escreveu:
Tarcísio escreveu:O pecado tem o sagrado ao seu lado, como garantidor ou reforço na ordem de não fazer.
A "moral ateísta" não tem equivalente de peso.

A moral dos ateus é a única verdadeira. A moral religiosa não passa do cumprimento de ordens que não necessariamente entendemos, mas cumprimos assim mesmo "porque Deus mandou e vai me castigar se eu não o fizer".


Sua primeira afirmação me soa mais como pregação religiosa do que propriamente ingresso numa discussão de livre-pensadores, mas não faz mal, irei te responder mesmo assim porque acho que não ficou bem claro que eu falava sobre o assunto a partir de uma perspectiva referente a eficiência.

A mente do religioso citado pelo Acauan pensa que sendo o pecado um freio essencial para seus impulsos nos momentos mais críticos e o ateu não podendo contar com ele, logo, nos momentos mais críticos os ateus são mais vulneráveis a cometer "atos i/amorais". O Acauan soma ainda dizendo ser esse raciocínio fruto de uma incapacidade estrutural da mente do religioso.

O que fiz foi afastar a mente do religioso e colocar em pratos limpos, questionando quanto ao grau de eficiência de ambas as morais em manter seus sectários na linha. Você pode dar o nome que quiser, mas enquanto uma é regulada por vários fatores e dentre eles o medo de uma danação eterna, o outro só conta com o, também compreendido pelos religiosos, potencial estatal de punição, que é irrisório.

Querendo ir mais longe, você pode colocar aqui estatísticas miseráveis e trabalhadas de formas covardes, como a população carcerária religiosa X atéia. Para evitar que entremos nesse mérito já adianto, religião é um fator aglutinador e uma das primeiras coisas que você deve abraçar numa penitenciária se quiser salvar seu lombo. E outra, enquanto os crentes sofrem apenas um processo de aceitação, os ateus muitas vezes passam por esse processo e depois com estudos metódicos sobre as próprias experiências e o mundo abdicam da crença, pois então, os ateus são em média( repito em média e você pode conferir isso até pelos membros de fóruns céticos ) mais inclinados aos estudos e compreensões diversas, até porque na religião você tem o conhecimento revelado e no ateismo não. Isso é ponto determinante, pois na relação entre o delito penal e a "inteligência" quase sempre nasce a impunidade.

Re: Pecado

Enviado: 13 Nov 2008, 19:28
por clara campos
Acauan escreveu:
Se tal preocupação obsessiva com o pecado pode parecer risível para os não crentes, ela é o principal fundamento da prática religiosa cotidiana de certos cristãos, daí a incapacidade de muitos dentre eles de dissociarem a indiferença com relação ao pecado (típica de ateus e agnósticos) do mal, do demoníaco e da perdição.

Infelizmente essa clara distinção entre pecado e "imoral" não é assim tão óbvia para muitos agnósticos e ateus.
As condições de descrença ou indiferença pela existência do divino não são garantia de uma capacidade reflexiva e análise criteriosa da consciência. Superstições e noções amorais de pecado estão tão incrustadas nas tradições culturais, que no limite é terrivelmente difícil dizer onde um começa e o outro acaba.
São tão vários os casos em que é a noção de pecado que delineia a moral (pelo menos na concepção de vários), que muitos ateus e agnósticos se vêm actores da perpetuação da noção de pecado, e das implicações práticas e sociais, francamente impositivas, que esta acarreta.


Acauan escreveu:
O mais inaceitável para estes cristãos talvez seja o fato de que só aqueles que não crêem em Deus levam uma vida absolutamente sem pecado, já que para eles o pecado não existe.
Nada mais frustrante para quem carrega a culpa e o medo pelo pecado do que encarar o fato de que o ateísmo não deixa de ser um modo de remissão.

Frustrante, ameaçador e doloroso. Semelhante à criança que vê o colega sair impunemente de determinada má acção.
Mas ao menos os crentes podem-se consolar com a salvação a eterna, a salvação da alma e essas coisas.
Foi uma tirada propagandística absolutamente genial.
É a cenoura divina e paradisíaca eternamente exibida perante o burro de carga.

Re: Pecado

Enviado: 13 Nov 2008, 19:42
por Discernimento
Segundo a bíblia somos todos marginais.

O pecado é o início da tramóia da propaganda arquitetada na bíblia.

Você nasce pecador, portanto nasce endividado com deus.
100% tem um pecado.

Depois o sexo é pecado. Quem gosta de sexo é pecador.
99,99% tem 2 pecados.

E por aí vai.

E se você duvidar, causam escassez, praga e violência à sua volta pra mostrar que deus está irado com você.

Mas quem escreveu a bíblia tem a solução pra ira de deus:
- O mundo é assim mesmo, "Ora et Labore" e serás salvo.
Muitos não rezam mas todos trabalham.

Nome vulgar dessa mecânica é: O Controle das Massas.