Herf escreveu:Em princípio, é possível defender a distribuição de riquezas com base na ética - daí, é claro, vai ter de apelar para argumentos dificilmente distinguíveis de um simples sentimento de inveja
A ética utilitarista me parece mais facilmente "confundível" com altruísmo do que com inveja.
Herf escreveu:A ideia do autor do trecho acima é, com base na teoria da utilidade marginal decrescente, aumentar a "utilidade social" do dinheiro tirando-o de um rico e dando-o a um pobre. Mas a utilidade é uma medida individual. Não faz sentido essa noção "social" do conceito de utilidade. Como se mede a utilidade, para começo de conversa? Como seria possível chegar numa taxa "adequada" para a tributação da riqueza? Como comparar a frustração daquele que sabe que não pode ficar com tudo o que produziu (ou que não necessariamente tenha ele produzido, mas que lhe pertence por doação de um familiar) com a alegria daquele que recebeu simplesmente por não ter tanto?
Eu acho difícil de acreditar que as pessoas possam sugerir algo assim seriamente. Por mais que não exista uma régua exata para se medir esse tipo de coisa, será que passa a ser razoável então que se o Sílvio Santos perder uma quantidade de dinheiro que dá para comprar uma refeição num restaurante self-service, ele ficará tão frustrado, vai sofrer tanto quanto um mendigo que perdesse o mesmo dinheiro? E portanto que ele beneficia igualmente ao Sílvio Santos e ao mendigo?
Eu não digo que não seja um problema medir isso; certamente deve chegar num ponto onde se esbarra no "opa, peraí, isso está indo longe demais", e eu até penso que é uma questão interessante, mas não precisamos nos valer de declives escorregadios para varrer a lógica para debaixo do tapete.
Procedure escreveu:E depois, tá meio mal contada essa história. Tudo bem que haja somente duas famílias na ilha, mas a ideia do autor era montar um cenário em que elas fossem economicamente isoladas? Diz-se que os ricos ganham 100.000 euros, mas ganham tudo isso de quem? Caso estejam economicamente isolados, só podem ganhar isso dos pobres, donde se conclui que tais pobres não são tão pobres assim, já que podem pagar essa quantia para ter o que os ricos produzem. Caso não estejam economicamente isolados, o utilitarista se veria num emaranhado de interesses do qual seria impossível tirar qualquer conclusão sobre a partilha correta. Por exemplo, há um mundarel de gente que se beneficia indiretamente da riqueza do rico - todos aqueles que vendem coisas a ele e que recebem de caridade. Como contabilizar tudo isso?
Eu não acho que está implícito que o rico deva deixar de ser rico, e portanto, que as pessoas que se beneficiam de sua riqueza, fossem perder isso. Mas, mesmo aceitando o declive escorregadio, como não vai tudo pelo ralo, ainda seria razoável supor que todo mundo fosse gastar/consumir e assim participar numa rede de
[dinheiro e] benefícios mútuos, só que com algumas pessoas podendo participar com mais (ou com algum) dinheiro, em vez de menos pessoas participando com mais dinheiro (e talvez nem tão mais, uma vez que estão também concentrando mais).