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Avô no playground - a crueldade das crianças

Enviado: 22 Nov 2009, 10:34
por Fernando Silva
Descobertas de um avô de primeira viagem sobre a crueldade sem hipocrisia das crianças e sobre o dilema entre proteger demais ou deixar que a netinha aprenda a se defender sozinha.

"O Globo" 22/11/09
Avô em playground
VERISSIMO

Uma das eventuais missões de avô, Zuenir, é acompanhar a neta a playgrounds e ficar de olho enquanto ela se mistura com outras crianças, sobe e desce de brinquedos, corre, cai, chora, se levanta — enfim, interage com o mundo e com os outros. Pode ser uma experiência desconcertante, para o avô. Um playground cheio de crianças é um microcosmo em que todos os impulsos e calhordices da Humanidade são reproduzidos em estado puro, sem dissimulação. Alianças são feitas e desfeitas em minutos, os mais fortes ou mais ativos impõem sua vontade, e, como no mundo dos adultos, os piores conflitos parecem sempre passar pela questão da propriedade.

Desconfio que John Locke desenvolveu sua teoria sobre o instinto da propriedade acompanhando uma disputa sobre baldes e pazinhas em algum playground inglês do século XVII.

Corta o coração de um avô ver o primeiro encontro da neta com a realidade de que o que é do outro é do outro, e só será compartilhado por um raro ato de altruísmo.

Isto vale tanto para baldes e pazinhas quanto para bolas, bonecos, lugares na fila do escorregador e latifúndios improdutivos.

Avô em playground precisa ter, antes de mais nada, autocontrole. Deve resistir à tentação de socorrer a neta cada vez que ela cai, abraçá-la e tentar convencê-la a não sair mais do colo do vô, que é o lugar mais seguro da Terra. Também deve resistir à tentação de dar um sutil empurrão no garoto que insiste em não desocupar o balanço, ou interferir quando a menina maior não deixa a sua neta colaborar nos seus bolinhos de areia, inclusive indo lá e, disfarçadamente, pisando nos bolinhos. O correto, claro, é deixar a neta descobrir sozinha como se defender e como se impor.

Mas aí entra outra consideração: sua neta só aprenderá a sobreviver à truculência e à prepotência dos outros se também se tornar um pouco truculenta e prepotente.

E você jamais aceitará que sua neta não tenha o melhor caráter do playground, além de um inato senso de justiça.

Outra coisa: avô em playground deve tentar evitar o ridículo. Ele é um estranho no meio, e estará sob constante observação crítica de mães e babás. Em hipótese alguma deve se oferecer para descer junto com a neta no escorregador, temendo que ela caia, e arriscando o vexame. E nunca fazer um discurso contra o egoísmo e a falta de solidariedade no mundo antes de confiscar um balde e uma pazinha para sua neta.

Re: Avô no playground - a crueldade das crianças

Enviado: 23 Nov 2009, 07:32
por Johnny
Em hipótese alguma deve se oferecer para descer junto com a neta no escorregador, temendo que ela caia, e arriscando o vexame.


MEsmo por que, com tanto véio safado e pedófilo por aí, não daria para arriscar

Re: Avô no playground - a crueldade das crianças

Enviado: 23 Nov 2009, 11:52
por Lúcifer
Uma coisa que eu acho engraçado na vida é que parece que as pessoas se esquecem do tempo em que eram crianças. Será que no tempo desse avô as circunstâncias eram tão diferentes assim? Não creio. Até eu me lembro desse tempo. O que causa tanta estranheza afinal??

Re: Avô no playground - a crueldade das crianças

Enviado: 23 Nov 2009, 12:52
por Apo
Lúcifer escreveu:Uma coisa que eu acho engraçado na vida é que parece que as pessoas se esquecem do tempo em que eram crianças. Será que no tempo desse avô as circunstâncias eram tão diferentes assim? Não creio. Até eu me lembro desse tempo. O que causa tanta estranheza afinal??


Com relação ao autor, não há estranheza alguma. Ele é um cronista do cotidiano. Apenas descreve o que se vê nas relações humanas desde sempre. Não emitiu crítica alguma, é apenas um observador.

PS: nem toda criança é da mesma forma egoísta. Algumas gostam de compartilhar.

Re: Avô no playground - a crueldade das crianças

Enviado: 23 Nov 2009, 13:04
por Lúcifer
Apo escreveu:
Lúcifer escreveu:Uma coisa que eu acho engraçado na vida é que parece que as pessoas se esquecem do tempo em que eram crianças. Será que no tempo desse avô as circunstâncias eram tão diferentes assim? Não creio. Até eu me lembro desse tempo. O que causa tanta estranheza afinal??


Com relação ao autor, não há estranheza alguma. Ele é um cronista do cotidiano. Apenas descreve o que se vê nas relações humanas desde sempre. Não emitiu crítica alguma, é apenas um observador.

PS: nem toda criança é da mesma forma egoísta. Algumas gostam de compartilhar.


Um observador do óbvio. Mas parece que deve existir uma pessoa assim para lembrar as outras pessoas de onde vem a nossa necessitade primitiva de dominadores e dominados.

P.S. Uma boa parte das crianças que agem de forma egoista, o fazem quando em grupos, não sendo assim quando estão sozinhas. Uma necessitade de se mostrar forte perante os outros colegas pra não perderem seu status.

Re: Avô no playground - a crueldade das crianças

Enviado: 23 Nov 2009, 14:47
por Apo
Lúcifer escreveu:
Apo escreveu:
Lúcifer escreveu:Uma coisa que eu acho engraçado na vida é que parece que as pessoas se esquecem do tempo em que eram crianças. Será que no tempo desse avô as circunstâncias eram tão diferentes assim? Não creio. Até eu me lembro desse tempo. O que causa tanta estranheza afinal??


Com relação ao autor, não há estranheza alguma. Ele é um cronista do cotidiano. Apenas descreve o que se vê nas relações humanas desde sempre. Não emitiu crítica alguma, é apenas um observador.

PS: nem toda criança é da mesma forma egoísta. Algumas gostam de compartilhar.


Um observador do óbvio.


Sim, a maior parte das crônicas de cotidiano reflete o óbvio. Cada autor dá a sua roupagem: pode ser mais humorada, crítica, filosófica ou politizada. Mas continua mostrando o cotidiano meio óbvio.

Mas parece que deve existir uma pessoa assim para lembrar as outras pessoas de onde vem a nossa necessitade primitiva de dominadores e dominados.


Normal. Todo mundo sabe que a evolução é uma história de dominação nas espécies vivas.

P.S. Uma boa parte das crianças que agem de forma egoista, o fazem quando em grupos, não sendo assim quando estão sozinhas. Uma necessitade de se mostrar forte perante os outros colegas pra não perderem seu status.


Isto é o padrão, ou meio estereotipado. Mesmo em grupo, as crianças seguem a evolução mental e social da espécie, mas alguns comportamentos podem diferir antagonicamente. Principalmente por 2 motivos: impulso de copiar, imitar, repetir e desejo de sobreviver ( seja lá qual forem as questões em jogo no momento).
Mas algumas crianças são mais introvertidas e podem ficar apenas observando os demais, outras são menos "agressivas", menos competitivas ou ainda se mostram já prontas para "dividir" ( pois isto também tem uma vantagem competitiva: conseguir aliados).
Minha filha, por exemplo, não passou pela fase egocêntrica: se alguém tentava tirar o lugar dela, ela cedia um canto. Se pediam alguma coisa comum emprestada, ela emprestava. A menos que fosse alguma coisa particular que claramente fosse apenas dela. Nunca arrancou nada da mão de ninguém.Mas apanhou um bocado. Era do tipo que pedia ou olhava no olho do outro esperando assentimento. Foi um sufoco, porque me chamaram mais de uma vez na escola para contar que ela acabava ficando sem muita coisa para si mesma. Tivemos que conversar com ela, para que se protegesse mais e "lutasse" mais em algumas situações.
Isto até uns 7 anos. Depois, as coisas foram mudando e ela decidiu que não queria mais ser tão "caridosa".

Mas havia outras crianças assim como ela. Acho que o emocional, alguns exemplos transmitidos em casa, assim como o entendimento intuitivo de alguns conceitos, faz algumas crianças não pensarem que o mundo gira apenas em torno delas.