[...] O consultor de finanças públicas Amir Kahir concorda:
- Na realidade, quem paga imposto no Brasil é da classe média para baixo.
Segundo o especialista, quem ganha até 2 salários mínimos paga até 49% do que ganha em tributos. Mas quem ganha acima de 30 salários mínimos paga apenas 26% dos seus rendimentos em tributos. "Ou seja, há uma grande regressividade. Coisa que não é levantada pelas associações comerciais, pelas empresas de forma geral", critica.
Para Kahir, "o maior defeito do sistema tributário brasileiro é sua alta regressividade que, junto com a má distribuição de renda, são os grandes freios ao desenvolvimento econômico do país".
Impostos diretos podem corrigir injustiça tributária
A Constituição Federal de 1988 tem dois instrumentos que podem reduzir o peso dos impostos sobre as pessoas com menor renda e propiciar maior contribuição daqueles que tem mais rendimentos, patrimônio e se beneficiam diretamente das melhorias feitas pelo Estado. Os constituintes estabeleceram o imposto sobre fortuna e a contribuição de melhoria. Mas tais mecanismos continuam sem regulamentação.
A Constituição prevê inclusive que a tributação deverá ser proporcional à condição socioeconômica do contribuinte.
"Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte", diz o artigo nº 145.
Apesar dos dois mecanismos constitucionais (criados há 21 anos), segundo especialistas, não há movimento aparente no Congresso Nacional para regulamentar os artigos e gerar maior equilíbrio tributário. Para Adriano Biava, "o que falta é vontade política para aplicar":
- Não se aplica porque o sistema político não quer ser controlado. O sistema político é para que o Estado concentre renda e riqueza - critica.
Para Amir Kahir, "o domínio das decisões tributárias se dá no Congresso Nacional e a representatividade do parlamento não espelha exatamente os interesses da população, especialmente a população de menor renda. Consequentemente, nunca se conseguirá aprovar o imposto sobre grandes fortunas".
Para Márcio Pochmann, as definições das políticas públicas, gastos e arrecadações se dão "por meio da pressão política", o que demostra articulação de alguns setores sociais e a desorganização política de outros.
- O país tem que usar a política tributária como política de redistribuição. Precisamos diminuir impostos indiretos (sobre mercadorias, serviços e produtos) e aumentar impostos diretos (sobre renda e patrimônio) - propõe, lembrando que, a cada R$ 3 arrecadados, R$ 2 derivam de impostos indiretos (IPI, ISS e ICMS).
ICMS inviabiliza reforma e gera principais injustiças tributárias
Especialista em finanças públicas, Adriano Biava aponta para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) como um dos principais vilões da injustiças tributárias.
- Os estados têm uma tributação sobre a totalidade dos produtos no âmbito do ICMS e é por esta via que a população de baixa renda paga proporcionalmente mais do que o pessoal de renda elevada - analisa.
Em sua análise, porém, não é preciso fazer mudança constitucional:
- Não precisamos de reforma, mas da implantação de um sistema tributário que seja socialmente justo - pondera.
Para Amir Kahir, "várias tentativas foram feitas desde a Constituição de 1988 de mudar os sistema tributário e sempre foram bombardeadas pelos governadores". Isso porque "todas essas reformas mexem profundamente com o ICMS, que é o principal tributo dos governos estaduais. Em média, é 83% da arrecadação dos estados".
Em sua opinião, a criação do (Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) no lugar do ICMS não vai corrigir o problema:
- Fazer o IVA é trocar o seis por meia dúzia, não altera nada e vai gerar um monte de contestações na Justiça.
Trabalhador paga o equivalente a 40% da renda em impostos
Este ano, o brasileiro vai trabalhar em média 147 dias, reservando cerca de 40% da sua renda somente para pagar tributos, segundo apontou estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Para o instituto, o número é um indicativo de que a carga tributária no Brasil é excessiva, o que penaliza os trabalhadores e o setor produtivo.
Segundo o diretor técnico do IBPT, João Eloi Olenike, "a carga tributária alta compromete muito o desenvolvimento do país", porque "extrapola" os níveis de produção.
- O ideal seria uma tributação que acompanhasse a produção e que suprisse as necessidades do governo sem que a população sofresse prejuízos - disse Olenike.
Além dos valores pagos, que significam quase 37% do Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas no país, o modelo de tributação também é problemático, segundo avaliação de Olenike. De acordo com ele, como a maior parte dos impostos e contribuições incidem sobre a renda e o consumo, o setor produtivo e as pessoas de menor renda são prejudicados. Pelo estudo, as pessoas que ganham entre R$ 3.000 a R$ 10.000 pagam a maior carga de impostos, 42,62% da renda.
Pelo estudo, os tributos de consumo são cerca de 55% da carga tributária.
Esse tipo de tributo, encarece as mercadorias e estimula crimes como a pirataria e a sonegação.
- Por que existe o CD pirata? Porque de 50% a 60% do valor do CD são tributos - relacionou o diretor técnico do IBPT.
Para Olenike, os tributos sobre patrimônio deveriam ter participação mais expressiva no sistema tributário. Segundo ele, esse tipo de tributação é mais justo, porque incide sobre as pessoas que tiveram condições de adquirir bens. Atualmente, os impostos sobre patrimônio, como o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), representam aproximadamente 7% da carga total.
O número de tributos diferentes também é um problema, na avaliação de Olenike. De acordo com ele, os 61 impostos e contribuições existentes causam complicações. Por isso, o ideal seria uma simplificação, que reduzisse para sete ou oito o número de tributos.
Ele ressaltou que existe uma previsão de simplificação de impostos na proposta de Reforma Tributária, em tramitação no Congresso. No entanto, para Olenike, a proposta não acaba com a regressividade dos impostos ou reduz a carga tributária.
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