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Justiça Distributiva

Enviado: 07 Mai 2006, 09:17
por Res Cogitans
Justiça distributiva
Harry Gensler
John Carroll University, Cleveland, USA

Como devem ser distribuídos os bens numa sociedade? […] Serão consideradas aqui três perspectivas — primeiro o utilitarismo, e depois as perspectivas não consequencialistas de John Rawls e Robert Nozick.

O utilitarismo clássico diz que deves maximizar o prazer em detrimento da dor. Se a nossa acção maximiza o bem, não importa se a distribuição do bem é igual ou desigual. Logo, o utilitarismo justifica em princípio um grande fosso entre ricos e pobres.

Todavia, os utilitaristas afirmam que na prática a sua perspectiva prefere uma distribuição mais igual. Considera uma pequena sociedade de ilhéus constituída por duas famílias. A família rica ganha 100 000 euros por ano e tem bens em abundância; a família pobre ganha 5 000 e confronta-se com a possibilidade de passar fome. Supõe que 2 500 euros da família rica vão para a família pobre. A família pobre beneficiaria enormemente, e a família rica dificilmente sentiria a falta desse dinheiro. A razão para isto é a diminuição da utilidade marginal do dinheiro; à medida que enriquecemos, cada euro extra faz menos diferença no nosso bem-estar. Passar de 100 000 euros para 97 500 não faz diferença, mas passar de 5 000 para 7 500 euros faz uma grande diferença. Assim, argumentam os utilitaristas, uma certa quantidade de riqueza tende a produzir mais felicidade total se for repartida mais imparcialmente. A nossa sociedade de ilhéus provavelmente maximizaria a sua felicidade total se ambas as famílias partilhassem igualitariamente a riqueza.

Apesar de parecer sensato, os não consequencialistas têm dúvidas em relação a isto. Se uma família retira mais prazer do que outra de uma certa quantidade de dinheiro, deveria por isso ter mais dinheiro (uma vez que isto maximizaria o prazer total)? Será isso justo? E mesmo que o utilitarismo conduza a juízos correctos sobre a igualdade, será que o faz pelas razões certas? É a igualdade boa, não em si, mas meramente porque produz o maior total de felicidade?

John Rawls propôs uma influente abordagem não consequencialista à justiça. Como podemos decidir o que é justo? Rawls sugere que a pergunta a fazer é esta: que regras mereceriam o nosso acordo em certas condições hipotéticas (a posição original)? Imagina que somos livres, lúcidos e conhecemos todos os factos relevantes — mas não conhecemos o nosso lugar na sociedade (se somos ricos ou pobres, negros ou brancos, de sexo feminino ou masculino). A limitação do conhecimento tem o objectivo de assegurar a imparcialidade. Por exemplo, se não sabemos qual é a nossa raça, não podemos manipular as regras para favorecer uma raça e prejudicar outras. As regras de justiça são as regras que mereceriam o nosso acordo nestas condições de imparcialidade.

Que regras mereceriam o nosso acordo na posição original? Rawls argumenta que escolheríamos estes dois princípios básicos de justiça (e cuja formulação simplifiquei):

Princípio da liberdade igual: A sociedade deve assegurar a maior liberdade para cada pessoa compatível com uma liberdade igual para todos os outros.
Princípio da diferença: A sociedade deve promover uma distribuição igual de riqueza, excepto se as desigualdades servirem como incentivo para benefício de todos (incluindo os menos favorecidos) e estiverem abertas a todos numa base igual.
O princípio da liberdade igual assegura coisas como liberdade de religião e liberdade de expressão. Rawls diz que tais direitos não podem ser violados a favor da utilidade social. O princípio da diferença é acerca da distribuição de riqueza. Na posição original poderíamos sentir-nos atraídos pela perspectiva igualitária segundo a qual todos deveriam ter exactamente a mesma riqueza. Mas desse modo a sociedade estagnaria, uma vez que as pessoas teriam poucos incentivos para fazerem coisas difíceis (como tornarem-se médicos ou inventores) que acabam por beneficiar todas as pessoas. Por isso, preferiríamos uma regra que permite incentivos.

De uma maneira geral, todos teriam a mesma riqueza numa sociedade rawlsiana — excepto para desigualdades (como pagar mais a médicos) que são justificadas como incentivos que acabam por beneficiar todas as pessoas, e que estão abertas a todos numa base igual.

Robert Nozick é o crítico mais duro do princípio da diferença de Rawls. A perspectiva que propõe é a da titularidade das posses justas. Esta perspectiva diz que tudo o que ganhas honestamente através do teu esforço e de acordos justos é teu. Se alguém ganhou legitimamente o que tem, então a distribuição que daí resulta é justa — independentemente de poder ser desigual. Ainda que outros tenham muito menos, ninguém tem o direito de se apropriar das tuas posses. Esquemas (como taxas diferenciadas de impostos) que forçam a redistribuição de riqueza são errados porque violam o teu direito à propriedade. Roubam o que é teu para dar a outros.

Quanto devem ganhar os médicos? Segundo Nozick, devem ganhar seja o que for que ganhem legitimamente. Numa sociedade podem ganhar praticamente o mesmo que qualquer outra pessoa; noutra, podem ganhar grandes somas de dinheiro. Nos dois casos, são titulares do que ganham — e qualquer esquema que lhes retire os seus ganhos para ajudar outros é injusto.

Que perspectiva devemos preferir, a de Rawls ou a de Nozick? Se apelarmos a intuições morais, ficaremos num impasse; as intuições liberais estão de acordo com Rawls, enquanto as intuições libertárias estão de acordo com Nozick. Contudo, eu afirmaria que a consistência racional favorece algo de parecido com a perspectiva de Rawls. Imagina uma sociedade organizada segundo a concepção de mercado livre de Nozick e na qual, depois de várias gerações, há um grande fosso entre ricos e pobres. Aqueles que nasceram numa família rica são ricos, e aqueles que nasceram numa família pobre sujeitam-se a uma pobreza que não podem vencer. Imagina que tu e a tua família sofrem desta pobreza. Se estiveres nesta situação, poderás desejar que os princípios de Nozick sejam seguidos?

Harry Gensler

Tradução de Faustino Vaz
Extraído de Ethics: A contemporary introduction, de Harry Gensler (Routledge, 1998)

Copyright © 1997–2005 criticanarede.com · ISSN 1749-8457
Direitos reservados. Não reproduza sem citar a fonte.

Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 04 Nov 2007, 16:45
por SickBoy
bump!

Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 04 Nov 2007, 16:54
por Aranha
Res Cogitans escreveu:Imagina que tu e a tua família sofrem desta pobreza. Se estiveres nesta situação, poderás desejar que os princípios de Nozick sejam seguidos?


- Agora imagine que todos que sofrem desta pobreza possam votar, depois imagine que hajam políticos prometendo o dinheiro dos ricos para eles...

Abraços,

Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 04 Nov 2007, 16:58
por Apáte
Uai, abmael...

Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 04 Nov 2007, 17:13
por myg
Utilitarista radical:

"vamos fazer ração de cadaveres humanos para dar a porcos"

Re: Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 05 Nov 2007, 09:50
por Aranha
Apáte escreveu:Uai, abmael...



- Lamento decepcioná-lo Apáte, mas não sou de esquerda, sou o que os americanos chamam de liberal ou democrata, no entanto, para os radicais daqui isto é o mesmo que ser admirador de Mao e Fidel.

Abraços,

Enviado: 05 Nov 2007, 12:24
por André
A perspectiva da igualdade material relativa de Rawls está por trás de boa parte da defesa por políticas de incentivo a comportamento desejável, assim como políticas de distribuição de renda. Sua contribuição a muitos influenciou, eu fiz parte de um grupo de filosofia na faculdade que discutia Rawls, e sua perspectiva de justiça, me lembrei daquele pessoal agora.

Re: Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 05 Nov 2007, 13:08
por Apáte
Abmael escreveu:
Apáte escreveu:Uai, abmael...



- Lamento decepcioná-lo Apáte, mas não sou de esquerda, sou o que os americanos chamam de liberal ou democrata, no entanto, para os radicais daqui isto é o mesmo que ser admirador de Mao e Fidel.

Abraços,

"não sou de esquerda"

Parei aqui. Tá curtindo com a minha cara?

Enviado: 05 Nov 2007, 13:09
por Apáte
André escreveu:A perspectiva da igualdade material relativa de Rawls está por trás de boa parte da defesa por políticas de incentivo a comportamento desejável, assim como políticas de distribuição de renda. Sua contribuição a muitos influenciou, eu fiz parte de um grupo de filosofia na faculdade que discutia Rawls, e sua perspectiva de justiça, me lembrei daquele pessoal agora.

Mais conhecida como "turminha da maconha". :emoticon12:

Enviado: 05 Nov 2007, 13:19
por André
Apáte escreveu:
André escreveu:A perspectiva da igualdade material relativa de Rawls está por trás de boa parte da defesa por políticas de incentivo a comportamento desejável, assim como políticas de distribuição de renda. Sua contribuição a muitos influenciou, eu fiz parte de um grupo de filosofia na faculdade que discutia Rawls, e sua perspectiva de justiça, me lembrei daquele pessoal agora.

Mais conhecida como "turminha da maconha". :emoticon12:


Isso é fama. Os da "turminha da maconha" que eram poucos, em geral não participavam de grupos de debate, estavam muito chapados para isso.

Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 05 Nov 2007, 13:22
por Apáte
:emoticon3:

Enviado: 05 Nov 2007, 14:08
por Soviete Supremo
Aqui no Brasil seria necessário destronar a ética do sacrifício antes de tudo. Neste fórum vejo até mesmo ateus exaltando esta ética de origens religiosas.

Re: Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 05 Nov 2007, 15:11
por Aranha
Apáte escreveu:
Abmael escreveu:
Apáte escreveu:Uai, abmael...



- Lamento decepcioná-lo Apáte, mas não sou de esquerda, sou o que os americanos chamam de liberal ou democrata, no entanto, para os radicais daqui isto é o mesmo que ser admirador de Mao e Fidel.

Abraços,

"não sou de esquerda"

Parei aqui. Tá curtindo com a minha cara?


- Mas..., Eu seria capaz de jurar que você tem um poster do Fidel no quarto e um adesivo do Che no carro !

:emoticon12:

Abraços,

Enviado: 05 Nov 2007, 16:58
por clara campos
Soviete Supremo escreveu:Aqui no Brasil seria necessário destronar a ética do sacrifício antes de tudo. Neste fórum vejo até mesmo ateus exaltando esta ética de origens religiosas.

a origem religiosa de algo não atribui necessariamente um caracter negativo À "coisa".
Uma forma sofisticada de ad hominem

Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 05 Nov 2007, 17:21
por Soviete Supremo
A ética do sacrifíco é um embuste. Espera-se que os outros sacrifiquem, enquanto o impostor não sacrifica nada.

Muito mais coerente pregar a busca à felicidade.

Re: Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 05 Nov 2007, 17:52
por clara campos
Soviete Supremo escreveu:A ética do sacrifíco é um embuste. Espera-se que os outros sacrifiquem, enquanto o impostor não sacrifica nada.

Estás a afirmar que todos os que defendem a "ética do sacrifício" são impostores?

Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 05 Nov 2007, 17:55
por Soviete Supremo
Não só eu como a maioria dos filósofos.

Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 05 Nov 2007, 18:12
por Apáte
Logou com a conta errada, Soviético?
Ou seria outro personagem das HQs...
:emoticon12:

Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 05 Nov 2007, 18:15
por clara campos
Soviete Supremo escreveu:Não só eu como a maioria dos filósofos.


a.1)Fonte?
a.2)Provas?

Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 05 Nov 2007, 18:23
por Apáte
Ah, e com certeza, quem acha que os outros têm que se sacrificar para eles obrigatoriamente, não levando em conta que o sujeito rala pra conseguir o que tem, não passa de oportunista.

Re: Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 05 Nov 2007, 20:32
por zencem
Abmael escreveu:
Res Cogitans escreveu:Imagina que tu e a tua família sofrem desta pobreza. Se estiveres nesta situação, poderás desejar que os princípios de Nozick sejam seguidos?


- Agora imagine que todos que sofrem desta pobreza possam votar, depois imagine que hajam políticos prometendo o dinheiro dos ricos para eles...

Abraços,


O que voce acha?

A lei de Gerson deve prevalecer?



Re: Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 06 Nov 2007, 08:55
por Aranha
zencem escreveu:
Abmael escreveu:
Res Cogitans escreveu:Imagina que tu e a tua família sofrem desta pobreza. Se estiveres nesta situação, poderás desejar que os princípios de Nozick sejam seguidos?


- Agora imagine que todos que sofrem desta pobreza possam votar, depois imagine que hajam políticos prometendo o dinheiro dos ricos para eles...

Abraços,


O que voce acha?

A lei de Gerson deve prevalecer?






- O que eu acho já não está implícito no que escrevi !?!?!

Abraços,

Re: Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 06 Nov 2007, 09:06
por Soviete Supremo
clara campos escreveu:
Soviete Supremo escreveu:Não só eu como a maioria dos filósofos.


a.1)Fonte?
a.2)Provas?


O utilitarismo tem aversão ao “status quo”. Sua pregação da busca a felicidade e é incompatível com a moral do sacrifício.

“Na sua crítica social, Bentham alinha-se ao materialismo do séc. XVIII e antecipa muito do que mais tarde Marx afirmaria. Garante que a moral do sacrifício, então vigente, é um deliberado embuste imposto pela classe dominante em defesa de seus interesses. Espera o sacrifício dos outros, sem querer se sacrificar. Contra isto, Bentham expôs seu princípio utilitarista.”

História do Pensamento Ocidental – Bertrand Russel – Página 427 - Ediouro

Lista incompleta dos filósofos que advogam o utilitarismo:

http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Utilitarians

Re: Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 06 Nov 2007, 16:38
por zencem
Abmael escreveu:
zencem escreveu:
Abmael escreveu:
Res Cogitans escreveu:Imagina que tu e a tua família sofrem desta pobreza. Se estiveres nesta situação, poderás desejar que os princípios de Nozick sejam seguidos?


- Agora imagine que todos que sofrem desta pobreza possam votar, depois imagine que hajam políticos prometendo o dinheiro dos ricos para eles...

Abraços,


O que voce acha?

A lei de Gerson deve prevalecer?






- O que eu acho já não está implícito no que escrevi !?!?!

Abraços,


Pode estar implícito, mas seria bom que ficasse explícito.

Nós aplaudimos as boas ações. :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12:



Re: Re.: Justiça Distributiva

Enviado: 07 Nov 2007, 01:00
por Ilovefoxes
Complexo de Robin Wood da esquerda.

Sempre esquecem que dinheiro não é algo que existe desde o princípio da existência da Terra, que vem de algum lugar e é necessário produção.
A lógica da justiça social é pior que a lógica em imprimir mais dinheiro para acabar com a pobreza.
Apáte escreveu:
Abmael escreveu:
Apáte escreveu:Uai, abmael...



- Lamento decepcioná-lo Apáte, mas não sou de esquerda, sou o que os americanos chamam de liberal ou democrata, no entanto, para os radicais daqui isto é o mesmo que ser admirador de Mao e Fidel.

Abraços,

"não sou de esquerda"

Parei aqui. Tá curtindo com a minha cara?
Tá, tá de onda.