No surreal reino comunista da Coréia
Enviado: 13 Nov 2005, 20:26
OBS: Fiquem tranquilos. Postei no forum comunista também:
http://forumcomunismo.com/viewtopic.php?p=49609#49609
No surreal reino comunista da Coréia
http://zh.clicrbs.com.br
Editora de equipe de TV relata aventura de três jornalistas brasileiros no país mais fechado do mundo
MÔNICA GUGLIANO/ Agência Estado/Pyongyang
Da janelinha do avião, a paisagem da Coréia do Norte é árida, e a cidade que se aproxima está encoberta por uma bruma. Pousamos, e lá está escrito: Pyongyang. E, quase ao lado, ali está ele: Kim Il-sung. Sim, uma imagem do Grande Líder, o Suryong (Líder Supremo), o pai do atual líder. Ele, Kim Il-sung, que pairaria sobre nossas cabeças durante toda nossa estadia.
Pisamos na capital norte-coreana (eu, editora do SBT, a repórter e apresentadora Ana Paula Padrão e o cinegrafista Edilson Rizzo) para fazer as primeiras reportagens da TV brasileira sobre o país mais fechado do mundo, uma ditadura comunista. Foram 10 meses para conseguir o visto.
Chegada ao país
Vôo lotado, desembarque lento, fila na imigração e a primeira impressão estranha. No guichê, a moça com roupa militar cujo quepe cobre metade do rosto. Protegida por um vidro, olha meu passaporte, volta a olhar e pergunta em um inglês de difícil compreensão:
- Você é jornalista brasileira? E as outras duas pessoas que chegaram junto com você?
Explico que Ana Paula e Edilson estão ali. Ela ouve e pergunta quem está nos esperando. Eu sabia que alguém estaria nos esperando. Até porque, se ninguém estivesse nos esperando, não teríamos chegado até lá. Diante da moça com roupa militar, começo a me perguntar. Mas quem? E se eles tivessem mudado de idéia? E se nos obrigassem a voltar para casa?
Foram segundos, enquanto saía do guichê e me dirigia ao vidro que separava o setor de desembarque do saguão. Porém, alívio! Do outro lado, sorridente e segurando uma plaquinha escrito "Brazil", lá estava ele.
Vim a saber que se chamava Kim. Seria nosso guia, junto com o outro senhor Kim. E com o motorista que usava luvas brancas para dirigir, também senhor Kim. E, finalmente, com a senhora Kim. Dela, pelo menos, conseguimos saber o nome completo, Kim Myong-suk. E mais, seu cargo: subdiretora do Departamento de Afro-América Latina, do Comitê de Relações Culturais com o Exterior. Ela conhecia bem o Brasil, passara quatro meses aqui, tinha noções de português e seu nome ganhara uma versão nativa: Kim Clara.
Chamá-los de guias, porém, é quase uma licença poética. Na nossa concepção, guia é aquele que simplesmente nos mostra um caminho. Neste caso, não. Eles diriam, sempre, aonde iríamos, quando e como. Eles também impediam que nos aproximássemos de qualquer pessoa. Controlavam as imagens que fazíamos, cerceavam o trabalho do cinegrafista, baixando a câmera ou mesmo colocando a mão na lente. Ouviam as gravações de Ana Paula, ameaçavam recolher as fitas. Talvez a melhor palavra para defini-los seja "censores".
A capital
Pyongyang é uma cidade limpa, arborizada. A arquitetura é típica das cidades concebidas pelo antigo regime soviético: grandes monumentos, espaços imensos e vazios. Uma sensação ampliada pela ausência quase total de carros. A população usa bondes, anda a pé ou de metrô.
Pyongyang tem uma arquitetura Juche. A filosofia Juche é o pilar da ideologia que orienta tudo na Coréia do Norte. Ela foi concebida na década de 50 por Kim Il-sung, o Líder Supremo, que esteve no poder de 1948 até sua morte, em 1994. A Juche, mantida pelo filho do Grande Líder, que o sucedeu, Kim Jong-Il, dita as ações governamentais, do Partido dos Trabalhadores, da população, de tudo.
A Praça Kim Il-sung é o coração de Pyongyang, o centro político e administrativo, onde acontecem os grandes comícios, as celebrações - como a dos 60 anos do Partido dos Trabalhadores. A praça tem 75 mil metros quadrados. O metrô, que está a 100 metros de profundidade, serve também como abrigo antiaéreo.
À medida que os guias despejavam números, repetiam conceitos e elogios ao regime comunista e suas maravilhas, tudo foi ficando tão irreal que passou a exasperar. A Coréia do Norte tem um seriíssimo problema de energia. Esse é inclusive o argumento que eles usam para manter suas pesquisas nucleares longe da fiscalização da Agência Internacional de Energia Atômica ou para justificar a necessidade de construir um reator e processar urânio. À noite, Pyongyang fica completamente às escuras. Segundo nossos guias, no entanto, as hidrelétricas no país são incontáveis.
Guerra de informação
A fome é outro problema. As áreas cultiváveis são apenas 25% do território. Sem terra para plantar e excluída da economia mundial, a população enfrenta a fome.
As últimas safras foram perdidas, a agricultura é rudimentar e arcaica. Mas, de acordo com nossos guias, todas essas informações são semeadas pelos inimigos. A colheita deste ano, disseram, será tão grande que não há noção do número de toneladas.
A ponte caída que não caiu
Em uma de nossas rápidas viagens pelo interior, Ana Paula olhou pela janela do ônibus e viu uma ponte caída. Fez um comentário:
- O que aconteceu com essa ponte que caiu?
O senhor Kim respondeu:
- Não caiu.
Estupefata, ela olhou e repetiu:
- Mas caiu, está no chão.
Irritado, ele encerrou a conversa:
- Caiu, mas foi na guerra.
Tudo que pudesse não estar perfeito era explicado como algum resquício da guerra. A Coréia é uma nação com 5 mil anos de história e de cultura. Ambas foram varridas do mapa por Kim Il-sung e seus seguidores.
Sem contato com a população
Em muitos anos de trabalho como repórter, conheci países e mazelas de todos os tipos. Ricos e pobres, palácios e favelas. Há pouco tempo estive no Haiti. Os haitianos vivem dentro da lógica humana, mesmo que seja no que ela tem de mais miserável.
Na Coréia do Norte, não encontrei lógica que torne racional a falta de liberdade que reina por lá. Fomos impedidos de manter contato com a população, que víamos apenas à distância. Não é possível saber se as pessoas são felizes, como é seu cotidiano. Ao fim da viagem, foi triste constatar que nossos guias se esforçaram tanto para nos convencer de que estávamos em um país perfeito que exageraram na dose. Mas se, para nós, a constatação é motivo de espanto, para nossos guias é de orgulho. Ou, como nossa guia Kim Clara dizia:
- Somos uma sociedade monolítica. Somos um só nos nossos objetivos, conceitos e opiniões.

http://forumcomunismo.com/viewtopic.php?p=49609#49609
No surreal reino comunista da Coréia
http://zh.clicrbs.com.br
Editora de equipe de TV relata aventura de três jornalistas brasileiros no país mais fechado do mundo
MÔNICA GUGLIANO/ Agência Estado/Pyongyang
Da janelinha do avião, a paisagem da Coréia do Norte é árida, e a cidade que se aproxima está encoberta por uma bruma. Pousamos, e lá está escrito: Pyongyang. E, quase ao lado, ali está ele: Kim Il-sung. Sim, uma imagem do Grande Líder, o Suryong (Líder Supremo), o pai do atual líder. Ele, Kim Il-sung, que pairaria sobre nossas cabeças durante toda nossa estadia.
Pisamos na capital norte-coreana (eu, editora do SBT, a repórter e apresentadora Ana Paula Padrão e o cinegrafista Edilson Rizzo) para fazer as primeiras reportagens da TV brasileira sobre o país mais fechado do mundo, uma ditadura comunista. Foram 10 meses para conseguir o visto.
Chegada ao país
Vôo lotado, desembarque lento, fila na imigração e a primeira impressão estranha. No guichê, a moça com roupa militar cujo quepe cobre metade do rosto. Protegida por um vidro, olha meu passaporte, volta a olhar e pergunta em um inglês de difícil compreensão:
- Você é jornalista brasileira? E as outras duas pessoas que chegaram junto com você?
Explico que Ana Paula e Edilson estão ali. Ela ouve e pergunta quem está nos esperando. Eu sabia que alguém estaria nos esperando. Até porque, se ninguém estivesse nos esperando, não teríamos chegado até lá. Diante da moça com roupa militar, começo a me perguntar. Mas quem? E se eles tivessem mudado de idéia? E se nos obrigassem a voltar para casa?
Foram segundos, enquanto saía do guichê e me dirigia ao vidro que separava o setor de desembarque do saguão. Porém, alívio! Do outro lado, sorridente e segurando uma plaquinha escrito "Brazil", lá estava ele.
Vim a saber que se chamava Kim. Seria nosso guia, junto com o outro senhor Kim. E com o motorista que usava luvas brancas para dirigir, também senhor Kim. E, finalmente, com a senhora Kim. Dela, pelo menos, conseguimos saber o nome completo, Kim Myong-suk. E mais, seu cargo: subdiretora do Departamento de Afro-América Latina, do Comitê de Relações Culturais com o Exterior. Ela conhecia bem o Brasil, passara quatro meses aqui, tinha noções de português e seu nome ganhara uma versão nativa: Kim Clara.
Chamá-los de guias, porém, é quase uma licença poética. Na nossa concepção, guia é aquele que simplesmente nos mostra um caminho. Neste caso, não. Eles diriam, sempre, aonde iríamos, quando e como. Eles também impediam que nos aproximássemos de qualquer pessoa. Controlavam as imagens que fazíamos, cerceavam o trabalho do cinegrafista, baixando a câmera ou mesmo colocando a mão na lente. Ouviam as gravações de Ana Paula, ameaçavam recolher as fitas. Talvez a melhor palavra para defini-los seja "censores".
A capital
Pyongyang é uma cidade limpa, arborizada. A arquitetura é típica das cidades concebidas pelo antigo regime soviético: grandes monumentos, espaços imensos e vazios. Uma sensação ampliada pela ausência quase total de carros. A população usa bondes, anda a pé ou de metrô.
Pyongyang tem uma arquitetura Juche. A filosofia Juche é o pilar da ideologia que orienta tudo na Coréia do Norte. Ela foi concebida na década de 50 por Kim Il-sung, o Líder Supremo, que esteve no poder de 1948 até sua morte, em 1994. A Juche, mantida pelo filho do Grande Líder, que o sucedeu, Kim Jong-Il, dita as ações governamentais, do Partido dos Trabalhadores, da população, de tudo.
A Praça Kim Il-sung é o coração de Pyongyang, o centro político e administrativo, onde acontecem os grandes comícios, as celebrações - como a dos 60 anos do Partido dos Trabalhadores. A praça tem 75 mil metros quadrados. O metrô, que está a 100 metros de profundidade, serve também como abrigo antiaéreo.
À medida que os guias despejavam números, repetiam conceitos e elogios ao regime comunista e suas maravilhas, tudo foi ficando tão irreal que passou a exasperar. A Coréia do Norte tem um seriíssimo problema de energia. Esse é inclusive o argumento que eles usam para manter suas pesquisas nucleares longe da fiscalização da Agência Internacional de Energia Atômica ou para justificar a necessidade de construir um reator e processar urânio. À noite, Pyongyang fica completamente às escuras. Segundo nossos guias, no entanto, as hidrelétricas no país são incontáveis.
Guerra de informação
A fome é outro problema. As áreas cultiváveis são apenas 25% do território. Sem terra para plantar e excluída da economia mundial, a população enfrenta a fome.
As últimas safras foram perdidas, a agricultura é rudimentar e arcaica. Mas, de acordo com nossos guias, todas essas informações são semeadas pelos inimigos. A colheita deste ano, disseram, será tão grande que não há noção do número de toneladas.
A ponte caída que não caiu
Em uma de nossas rápidas viagens pelo interior, Ana Paula olhou pela janela do ônibus e viu uma ponte caída. Fez um comentário:
- O que aconteceu com essa ponte que caiu?
O senhor Kim respondeu:
- Não caiu.
Estupefata, ela olhou e repetiu:
- Mas caiu, está no chão.
Irritado, ele encerrou a conversa:
- Caiu, mas foi na guerra.
Tudo que pudesse não estar perfeito era explicado como algum resquício da guerra. A Coréia é uma nação com 5 mil anos de história e de cultura. Ambas foram varridas do mapa por Kim Il-sung e seus seguidores.
Sem contato com a população
Em muitos anos de trabalho como repórter, conheci países e mazelas de todos os tipos. Ricos e pobres, palácios e favelas. Há pouco tempo estive no Haiti. Os haitianos vivem dentro da lógica humana, mesmo que seja no que ela tem de mais miserável.
Na Coréia do Norte, não encontrei lógica que torne racional a falta de liberdade que reina por lá. Fomos impedidos de manter contato com a população, que víamos apenas à distância. Não é possível saber se as pessoas são felizes, como é seu cotidiano. Ao fim da viagem, foi triste constatar que nossos guias se esforçaram tanto para nos convencer de que estávamos em um país perfeito que exageraram na dose. Mas se, para nós, a constatação é motivo de espanto, para nossos guias é de orgulho. Ou, como nossa guia Kim Clara dizia:
- Somos uma sociedade monolítica. Somos um só nos nossos objetivos, conceitos e opiniões.
