Existe metafísica na ciência?

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Fayman
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Mensagem por Fayman »

Valeu, Flávio, você me poupou um bocado de tempo, coisa que não tenho disponível no momento.


Fernando escreveu:No mais, pode continuar fundando a importância dela na medida em que cria computadores mais "legais" pra nós. Por mim não há problema algum com isso.


He he, se isso é o que você entendeu do que escrevi, você não entendeu nada! Eu trabalhei com... EXEMPLOS, como imaginei que você havia feito, mas deixa para lá.

Fernando escreveu:Os problemas da quântica são mera explicação de algumas espécies de fenômenos particulares, que em nada tocam a realidade.


Sinto muito, mas se você crê nessa balela, aquilo que você entende por Realidade deve ser algo bem fantasioso, afinal, de acordo com esse ponto de vista, os Fenômenos Físicos em nada tocam a Realidade. De fato, eles devem ser tão somente alucinações, como por exemplo, a Gravidade! Curiosamente, essas... alucinações afetam nossas vidas, inclusive, podem nos matar (basta nos jogarmos de um prédio, por exemplo!). Mas quem sabe, talvez nós mesmo em nada tocamos a Realidade, vai saber, né?

Enfim, depois dessa, assim como foi solicitado, deixemos a filosofia para os...filósofos!
Editado pela última vez por Fayman em 19 Jun 2006, 16:29, em um total de 2 vezes.
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Fayman
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Mensagem por Fayman »

Flávio Costa escreveu:Creio que para o Fayman, dizer "existem fenômenos não-determinísticos" é a mesma coisa de dizer "a realidade é não-determinística"


De fato, Flávio, há até um certo vício em se fazer essa igualdade e eu estou bem ciente disso. Contudo, creio que muitas de minhas discussões com o Fernando nasceram de nossa falta de entendimento mútuo do que cada um queria dizer ou como cada um percebe o conceito Realidade.

Lembre-se daquela história do elefante e três cegos, onde cada um descreve o elefante de uma maneira diferente e nenhuma delas é o elefante em si, ou seja, o elefante é muito mais do que o descrito.

Acontece que, pela nossa imaginação, razão, ou seja, lá através de que diabos, podemos INTUIR o que seria o elefante, mas JAMAIS poderemos ter certeza do que ele é de fato. Em Ciência, mais precisamente em Física, costumam-se dizer que experimentos são as maneiras de se fazer perguntas à Realidade e seus resultados são as respostas.
Isso é limitado? Sem dúvida, mas é concreto, pelo menos dentro da validade do MODELO elaborado.

Entre duas idéias, como é possível dizer qual é idiotice e qual é genial? A questão é que muitos acham que através da Razão, Lógica, ou sei lá o quê mais, pura e simplesmente, é suficiente para se determinar. Mas idéias são tão somente idéias, ponto. Idéias podem ou não tocar a Realidade. Como fazer, então, para sabermos se as idéias são corretas ou não? Racionalidade pura? Acho pouco convincente.

Aqui temos um ponto interessante, onde alguns defendem que as idéias são partes da Realidade. Nesse sentido, então, mesmo as “idéias erradas ou absurdas” seria parte da realidade, mas a mim, aqui há uma confusão entre o “ato de ter idéias” (uma função FÍSICA do cérebro) com a concepção, o conceito abstrato por detrás da idéia.

Vamos falar de outro exemplo, a idéia de que há uma “Realidade lá fora”, como muito se costuma dizer. Esse pressuposto impulsionou muitos homens (filósofos / cientistas) a explorar a Natureza e chegar aonde a Ciência chegou. Dizem, inclusive, que esta idéia é fundamental à Ciência e, contudo, não pode ser testada pelo Método Empírico. Mas perceba por um momento: essa idéia é tão somente uma idéia, tanto que sendo a Realidade Objetiva ou não, isso não muda em absoluto a Lei de Newton do decréscimo do quadrado da distância, por exemplo. Hoje, Eventos Quânticos (aqueles que em absoluto tocam a Realidade!!) levam físicos a questionar essa questão.

Já em outro exemplo, o que se poderia dizer desta colocação, feita pelo Dante, então?


Dante escreveu:o pressuposto epistemológico segundo o qual a experimentação é muito mais eficiente do que a elucubração tem profundas raízes metafísicas e mudou a forma de se fazer ciência.


Essa afirmação pode ser testada pelo Método Empírico? Creio que não, mas o que pode dar “validade” (não sei se é o melhor termo) a ela em detrimento de outra afirmação idiota? Eu creio que os próprios resultados da experimentação, e todo o desenvolvimento científico que isso levou, acabam por lhe dar sustentação e mostrar que tal pressuposto não é uma idéia idiota. Foi isso que eu quis dizer em minha postagem anterior quando do exemplo da Eletricidade e do desenvolvimento resultante, muito embora o Fernando parece ter compreendido exclusivamente que só valorizo um saber puramente pela sua utilidade!! Tudo bem, pode ter sido eu que não me xpliquei melhor.

Enfim, a questão básica que vejo é que cada qual tem uma visão de Realidade bem diferente dos demais e, principalmente, quais métodos podemos utilizar para alcançar essa Realidade e como validá-los.

Abç!
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Fernando
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Mensagem por Fernando »

Flavio Costa escreveu:A questão é que os fenômenos quânticos fazem parte da realidade e, se eles não puderem ser explicados, a nossa compreensão da realidade talvez seja definitivamente limitada por isso.


Olha, não me interessa em nada debater assuntos empíricos. Eu não sou cientista pra falar de fenômenos empíricos. Se a ciência empírica não se realisa enquanto tal, este não é um problema da metafísica.

O homem é finito. Nossa visão sempre será limitada.
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Fernando
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Mensagem por Fernando »

Flavio Costa escreveu::emoticon12: Creio que se estava falando do determinismo, não? O ponto que o Fayman defende e que eu entendo é que a MQ provou de maneira bastante confiável que existem fenômenos não-determinísticos. Creio que para o Fayman, dizer "existem fenômenos não-determinísticos" é a mesma coisa de dizer "a realidade é não-determinística". Se para você são afirmações diferentes, seria bom você esclarecer para ele qual diferença você vê.


Eu não disse que existe diferença. Vc disse:

Quando o Fayman diz que "a realidade é quântica", ele não está falando da realidade, está falando da Física. O significado dessa afirmação dele é: os pressupostos da Física Clássica não explicam alguns fenômenos que só encontram solução na Mecânica Quântica.

Em termos de filosofia a palavra fenômeno usada junto da idéia de não se falar da realidade, indica uma distinção entre fenômeno e coisa em si.

Quando se fala que não podemos falar das coisas mesmas, mas apenas explicar os fenômenos, claramente está se propondo uma distinção entre essência e aparência, onde não podemos conhecer as coisas tais como elas são.

Posso estar enganado, mas a própria MQ aceita que o observador sempre interfere no experimento. O que confirma ainda mais a idéia de que não podemos falar da realidade tal como ela é, mas apenas dos fenômenos.

Aceitar a idéia de explicar fenômenos é aceitar que temos alguma limitação no conhecimento que não nos deixa conhecer a realidade.

Eu não vejo nenhuma diferença necessária entre conhecer as coisas e conhecer fenômenos. Mas eu estava pensando que eram vcs que estavam propondo esta diferença. Gostaria que vcs esclarecessem isso.


Flavio Costa escreveu:Uma hora falam uma coisa e na outra falam algo diferente justamente porque é uma questão controversa e ainda por esclarecer. Para algumas pessoas, a descrição das partículas materiais fundamentais é a descrição da realidade, porque, para essa pessoa, "realidade" é sinônimo de realidade material. Talvez ela nem pense que tudo é matéria, mas quando pensa naquilo que pode ser descrito como "existente", pensa nas partículas materiais e suas combinações. Já outros podem ter uma visão mais abrangente do que se deve chamar de realidade e não se satisfaz numa descrição da realidade das partículas fundamentais como se fosse uma descrição completa da realidade. Talvez essa seja uma descrição fundamental da realidade, mas certamente não é uma descrição completa nem suficiente e não é à toa que as demais ciências têm o espaço delas.


Mas então. Uma coisa nunca fica clara. A MQ fala ou não fala da realidade?
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Joao Valle
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Mensagem por Joao Valle »

Fayman escreveu:
Entre duas idéias, como é possível dizer qual é idiotice e qual é genial? A questão é que muitos acham que através da Razão, Lógica, ou sei lá o quê mais, pura e simplesmente, é suficiente para se determinar. Mas idéias são tão somente idéias, ponto. Idéias podem ou não tocar a Realidade. Como fazer, então, para sabermos se as idéias são corretas ou não? Racionalidade pura? Acho pouco convincente.

É por isso que qualquer investigador sério se utiliza de "dados para sustentar uma hipótes, e evidências para confirmá-la." E isto não passa de "um esforço extraordinariamente obstinado para pensar com clareza."

Fayman escreveu:
Aqui temos um ponto interessante, onde alguns defendem que as idéias são partes da Realidade. Nesse sentido, então, mesmo as “idéias erradas ou absurdas” seria parte da realidade, mas a mim, aqui há uma confusão entre o “ato de ter idéias” (uma função FÍSICA do cérebro) com a concepção, o conceito abstrato por detrás da idéia.

O que acho interessante é que aparentemente o ato de observar requer um observador, e esta ação, de alguma forma, interage e modifica a "realidade".

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Samael
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Re: Re.: Existe metafísica na ciência?

Mensagem por Samael »

Dante, the Wicked escreveu:Só pra constar, considero o marxismo uma cosmovisão completamente viciada, cheia de conceitos vazios e completamente prescindíveis.


Vindo de um positivista lógico, é um baita elogio. :emoticon1:

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Samael
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Mensagem por Samael »

Joao Valle escreveu:O que acho interessante é que aparentemente o ato de observar requer um observador, e esta ação, de alguma forma, interage e modifica a "realidade".


Bingo! Já parou para se perguntar o que vem a ser um "objeto"? É aquilo que está diante do observador, que é intelectualmente trabalhado e observado. Observar um objeto não é uma tarefa passiva: é uma construção constante de conceitos, métodos de abordagem e delimitações práticas à área abordada.

Existe, obviamente, a realidade independente do observador, mas colocar todo o escopo observado como "auto-evidente" é cair num paradigma positivista. A verdade, enquanto conceito, é uma construção.

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Fernando
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Mensagem por Fernando »

Fayman escreveu:Entre duas idéias, como é possível dizer qual é idiotice e qual é genial? A questão é que muitos acham que através da Razão, Lógica, ou sei lá o quê mais, pura e simplesmente, é suficiente para se determinar. Mas idéias são tão somente idéias, ponto. Idéias podem ou não tocar a Realidade. Como fazer, então, para sabermos se as idéias são corretas ou não? Racionalidade pura? Acho pouco convincente.

Aqui temos um ponto interessante, onde alguns defendem que as idéias são partes da Realidade. Nesse sentido, então, mesmo as “idéias erradas ou absurdas” seria parte da realidade, mas a mim, aqui há uma confusão entre o “ato de ter idéias” (uma função FÍSICA do cérebro) com a concepção, o conceito abstrato por detrás da idéia.


Eu já me propus a tratar deste tema em outro tópico (http://rv.cnt.br/viewtopic.php?t=1621).

Fayman escreveu:Vamos falar de outro exemplo, a idéia de que há uma “Realidade lá fora”, como muito se costuma dizer. Esse pressuposto impulsionou muitos homens (filósofos / cientistas) a explorar a Natureza e chegar aonde a Ciência chegou. Dizem, inclusive, que esta idéia é fundamental à Ciência e, contudo, não pode ser testada pelo Método Empírico. Mas perceba por um momento: essa idéia é tão somente uma idéia, tanto que sendo a Realidade Objetiva ou não, isso não muda em absoluto a Lei de Newton do decréscimo do quadrado da distância, por exemplo. Hoje, Eventos Quânticos (aqueles que em absoluto tocam a Realidade!!) levam físicos a questionar essa questão.


Os defensores dessa tese eram ingênuos o suficiente para acreditar que existe uma realidade "lá fora" que não é pensamento, e que pode ser descrita independentemente do pensamento. Mas se existe uma realidade lá fora e idéias aqui dentro, como é possível verificar lá fora o que é ou não é adequado às idéias aqui de dentro? Se não temos nenhuma forma de ter acesso ao objeto lá fora, senão pelas nossas idéias?

Para que se reconheça um copo, é preciso ter a idéia do que é um copo. Só ela pode dizer pq vejo diante de mim um copo e não uma outra coisa qualquer. A idéia nos diz o que a coisa é. Mas se traçamos esta distinção tão nítida entre sujeito e objeto, como verificar se a idéia condiz à coisa, se é através da idéia que sabemos o que é a coisa.

Esse realismo do qual vc fala é muito ingênuo mesmo.

Agora pense comigo outra coisa. Se os fenômenos quânticos só podem ser descritos por experimentos. E se em todos os experimentos desse gênero o observador interfere no observado, não é nada novo que não se possa falar de uma realidade independente da observada pelo observador que interfere nos experimentos.


Fayman escreveu:Essa afirmação pode ser testada pelo Método Empírico? Creio que não, mas o que pode dar “validade” (não sei se é o melhor termo) a ela em detrimento de outra afirmação idiota? Eu creio que os próprios resultados da experimentação, e todo o desenvolvimento científico que isso levou, acabam por lhe dar sustentação e mostrar que tal pressuposto não é uma idéia idiota. Foi isso que eu quis dizer em minha postagem anterior quando do exemplo da Eletricidade e do desenvolvimento resultante, muito embora o Fernando parece ter compreendido exclusivamente que só valorizo um saber puramente pela sua utilidade!! Tudo bem, pode ter sido eu que não me xpliquei melhor.


A questão levantada pelo Dante foi levantada por mim antes, no começo do tópico. O problema é que com essa resposta vc foge do problema que o próprio tópico levanta. Se a o critério que diferencia uma tese científica de uma tese metafísica é a verificabilidade, e este critério é inverivicável, então a tese segundo a qual só os conhecimentos verificáveis são válidos é inverificável, e por isso mesmo inválida.

Tudo bem. Vc pode dizer. "Os próprios resultados da experimentação, e todo o desenvolvimento científico que isso levou, acabam por lhe dar sustentação e mostrar que tal pressuposto não é uma idéia idiota". Ninguém está dizendo que é uma idéia idiota. Mas com isso não estamos, no fundo, fundamentando a validade da ciência por seus resultados práticos? O que se pretende com isso? Fundamentar o conhecimento científico? Ou não precisar dar uma justificação última para a ciência?
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Flavio Costa
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Mensagem por Flavio Costa »

Fernando escreveu: Mas então. Uma coisa nunca fica clara. A MQ fala ou não fala da realidade?

Falar, acho que fala, mas não quer dizer que fala de tudo aquilo que chamamos realidade. Por mais que digamos que não há nada que seja real que não seja formado pelas partículas fundamentais quânticas, quando estas se agrupam adquirem propriedades que não são objeto de estudo da MQ. Então a MQ certamente abordaria uma faceta da realidade, a das partículas fundamentais e suas propriedades, mas existem outras propriedades que fazem parte da realidade e que não podem ser estudadas a partir da visão quântica.
The world's mine oyster, which I with sword will open.
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Grande parte das pessoas pensam que elas estão pensando quando estão meramente reorganizando seus preconceitos.
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Flavio Costa
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Re: Re.: Existe metafísica na ciência?

Mensagem por Flavio Costa »

Samael escreveu:
Dante, the Wicked escreveu:Só pra constar, considero o marxismo uma cosmovisão completamente viciada, cheia de conceitos vazios e completamente prescindíveis.


Vindo de um positivista lógico, é um baita elogio. :emoticon1:

Que maneira erudita de trocar farpas. :emoticon13:
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Re.: Existe metafísica na ciência?

Mensagem por Flavio Costa »

Por exemplo, a xenofobia faz parte da realidade e a Física Quântica nunca terá nada de importante a dizer sobre ela. Isso permite entender a diferença entre uma descrição fundamental e uma descrição completa da realidade.
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Dante, the Wicked
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Mensagem por Dante, the Wicked »

Fayman escreveu:
Dante escreveu:o pressuposto epistemológico segundo o qual a experimentação é muito mais eficiente do que a elucubração tem profundas raízes metafísicas e mudou a forma de se fazer ciência.


Essa afirmação pode ser testada pelo Método Empírico? Creio que não, mas o que pode dar “validade” (não sei se é o melhor termo) a ela em detrimento de outra afirmação idiota? Eu creio que os próprios resultados da experimentação, e todo o desenvolvimento científico que isso levou, acabam por lhe dar sustentação e mostrar que tal pressuposto não é uma idéia idiota. Foi isso que eu quis dizer em minha postagem anterior quando do exemplo da Eletricidade e do desenvolvimento resultante, muito embora o Fernando parece ter compreendido exclusivamente que só valorizo um saber puramente pela sua utilidade!! Tudo bem, pode ter sido eu que não me xpliquei melhor.

Enfim, a questão básica que vejo é que cada qual tem uma visão de Realidade bem diferente dos demais e, principalmente, quais métodos podemos utilizar para alcançar essa Realidade e como validá-los.

Abç!


O que distingue ciência de pseudo-ciência, religião e elocubrações vazias é, que se optarmos pela primeira, pelo menos nós temos um método pelo qual, por mais dúbeis ou aparentemente verdadeira forem nossas teorias, se elas forem falsas, é possível provar sua falsidade por meio de experimentos.
Agora, escolhendo qualquer uma das três últimas, tudo o que se pode fazer é construir livre a arbitráriamente castelos de cartas conceituais (ou optar por castelos já construídos) sem nenhuma garantia da verdade ou falsidade dele. E ainda, outro pode chegar e construir outra arquitetura conceitual do lado da minha e não há como dizer qual é mais verdadeira que a outra.
Por exemplo:
Segundo Newton "Os corpos se atraem na razão direta de suas massas e inversa do quadrado das distâncias". Isto é científico pois bastaria encontrar um caso que isto não ocorresse para que isto fosse considerado falso.
Segundo o horóscopo "Hoje o dia está inclinado para o amor, mas se você não agir corretamente, desperdiçará as oportunidades". Isto não é científico pois, seja o que for que ocorrer no dia, isto não é falseado. Se o cara não achar o amor da vida dele, é porque ele não agiu corretamente. Que conveniente para os astrólogos, não?

Outro exemplo:
Se o darwinismo for falso, então encontrar-se-á freqüencia de mutações risível/nula para se justificar o aumento de informação genética observável no registro fóssil; existência de espécies de seres vivos genuínas com estruturas que entrem em desacordo com o esperado pela inércia filogenética (i.e. vertebrados recentes com seis pernas ou três olhos); fósseis fora do lugar, como cetáceos na Era Mezozóica ou répteis mamaliformes no Pré-Cambriano etc.
Agora, se o design inteligente for falso, que prova será encontrada disto?

Para mais informações entre a distinção filosófica entre ciência e pseudo-ciência, recomendo a leitura de:
http://www.lse.ac.uk/collections/lakato ... script.htm

Esta é a distinção. Agora, por que optar pela ciência? Não vejo outro motivo se não a efetividade dela mesmo. Não tem-se nada a dizer a pós-modernistas e relativistas em geral que desdenham da ciência além de argumentos tipo ad hominem, como:
"Você é pós-modernista, mas não teve paralisia infantil, varíola, sarampo, difteria e coqueluche porque a vagabunda da tua mãe te vacinou!"
Visite minha página http://filomatia.net. Tratando de lógica, filosofia, matemática etc.

Visite o Wikilivros. Aprenda mais sobre Lógica.
Assista meu canal do youtube. Veja meu currículo lattes.

Dante, the Wicked
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Re: Re.: Existe metafísica na ciência?

Mensagem por Dante, the Wicked »

Flavio Costa escreveu:
Samael escreveu:
Dante, the Wicked escreveu:Só pra constar, considero o marxismo uma cosmovisão completamente viciada, cheia de conceitos vazios e completamente prescindíveis.


Vindo de um positivista lógico, é um baita elogio. :emoticon1:

Que maneira erudita de trocar farpas. :emoticon13:


Eu não entendo o Rodrigo! Ele é um social-democrata e fica aí tomando as dores do marxismo. Me ofende sériamente deste jeito...
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Visite o Wikilivros. Aprenda mais sobre Lógica.
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Fernando
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Mensagem por Fernando »

Flavio Costa escreveu:Falar, acho que fala, mas não quer dizer que fala de tudo aquilo que chamamos realidade. Por mais que digamos que não há nada que seja real que não seja formado pelas partículas fundamentais quânticas, quando estas se agrupam adquirem propriedades que não são objeto de estudo da MQ. Então a MQ certamente abordaria uma faceta da realidade, a das partículas fundamentais e suas propriedades, mas existem outras propriedades que fazem parte da realidade e que não podem ser estudadas a partir da visão quântica.


Então fala, e ponto final.

Eu não estou dizendo que a MQ fala ou não fala da realidade. São vcs que horas dão a entender uma coisa e hora outra. Só estou pedindo por clareza, nada mais.

Toda ciência, inclusive a metafísica, não esgota a totalidade da realidade. Nós não temos um intelecto infinito para perceber a totalidade. Existem coisas cujo nosso conhecimento é tão obscuro, tão mutilado que simplesmente não podemos fazer algum tipo de ciência delas. Os milagres são um exemplo. O nossa percepção deles é tão obscura que não conseguimos explicá-los.
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Flavio Costa
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Mensagem por Flavio Costa »

Fernando escreveu: Então fala, e ponto final.

Eu colocaria ponto final se estivéssemos falando da totalidade da realidade, mas como só estamos falando de uma parcela restrita dela a partir da perspectiva de um modelo científico específico, prefiro colocar uma vírgula. :emoticon16:
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Fernando
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Mensagem por Fernando »

Dante, the Wicked escreveu:Esta é a distinção. Agora, por que optar pela ciência? Não vejo outro motivo se não a efetividade dela mesmo. Não tem-se nada a dizer a pós-modernistas e relativistas em geral que desdenham da ciência além de argumentos tipo ad hominem, como:
"Você é pós-modernista, mas não teve paralisia infantil, varíola, sarampo, difteria e coqueluche porque a vagabunda da tua mãe te vacinou!"


Vc me lembra aquela célebre citação do Dawkings que fala do Antropólogo como um hipócrita. Pq ele fala que o antropólogo coloca lado a lado o conhecimento do aborígene e o do cientista sobre a lua. Como se ambos fossem igualmente válidos.

Dawkings refuta o ponto de vista antropólogico dizendo que o antropólogo é um hipócrita, pq viaja de avião os aviões funcionam, e a crença dos aborígenes não nos trouxe a nada.

Numa comparação com o relativismos antropológico, esta é, sem dúvidas, uma ótima justificação. Mas em comparação com um saber concreto ela simplesmente não é suficiente.

Por exemplo, como justificar algo assim às críticas de Nietzsche? Ele riria diante destas justificativas dizendo. "A ciência é como uma criança que esconde um doce atrás do arbusto, dá a volta nele e depois retorna a encontrar o doce dizendo surpresa: Nossa! Encontrei um doce!"

Um pirrônico não tardaria a encontrar um dogmatismo nesta atitude. A efetividade não é suficiente para fundar o conhecimento. Pelo menos não dessa forma.
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Fernando
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Mensagem por Fernando »

Flavio Costa escreveu:Eu colocaria ponto final se estivéssemos falando da totalidade da realidade, mas como só estamos falando de uma parcela restrita dela a partir da perspectiva de um modelo científico específico, prefiro colocar uma vírgula. :emoticon16:


Ok. Mas tem a pretenção, então.
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Fayman
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Mensagem por Fayman »

Fernando escreveu:Esse realismo do qual vc fala é muito ingênuo mesmo


Pode ser! Contudo, não tenho culpa que esse pensamento foi defendido por filósofos e norteou por muito tempo o pensamento científico. E ele tem tanta força que, ainda hoje, muitos físicos descontentes com as implicações de Não-Objetividade da Realidade, mostradas pelo comportamento de Eventos Quânticos, criaram e defendem interpretações realistas da mesma, inclusive com a manutenção da Lógica Clássica, muito embora, eu não conheça nenhuma que não tenha algum tipo de problema.

E aproveitando, muito embora ele não esteja postando diretamente sobre o que conversamos, o que você me diria desta observação do Samael?


Samael escreveu:Existe, obviamente, a realidade independente do observador


Esta não é uma maneira de dizer que há, efetivamente, uma realidade lá fora? Só um detalhe: precisamos tomar cuidado pois podemos estar falando as mesmas coisas, mas com termos diferentes.

Fernando escreveu:A efetividade não é suficiente para fundar o conhecimento.


Em uma resposta ao Dante, você postou esta afirmação. Você poderia dizer porque você acha que a efetividade não é suficiente?


E finalmente, temos estes pontos:


Fernando escreveu:mas houve um tempo no RV em que só se podia falar algo no RV se antes lêssemos o tópico "A realidade é quantica". Qualquer tópico de teor metafísico logo era refutado com um "a realidade não é assim como vc diz, a realidade é quântica".


Isso porque eu sempre achei que estávamos falando da mesma coisa e somente ontem, após ler esta (estapafúrdia, na minha opinião) observação:

Fernando escreveu:Os problemas da quântica são mera explicação de algumas espécies de fenômenos particulares, que em nada tocam a realidade.


Ficou claro a mim porque você não entendia, ou teimava, quando eu lhe respondia que tal colocação “era fato comprovado” e você continuava com suas afirmações. Para mim, eventos quânticos, ou qualquer outro evento físico, fazem parte da realidade, ou tocam a Realidade, se preferir. Seja como for, dissociá-los da realidade, para mim, é uma tremenda bobagem, inclusive, creio que deixa o campo do que estamos discutindo aqui e adentra à Psiquiatria, com o que se costuma chamar de Dissociação da Realidade, mas enfim, talvez eu tenha entendido errado sua colocação, mas que ela explica um bocado de nossos desentendimentos anteriores, ah, isso explica!

Fernando escreveu:Quando eu falo de realidade, estou pensando na realidade mesma


Nossa! Então, já que é tão absolutamente claro, que tal dizer para todos nós o que a Realidade mesma? Tenho quase certeza de que muitos dos participantes aqui compartilham de minhas dúvidas.

Fernando escreveu:Quando os defensores da MQ falam de realidade, horas falam como se a realidade não fosse a realidade e horas como se fossem.


Bem, não posso falar por “outros defensores da MQ” (desculpe-me, mas isso parece mais um título de impacto!), mas que me recorde, eu nunca disse que a MQ não se referia à Realidade. Eu falei, e muito, sobre a natureza Objetiva e Não-Objetiva da Realidade. Falei, também, de que a Ciência, mais precisamente a Física, trabalha com Modelos e que através dos experimentos testa-se a aderência dos Modelos à Realidade. Também disse isso em outras palavras, conforme postado aqui anteriormente, que se costuma dizer que fazemos perguntas à Realidade e verificamos suas respostas. Enquanto as respostas forem condizentes com as previsões do Modelo em questão, este demonstra uma boa / ótima / excelente / etc aderência à Realidade. Portanto, não percebo de onde veio a confusão, muito embora, obviamente, isto sendo um fórum de internet, é possível que algumas passagens, comentários, etc, acabem ficando sem o devido rigor.

E aproveitando, veja esta observação do Flávio:


Flávio Costa escreveu:Eu colocaria ponto final se estivéssemos falando da totalidade da realidade, mas como só estamos falando de uma parcela restrita dela a partir da perspectiva de um modelo científico específico, prefiro colocar uma vírgula


Aqui é bastante claro que a minha maneira de pensar e a dele diferem. Creio que neste ponto adentraríamos ao Reducionismo e isso levaria esta discussão a outros rumos tão ou mais polêmicos, mas não vem ao caso. Sobre isso, creio que bastam os comentários de Gell-Mann sobre Reducionismo Possível e a chamada Hierarquia das Ciências, que abordo no meu (mais que famoso e eu nem sabia disso!!) tópico A Realidade Quântica.

Seja como for, Gell-Mann deixa bem claro que se trata de posicionamento quanto a ser fundamental e não de importância, até mesmo porque isso não teria o menor sentido.
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Flavio Costa
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Mensagem por Flavio Costa »

Fayman escreveu:Aqui é bastante claro que a minha maneira de pensar e a dele diferem. Creio que neste ponto adentraríamos ao Reducionismo e isso levaria esta discussão a outros rumos tão ou mais polêmicos, mas não vem ao caso. Sobre isso, creio que bastam os comentários de Gell-Mann sobre Reducionismo Possível e a chamada Hierarquia das Ciências, que abordo no meu (mais que famoso e eu nem sabia disso!!) tópico A Realidade Quântica.

Fayman, esse tópico é famoso por levar a palavra "realidade" no título. :emoticon13:

Do ponto de vista filosófico eu levanto a suspeita sobre a capacidade da MQ de estar descrevendo algo que se possa chamar de totalidade da realidade, no sentido que eu expus anteriormente. Do mesmo modo, do ponto de vista filosófico, quer dizer, procurando um alto rigor intelectual, eu também considero que talvez Nelson Magrini exista. Talvez, por exemplo, você e o Fernando Antunes sejam uma pessoa só e estão querendo testar minhas reações.

Porém, utilizando meu senso comum (quase tudo que fazemos é baseado nele, já que é um mecanismo essencial da cognição), eu creio que Nelson Magrini existe e é (bem) distinto de Fernando Antunes. E, dentro do paradigma científico, creio que podemos considerar a MQ como a mais completa descrição física da realidade, isso sem entrar no mérito do reducionismo, que como você bem colocou é um outro debate.
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Mensagem por Fayman »

Flávio Costa escreveu:Fayman, esse tópico é famoso por levar a palavra "realidade" no título.


Pode ser mesmo, Flávio, e aí, vendo pelo ponto de vista dele, até entendo o “emputecimento” do Fernando com estas coisas, mas seja como for, reflete a maneira como vejo, a qual, obviamente, é simialar a como muitos físicos vêem. Também obviamente, muitos discordam radicalmente.

Flávio Costa escreveu:E, dentro do paradigma científico, creio que podemos considerar a MQ como a mais completa descrição física da realidade


Curiosamente, dois dos físicos mais famosos (inclusive, ambos discutiam muito sobre Filosofia e possuíam muito bons conhecimentos sobre o tema), Einstein e Bohr, escreveram cada qual um artigo, hoje extremamente famosos, chamado “Pode a Mecânica Quântica ser conciderada a Descrição Completa da Realidade?”, onde Einstein, em seu artigo (o primeiro) defendia a incompletude e Bohr, por sua vez e resposta, defendia a completude.

Mesmo assim, é possível de se notar como o conceito de Realidade varia, sendo mais ou menos abrangente. Em muitos casos, os físicos se atem a falar de Objetos Físicos (podemos incluir o conceito de campos) e aí se entra em outra discussão que, independentemente de posições filosóficas mais ou menos fortes, não é conclusiva. Note que o Fernando, em uma resposta a você, creio, incluiu os chamados Milagres (!!), algo que é altamente controverso, para dizer o mínimo.

Perceba que, conforme o modo que se define Realidade, as crenças, por mais estapafúrdias que sejam, devem ser inclusas, muito embora creio que aqui também possa haver uma confusão entre “o ato de crer” com o “crença” em si.

E aproveitando que falei em crenças, na discussão deste tópico não se deve ignorar o posicionamento relativo às crenças dos envolvidos, afinal, o tema básico do fórum é “Religião é Veneno”, e não "discussões filosóficas a respeito da realidade ou completude de modelos físicos em descrevê-la". Vejo alguns posicionamentos aqui muito mais como a procura de formas para argumentar com ateus sobre crenças pessoais do que uma crítica isenta de propósitos de fé.
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Fernando
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Mensagem por Fernando »

A msg é a de baixo. Não consegui apagar essa. Por isso editei.
Editado pela última vez por Fernando em 20 Jun 2006, 12:43, em um total de 1 vez.
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Mensagem por Fernando »

Fayman,

Existem dois posicionamentos filosóficos frente a idéia de realidade muito claros e muito distintos.

O primeiro é o realismo. Ele aposta na existência de uma realidade e que nosso conhecimento verdadeiro é sempre adequado à essa realidade. Ainda dentro do realismo filosófico, existem aqueles que fazem a cisão entre sujeito e objeto, e os que não fazem esta cisão.

O segundo é o idealismo. Ele aposta na idéia de que a realidade é aquilo que está envolvida de alguma forma com o sujeito. A realidade sempre depende, de certa forma, do sujeito. Tb temos dois tipos de idealismo. O empirista e o racionalista. O idealismo empirista defente a idéia de que o mundo é aquilo que percebemos. O racionalista defende que a realidade é o que pensamos.

Existe ainda um terceiro ponto de vista filosófico muito comum, mas que não pretende falar da realidade. É o criticismo. O criticismo levanta o questionamento sobre a identidade entre o que vemos (o que aparece, ou o fenômeno) e o que a coisa é, independente de nós (a coisa em si, o númeno). Estes tentarão defender que a identidade entre fenômeno e númeno são arbitrárias. E por isso nunca podemos ter certeza da identidade. Por isso precisamos distinguir entre fenômeno e númeno. E nos contentar em conhecer apenas os fenômenos. Segundo este ponto de vista, é impossível descrever a realidade.

Toda a confusão é essa. Horas vc parece defender um posicionamento realista (lembro, realismo filosófico, não científico), dizendo que existe uma realidade que não é o pensamento puro ou a nossa percepção limitada. Horas vc parece defernder um idealismo empirista, dizendo que a realidade é o que se revela por meio de experimentos, ou seja ela não existe em si, mas é o resultado de nossas percepções dela. Horas vc parece defender um posicionamento criticista. Dizendo que a ciência é um saber confiável pq explica com muita precisão os fenômenos, explica de tal forma que nos proporciona um desenvolvimento tecnológico notável.

Veja, todos estes posicionamentos são contraditórios entre si. Um pensa na realidade como independente do homem, outro como dependente. Mas ambos acreditam na possibilidade de se conhecer a realidade, equanto o terceiro mostra a impossibilidade de a conhecermos.

Eu juro que faço muito esforço pra entender o que vc diz. Mas vc fica passeando por estas três concepções de mundo como se uma ajudasse a outra. Vc diz uma coisa. Eu penso. "Ok ele é idealista". Depois diz outra. Eu penso. "Nossa, mas ele é um realista?" Então eu pergunto algo no seguinte sentido: "Como vc passa do idealismo pro realismo de forma tão despreocupada?" Ou pra ser mais claro: "Como vc aposta numa realidade independente do homem se a realidade é aquilo que se resulta dos experimentos em que há uma assumida interferência do homem?" Aí o Flavio Costa diz (e vc assina) que vc não fala da realidade, mas dos fenômenos quânticos. Pronto é o que faltava na salada. Vc se torna um criticista. Então eu pergunto: "Como vc pretende falar dos FENÔMENOS e ainda assim descrever a realidade?"

Veja bem, eu não estou dizendo que vc precisa ser realista, idealista ou criticista. Se eu faço perguntas com tom jocoso pra vc é pq não consigo entender o que vc de fato defende. Falta clareza. Uma hora a realidade é realidade, outra não é mais. Uma hora o mundo existe independente de nós, outra não existe mais.

Quanto aos problemas sobre os "fatos comprovados". Isso é uma exigência acadêmica. Pq por mais que os fatos estejam comprovados, o que interessa é como VC usa isso. Afinal, se os fatos estão comprovados, pq VC está tentando se tornar um cientista? Vc é quem precisa prová-los. Eu, pessoalmente, acho isso fundamental para o rigor científico. Talvez pq eu jah tenha sido muito castigado com isso e tenha visto o quanto usava a idéia de "fatos comprovados" como escudos para omitir minhas obscuridades.
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Fernando
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Mensagem por Fernando »

Fayman escreveu: Note que o Fernando, em uma resposta a você, creio, incluiu os chamados Milagres (!!), algo que é altamente controverso, para dizer o mínimo.

Perceba que, conforme o modo que se define Realidade, as crenças, por mais estapafúrdias que sejam, devem ser inclusas, muito embora creio que aqui também possa haver uma confusão entre “o ato de crer” com o “crença” em si.

E aproveitando que falei em crenças, na discussão deste tópico não se deve ignorar o posicionamento relativo às crenças dos envolvidos, afinal, o tema básico do fórum é “Religião é Veneno”, e não "discussões filosóficas a respeito da realidade ou completude de modelos físicos em descrevê-la". Vejo alguns posicionamentos aqui muito mais como a procura de formas para argumentar com ateus sobre crenças pessoais do que uma crítica isenta de propósitos de fé.[/color][/b]


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Flávio. Tome cuidado pq senão daqui a pouco eu vou fazer vc levitar.

Ao Fayman, este cético malvado, usarei meus miraculosos super poderes cósmicos de SUPER CRENTE pra fazê-lo andar sobre as águas, multiplicar pães e tudo mais! Com isso ele se jogará aos pés de Cristo implorando por perdão.

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Todo esse teatro só pq eu falei que os milagres são um assunto obscuro, e sobre o qual não se pode fazer ciência. Eu nem disse que milagres existem e o Nelson Dio Fayman do Metal do Capeta faz todo esse alarde.

Dio, vc é foda!

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Fernando
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Mensagem por Fernando »

Dio,

Só pra tirar o seu medo. Eu quis dizer que não se pode fazer ciência de conhecimentos obscuros (altamente questionáveis, como vc diria) como milagres, minotauros, duendes, pégasos. Vc acha que é possível fazer ciência dessas coisas? Eu acho que não. Não entendo o pq do alarde.
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Fayman
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Mensagem por Fayman »

É isso aí, Fernando, gostei da postagem, muito boa.

Apesar de algumas diferenças de opiniões, eu sempre o tive em muito boa conta; acho que você é uma pessoa muito inteligente, faz colocações pertinentes e muitas vezes traz assuntos interessantes. Eu aprendi muito de Filosofia com você, assim como o Dante e alguns outros.

Você fez uma exposição clara e sucinta dos posicionamentos filosóficos frente à idéia de realidade. Creio que a confusão a que você se refere, quanto às minhas respostas e posicionamentos, devam-se primeiramente, como disse, por o RV ser um fórum de internet, acaba-se muitas vezes por deixar de lado um maior rigorismo, até mesmo porque, caso contrário, nunca ninguém conversaria nada mais sério que futebol sem ter de escrever um verdadeiro tratado sobre os assuntos, coisa que demanda tempo e conhecimento bastante profundo e embasado.

Em uma segunda instância, creio (e veja bem, não tenho exatamente certeza quanto a isso) que o cientista em geral (podemos nos ater ao físico) não dá muita importância a este tipo de colocação, deixando-a para os filósofos. Apenas físicos do primeiro time, e que se ocupam e preocupam com estas questões, tentam tornar mais rigorosas tais colocações.

Mesmo para mim, às vezes fica bastante difícil me expressar exatamente dentro das colocações e definições (se é que podemos chamar assim) filosóficas. Em alguns livros e artigos sobre Filosofia e Mecânica Quântica, alguns autores chegam a utilizar o termo Ultra-Positivismo para descrever uma chamada “Visão Filosófica da Mecânica Quântica”, mas tenho sérias dúvidas de que isso reflita algo de compreensível para um “filósofo puro” ou mesmo que ele não ache apenas uma bobagem.

Outro ponto que devemos levar em conta é que a MQ implica em várias interpretações filosóficas (como é chamada por aqueles que estudam / debatem o assunto), notoriamente centradas na existência de uma Realidade Objetiva independente de nós, que creio esteja dentro de uma visão Realista, ou em uma Realidade Não-Objetiva, que eu posicionaria dentro de uma visão Idealista Empirista.

Mas perceba que as coisas, ou as propostas, não são exatamente assim, com uma divisão tão perfeita ou que se enquadre perfeitamente dentro dessas visões que você apresentou. Exatamente por não se ter uma questão fechada, pode acontecer que ao longo do tempo algumas colocações minhas mudaram, afinal, também sou influenciado por novos artigos que leio, novos debates e descobertas.

Veja alguns exemplos: de uma maneira geral, salvo erro de minha parte, não creio que haja alguma interpretação da MQ que recaia no Idealismo Racionalista. Pelo menos desconheço ou me passou despercebida e, caso houvesse, a princípio eu descartaria. Esta visão não me parece nem um pouco adequada e não vejo como inserir minha visão dentro desse contexto.

Dentro da visão Idealista de uma Realidade Não-Objetiva teríamos a Interpretação de Copenhagem, devida a Bohr, Born e Heisenberg, entre outros. Esta visão é bastante próxima de como penso. O grande ponto fraco desta apresentação era uma divisão arbitrária entre o mundo micro, onde prevaleciam as Leis da Mecânica Quântica e o mundo macro, onde imperava a Física Clássica. Gell-Mann, Hartle e outros reformularam esta visão, mostrando como o nosso mundo emergia como uma aproximação clássica dessa Realidade Quântica. Isso é apresentado no fatídico tópico A Realidade Quântica. Nessa proposta de Copenhagem, os quanta só teriam existência quando de uma medição. Simplesmente, eles não teriam existência física antes disso. Em outras palavras, a Realidade aqui seria apenas uma “potencialidade”, com cada possibilidade tendo uma probabilidade de ocorrência, sendo seus valores dados conforme as leis da Mecânica Quântica e descritas pelas Funções de Onda. A Mecânica Quântica seria completa e daria a máxima descrição física da Realidade.

OBS: muito embora, em muitos artigos, os físicos preferem falar de Realidade Física, talvez até para não ter que adentrar a outras colocações, de uma maneira geral, a Física não faz distinção entre Realidade Física e Realidade, uma vez que para a Ciência, noção existe uma Realidade Sobrenatural, Espírita, Mental, etc. Não sei se isso conduz a uma visão materialista ou se o termo Materialismo, como se utiliza em Ciências, tem exatamente a mesma conotação que em Filosofia.

Continuando, já na visão Realista, e nos artigos que li sempre houve um destaque ao que foi chamado de Realismo Científico, parte-se do princípio de uma Realidade independente, aquilo que muitos chamam de “Realidade lá fora”, e se tem que a Mecânica Quântica é incompleta e não descreve totalmente a Realidade.

Apesar de termos resultados semelhantes, de um modo geral, Interpretações Realistas têm problemas conceituais, como por exemplo, a existência de “Ondas de Matéria” (seja lá o que isso for), “Ondas com Energia Zero” (seja lá o que isso for, também), sendo todas essas entidades, rigorosamente, reais, o que entra em conflito com outras teorias estabelecidas, como por exemplo a Relatividade e o limite da velocidade da Luz para a propagação de sinais (por exemplo, no caso da Não-Localidade).

Bom, creio que é isso e já me estendi demais. Deixo a seguir o texto “A Interpretação da Mecânica Quântica”, de Sívio Seno Chibeni, professor do departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, para uma leitura rápida sobre a questão, muito embora, obviamente, não esgota o assunto.

Vale antes uma ressalva de minha parte. Eu cheguei a ler a tese de doutorado de Chibeni, “Aspectos da Descrição Física da Realidade”, um texto bastante técnico, onde o tema central era mostrar a incompletude da Mecânica Quântica e os resgate do chamado Realismo Científico. Já na quarta página, ele comenta algo como:

“para tanto, devemos ter em mente que a Realidade é Objetiva pelo menos em um mínimo”

Isto, para mim, invalida completamente sua tese. Obviamente, ele tem muitos mais conhecimentos que eu (assim suponho), mas depois dessa observação, eu teria dado zero!

Outro ponto que deve ser destacado, Chibeni é espírita e atualmente é muito mais fácil encontrar textos espíritas com conotações de Física do que seus textos de Física pura. Em outras palavras, eu particularmente tenho muita coisa contra as posições e colocações defendidas por Chibeni. Ou seja, mesmo os artigos referentes à Física, devem ser lidos de uma maneira crítica e tendo em mente o não esgotamento do assunto. Por fim, algumas referências que Chibeni dá no texto, como o Gato de Schrodinger, já foram solicionados, e foram apresentados no mesmo tópico A Realidade Quântica. Isto posto, segue o texto:

A INTERPRETAÇÃO DA MECÂNICA QUÂNTICA

Introdução: o papel das teorias na ciência

Há uma acepção popular da palavra 'teoria' na qual teoria se opõe ao que se considera "comprovado", "concreto", "real" ou de utilidade prática. Por outro lado, assume-se com boas razões que o conhecimento científico é o mais rigoroso que possuímos, tendo também inegável relevância prática, na medida em que está na base da moderna tecnologia. O que o homem comum muitas vezes não sabe é que todo o conhecimento científico é codificado por meio de teorias.
De um modo geral, podemos entender a ciência como possuindo dois grandes objetivos: 1) descrever e predizer de forma sistemática os fenômenos de um dado domínio; e 2) explicar esses fenômenos, possibilitando a sua "compreensão". A consecução de ambos esses objetivos requer a formulação de teorias para o conjunto de fenômenos investigados. Nas ciências formalizadas, como a Física e a Química, a capacidade preditiva decorre em grande parte de um formalismo
matemático complexo, que permite calcular a ocorrência de certos fenômenos a partir da ocorrência de outros. O poder de explicação, por outro lado, parece depender da possibilidade de entender os conceitos e leis da teoria como contrapartes teóricas de uma realidade subjacente, formada de objetos com determinadas propriedades, que interagem entre si segundo certos princípios.

Deve-se, pois, para fins de análise filosófica da ciência, distinguir claramente os fenômenos (aquilo que é imediatamente acessível aos nossos sentidos), a teoria (conceitos, leis e formalismo) e a ontologia, ou seja, os objetos reais que, em interação com nosso aparelho sensorial, produzem em nós os fenômenos. Quando se fala na interpretação de uma teoria científica tem-se duas coisas em vista: 1) o estabelecimento de uma correspondência entre os conceitos teóricos e os fenômenos; e 2) a postulação de uma ontologia capaz de, à luz da teoria, ser entendida como a realidade subjacente aos fenômenos. Os entes dessa ontologia em geral cumprem o papel de causas dos fenômenos, contribuindo assim para a nossa compreensão de por que eles ocorrem e se inter-relacionam segundo as leis da teoria.

A teoria quântica

Na década de 1920 surgiu na física uma teoria que viria a se tornar o veículo de quase todo o nosso conhecimento da estrutura da matéria: a mecânica quântica (MQ). É ela que nos fornece os recursos teóricos para descrever o comportamento fundamental das moléculas, átomos e partículas sub-atômicas, assim como da luz e outras formas de radiação. Pode-se afirmar com segurança que a MQ é a teoria científica mais abrangente, precisa e útil de todos os tempos.
Não obstante seu extraordinário sucesso preditivo, desde a sua criação a MQ apresentou problemas de interpretação em grau sem precedentes na história da ciência. A discussão completa desses problemas requer conhecimentos especializados, não podendo pois ser empreendida aqui. Procuraremos, no entanto, indicar em termos simplificados as características conceituais da teoria quântica que levaram ao seu surgimento, e apresentar em linhas gerais as principais alternativas de solução já propostas.

As dificuldades interpretativas dessa teoria dizem respeito tanto à forma pela qual a teoria se relaciona com os fenômenos quanto ao delineamento de uma ontologia que lhe seja apropriada. A compreensão desse ponto requer uma breve menção a duas noções fundamentais das teorias físicas: a de estado e a de grandeza física. De um modo geral, estados são caracterizações básicas dos objetos físicos tratados pela teoria. As grandezas físicas são as propriedades mensuráveis desses objetos. Para efeitos de comparação, podemos lembrar que na mecânica clássica o estado de uma partícula de massa m é representado por conjunto de seis números que especificam sua posição e velocidade. Em função desses números a teoria indica como calcular os valores de grandezas físicas como a energia cinética, o momento angular, etc.
Na mecânica quântica os estados dos objetos são definidos de modo inteiramente diverso, por meio das chamadas funções de onda. É justamente dessa nova (e complexa) forma de representação dos estados que surgem quase todos os problemas de interpretação da teoria.

O problema da atribuição de valores

Uma grandeza só terá significado físico se pudermos atribuir valores a ela. É isso que permitirá colocar a noção em correspondência com os fenômenos, com a leitura de aparelhos de medida. Neste ponto surge a primeira e mais fundamental dificuldade interpretativa na MQ: Dados um estado quântico e uma grandeza física quaisquer, em geral o formalismo quântico simplesmente não atribui um valor à grandeza! (Dissemos "em geral" porque há exceções.) O problema é agravado pelo fato de que mesmo quando o estado não fornece o valor de uma grandeza física, medidas dessa grandeza sobre o objeto são inteiramente possíveis e dão valores bem definidos. Parece, então, que a teoria está falhando em uma de suas funções essenciais, a predição dos fenômenos, dos resultados de medida. Como interpretar essa situação? Há duas posições possíveis:

a) A descrição quântica do objeto é incompleta: não prevê valores de grandezas perfeitamente mensuráveis;

b) Os valores dessas grandezas não existem, ou não estão definidos antes que se efetue a medida; a medida então criaria ou tornaria definidos os valores, não sendo propriamente uma medida, no sentido usual do termo: a mera revelação de uma propriedade preexistente do objeto investigado.
Entre os fundadores da MQ, Schrödinger, de Broglie e, sobretudo, Einstein, defenderam a posição (a); Bohr, Heisenberg e praticamente todos os outros sustentaram (b), que se tornou a posição dominante. Vejamos brevemente como essa divergência básica se amplificou e ramificou ao longo das discussões subseqüentes.

As interpretações da mecânica quântica

a) Incompletude. Para mostrar que a descrição quântica das propriedades dos objetos é incompleta, Einstein, Podolsky e Rosen propuseram um interessante argumento em 1935, o chamado "argumento de EPR". Outro importante argumento para o mesmo fim foi proposto no mesmo ano por Schrödinger, argumento hoje conhecido pelo nome pitoresco de "gato de Schrödinger".

Não obstante a força desses argumentos e os abalos que causaram no campo adversário, a tese da incompletude não prevaleceu, por vários fatores. Primeiro, em 1932 von Neumann apresentou uma prova de que, aceitas certas premissas, qualquer tentativa de completar a descrição quântica seria matematicamente impossível. Depois, os argumentos foram rebatidos informalmente pelos defensores da tese oposta. Por fim, apesar dos problemas conceituais a MQ mostrou um poder preditivo sem precedentes. Embora para cada estado quântico o formalismo sempre deixe de especificar os valores de certas grandezas, atribui, no entanto, probabilidades de que os valores sejam encontrados empiricamente, por meio de medidas. É nessa atribuição de probabilidades que a teoria revelou sua impressionante capacidade preditiva.

Apesar disso tudo, os argumentos de EPR e de Schrödinger tornaram-se o pivô da maior parte das discussões sobre os fundamentos da teoria até nossos dias, levando a desdobramentos extremamente ricos. Dentre eles, mencionamos a criação por David Bohm, em 1952, de uma teoria mais completa que a MQ. (Esse fato pressupôs, naturalmente, um bem sucedido questionamento da relevância da prova de von Neumann.) Teorias desse tipo são hoje ditas teorias de variáveis ocultas (TVOs). Apesar de irem além da MQ na atribuição de valores às grandezas físicas, coincidem com ela nas predições probabilistas. Diversos pesquisadores mostraram subseqüentemente, por meio de importantes teoremas algébricos, que para reproduzirem as predições quânticas as TVOs devem incorporar um traço conceitual inteiramente não-clássico, o chamado contextualismo, que significa que os valores das grandezas físicas podem refletir não apenas as propriedades do objeto, mas também de todo o seu "contexto". Foi esse traço que mais tarde levou Bohm a desenvolver a idéia de que há um holismo, ou "totalidade" no mundo.

Intrigado com o fato de a TVO de Bohm ser não-local, ou seja, permitir que os valores atribuídos às grandezas possam ser alterados instantaneamente por ações remotas, John Bell conseguiu provar, em 1964, que toda TVO que reproduza as predições estatísticas da MQ terá necessariamente de ser não-local. Num admirável esforço de investigação, os físicos experimentais conseguiram mostrar que as predições quânticas relevantes para essa questão são corretas. (O experimento mais importante foi conduzido por Alain Aspect em 1982.) Qualquer tentativa de complementar a MQ terá, portanto, de ser feita com a violação do princípio da localidade - um preço teórico que poucos físicos parecem dispostos a pagar.

b) Completude. A tese de que a MQ descreve tudo o que há para ser descrito nos objetos físicos de que trata tem sido apresentada em conjunção com diversas outras, dando lugar a várias interpretações distintas da teoria. Apontaremos as principais.

b1. Interpretação "ortodoxa" . Por ter sido elaborada por Bohr e seus colaboradores, essa posição é também conhecida como "de Copenhague". Não podemos fazer justiça aqui às sutilezas e divergências existentes dentro dessa posição. Uma das versões mais radicais sustenta que, ao contrário de todas as demais teorias físicas, a MQ não tem como objetivo descrever nenhuma realidade transcendente aos fenômenos. Sua função seria apenas descrever e correlacionar os fenômenos com o auxílio de um formalismo cujos conceitos não devem ser entendidos como contrapartes teóricas de uma realidade objetiva. Os filósofos chamam esse tipo de posição de instrumentalismo. A teoria seria mero instrumento de predição ou cálculo. Ao deixar de tratar do plano ontológico, a teoria abdicaria por conseqüência de sua função explicativa. Assim, nessa variante da interpretação "ortodoxa" a MQ não explicaria nada sobre o mundo real extra-fenomênico. Outra versão pende para a posição filosófica do idealismo. Neste caso, a teoria é entendida como se referindo a uma realidade, mas esta deixa de ser entendida como objetiva: ela seria relativa aos agentes de observação. A famosa doutrina da "complementaridade" desenvolvida por Bohr é parte dessa perspectiva.

b2. Interpretação das "potências". Ao contrário da posição anterior, não há aqui nenhum distanciamento da visão filosófica do realismo científico, segundo a qual a ciência objetiva a descrever uma realidade independente de qualquer observação ou cognição. Aceita-se, no entanto, o desafio de reformular radicalmente as concepções de realidade associadas às teorias clássicas. Em particular, procura-se conceber uma ontologia compatível com a informação contida nas funções de onda quântica. Uma das conseqüências seria a presença no mundo de objetos aos quais não se poderiam atribuir o conjunto inteiro das propriedades clássicas. Um elétron num estado quântico que não permita o cálculo de uma velocidade (por exemplo) na realidade não teria velocidade alguma; ou, alternativamente, deve ser concebido como tendo uma infinidade de velocidades "potenciais". O grande desafio dessa proposta está em determinar fisicamente as condições em que essas "potências" se atualizariam, e em descrever esse processo matematicamente. (A sugestão "ortodoxa" de que é a própria mensuração, qua ato de observação por um agente consciente, que determina essa transição, é rejeitada como subjetivista.) Esse programa comporta presentemente algumas linhas de investigação bastante promissoras.

b3. Interpretação dos "muitos mundos". Outra proposta que tem merecido a atenção de especialistas, não obstante a estranheza que causa, é a de que todas as propriedades que na posição anterior são dadas como meramente potenciais de fato existem simultaneamente. Como não observamos isso, ou sequer conseguimos conceber tal coisa, sugere-se que cada um desses valores "existe" num mundo diferente. Haveria, pois, uma multiplicidade infinita de universos, que aumenta incessantemente. O caráter definido de nossas observações se deveria ao fato de que nós próprios existimos em versões múltiplas, e em cada uma delas estamos associados a um conjunto definido de valores das grandezas físicas dos objetos com os quais interagimos.

Concluindo

Esta breve apresentação indicou que mesmo a nossa mais poderosa e bem sucedida teoria física não está isenta de dificuldades teóricas, conceituais e filosóficas. Se é verdade que tais dificuldades não têm obstado à aplicação prática da teoria, revelam, por outro lado, as limitações do intelecto humano na compreensão mais profunda da realidade que nos cerca. Seu estudo incessante por parte de um pequeno, mas prestigioso, grupo de cientistas tem contribuído de forma expressiva para a descoberta de intrigantes características da realidade, alargando, ao mesmo tempo, nossos horizontes de investigação.

Sugestões de leitura: Dos muitos livros de divulgação sobre os fundamentos da MQ poucos são recomendáveis. Entre os melhores incluiríamos: Squires, E. The Mystery of the Quantum World (Bristol, Adam Hilger, 1986); d'Espagnat, B. A la Recherche du Réel (Paris, Bordas, 1979; versão inglesa: In Search of Reality, New York, Springer-Verlag, 1983); Gribbin, J. In Search of Schrödinger's Cat (London, Corgi Books, 1984), edição em português: "À procura do Gato de Schrödinger" (editora Presença, Lisboa, Portugal); Herbert, N. Quantum Reality (London, Rider, 1985). Para leitores mais avançados indicamos o excelente Le Réel Voilé, de B. d'Espagnat (Paris, Fayard, 1994; também disponível em inglês, The Veiled Reality.)
Silvio Seno Chibeni é professor do departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp
Fayman

autor de:

OS GUARDIÕES DO TEMPO
RELÂMPAGOS DE SANGUE

ANJO - A FACE DO MAL
AMOR VAMPIRO
(Coletânea 7 autores)

Trancado