Bem, sobrou um tempinho para ler este tópico com mais calma e responder a algumas alegações supostamente anti-socialistas daqui.
P.S.: Vejam na minha nova assinatura quem é chamado de "socialista".
Lá vai:
user f.k.a. Cabeção escreveu:
O socialista interfere na liberdade nao so do capitalista em contratar nos seus termos como do trabalhador desempregado em aceitar esses termos.
(...)
E o pior, isso nao leva em consideracao que quando duas pessoas firmam acordo entre si sobre algo que so diz respeito a elas duas, a imoralidade so reside na cabeca de quem acha que deve intervir impedindo a cooperacao de acontecer.
(...)
E essa nocao de condicoes minimas que eu combato. Quem deve saber quais sao as condicoes minimas e o proprio trabalhador, e nao politicos burocratas e intelectuais sebentos, com interesses proprios no combate ao mercado livre.
O que eu digo e que nao importa qual seja o tal "limiar de dignidade", se existe alguem trabalhando abaixo dele e porque essa pessoa considera pior ainda nao trabalhar. Isso e uma realidade que nenhum socialista pode alterar com sua demagogia porca.
Errado.Liberdade não é apenas o direito de escolher.Liberdade é o direito de escolher e o direito a ter escolha. Tem gente que acredita que se obtém o resultado que se deseja a todos negociantes do mercado tão somente permitindo a liberdade de negociação, sendo desnecessária sendo desnecessária a eqüidade de poder de barganha. Se isso fosse verdade, como poderíamos explicar a proporção de pais que puseram suas crianças para trabalhar duramente nas indústrias durante a revolução industrial no século 19? Será que os pais do século retrasado eram muito “mais malvados” que os dos séculos posteriores? Sobre isso, não tem sentido dizer coisas assim: “como as escolhas são voluntárias não se pode caracterizar uma injustiça”.Um fato óbvio é que existe pouquíssima liberdade de escolha quando o lado mais fraco tem pouquíssimo poder de barganha na negociação.Para pessoas com baixa qualificação, se vê pouquíssima possibilidade de ganhar dinheiro fora do mercado de trabalho.Como em muitos períodos o desemprego era altíssimo, freqüentemente eles tinham que escolher passar grandes necessidades ou agüentar humilhações morais como por seus filhos menores para trabalhar.Uma abordagem nas liberdades substantivas valoriza não somente a questão de ter mais oportunidades de ter escolhas, mas também a adequação da sensibilidade da atratividade das escolhas.Se você considerar a liberalização e a eficiência do mercado de trabalho, temos tão somente a maximização das utilidades e do auto-interesse (como prediz o Teorema Arrow-Debreu, representação moderna da Teoria da Mão Invisível de Adam Smith).Mas a maximização do auto-interesse não diz nada sobre os motivos que fazem certas pessoas optar por essas preferências.
Poderíamos pensar até em casos mais extremos, como os que Abmael e o Beto sugeriram em tom de sarcasmo, a “livre negociação do assédio sexual”.Mas não acho que a idéia por trás da sugestão sarcástica seja tão absurda.Senão, vejamos: como poderíamos explicar a proporção de mulheres vítimas de abuso que já agüentaram sofrer assédio sexual por um algum tempo no trabalho para manterem-se empregadas?Será que a população feminina é tão promíscua assim? Ou será que isso se deve aos motivos que já expliquei?
A argumentação dos liberais “consequencialistas” (Friedman, Hayek, etc.) diz que basta livre mercado e eliminação da privação sistemática de oportunidades para que todos os resultados socialmente ineficientes sejam eliminados. Posso sugerir um livro onde essa idéia é completamente refutada em detalhes: “Desenvolvimento como Liberdade” (Cias das Letras) de Amartya Sen.Um resumo básico dessa refutação. Os chamados “conseqüencialistas” restringem a atenção a oportunidades inadequadas, mas não se preocupam com os processos que geram a liberdade e com a liberdade de escolha que as pessoas têm. Não se pode confundir a negação da exclusividade da responsabilidade individual para resolução dos problemas sociais com o “Estado Babá”.Existe uma diferença significativa entre “pajear” as escolhas dos indivíduos e ampliar suas oportunidades de escolha e decisões substantivas a fazer.
user f.k.a. Cabeção escreveu:Recursos sao escassos, e o panorama salarial (e de precos em geral) numa economia, livre ou nao, deve refletir essa realidade. Incorporo na nocao de salario as vantagens oferecidos em cada cargo, como carros pagos pela empresa ou mesmo o direito de pausas para ir ao banheiro. O que os socialistas fazem ao interferir na formacao desse panorama e bloquear uma informacao que o salario (que inclui as vantagens agregadas) e os precos carregam, criando distorcoes na economia e na alocacao de recursos, que passam a ser mal utilizados ou desviados para economias mais convidativas.
Nada a ver.Isso é uma tentativa de transportar uma analogia da Microeconomia para Macroeconomia. E um fato óbvio da vida é que o que é válido para a Microeconomia não é necessariamente válido para a Macroeconomia. Por exemplo, vejamos um exemplo que você citou. Se eu sou empresário e quero reduzir os preços, corto custos de produção. Posso fazer isso diminuindo o número de carros pagos pela empresa. Neste caso, a curva de oferta da firma se desloca, ou seja, aumenta-se a oferta de produtos nos mercados.Esse raciocínio leva em conta a seguinte premissa: “a curva de demanda da firma permanece constante”. Não há porque considerar que esse raciocínio “ceteris paribus” seja improvável no mundo real, já que o que acontece nos custos da firma não afeta a curva de demanda de meus produtos.
Agora vejamos o caso da argumentação: “a redução de salários nominais artificialmente elevados aumenta o emprego porque reduz o custo de produção”.Para que esse raciocínio seja válido, deve ser válida esta premissa: “a curva de demanda AGREGADA permanece constante”.Isso não é válido a priori. Como, então, fica a defesa da flexibilização das leis trabalhistas permitindo a perfeita flexibilidade de salários? Se tal flexibilidade implicar em cortes de salários nominais em retrações cíclicas, então é perigosa.Corte nos salários nominais pode redistribuir renda dos trabalhadores para os capitalistas; como os últimos, tem uma propensão menor a consumir, o consumo agregado cai, reduzindo, e não aumentando, a demanda agregada, renda real e emprego. Vejamos a argumentação contrária. O salário real médio sempre é igual ao “produto marginal do trabalho” e a “livre negociação” entre patrão e empregado elimina o desemprego involuntário, porque permite aos desempregados a trabalhar a um salário menor.Baseado nesta “brilhante argumentação”, o nível de desemprego assustador nos EUA em 1932 (três anos após o crack da Bolsa) resultava de uma obstinada resistência do trabalhador em conseguir um salário real superior ao que permitia a produtividade do sistema econômico. É uma tese esdrúxula, já que o trabalhador não se mostra mais intransigente no período de depressão que no de expansão, antes pelo contrário.
A flexibilidade de salários como fator de estabilização do nível de emprego é explicado na economia ortodoxa através do “efeito Keynes” e “efeito Pigou” numa análise econométrica sofisticada -os detalhes eu vou poupar ao leitor aqui.Entretanto, o importante a saber é que num contexto onde há tendência para se “negociar para baixo” (uma estagnação ou aumento da competição, por exemplo) nada garante, a priori, que os efeitos estabilizadores superem os efeitos desestabilizadores.
Muitos endeusam a atual legislação trabalhista “ultraflexível” dos EUA. Mas o simples fato de os EUA estarem livres de regulamentação sobre os salários (exceto no que diz respeito ao salário mínimo, onde só uma minoria ganha tal valor) não implica que não existam mecanismos institucionais que influenciam na formação dos salários nominais.Nos EUA, há sim rigidez institucional no salário médio.Nos EUA, existe o seguro-desemprego.Salário nominal é uma função direta do parâmetro que capta a influência dos fatores institucionais que afetam positivamente o poder de barganha dos trabalhadores nas negociações salariais como seguro-desemprego, FGTS, nível de sindicalização, etc). Se eles não existissem, os trabalhadores estariam dispostos a aceitar salários nominais ainda mais baixos para não ficar desempregado. Na Grande Depressão da década de 30, não existiam seguros-desempregos relevantes e o salário médio desejado pelos trabalhadores contraiu assustadoramente, tendo impacto significativo sobre a demanda agregada.Isso mudou de lá para cá, como qualquer bem informado deve saber.
Por outro lado, em terras americanas os contratos salariais são mais distribuídos no tempo (devido ao baixo nível de sindicalização e a descentralização das negociações salariais), outro obstáculo para se cortar os salários nominais. Além da existência do salário mínimo, contratos de trabalho duram três anos.Isso quer dizer que se depois de um período de bonança, os produtores americanos esperarem produzir corte significativo nos salários nominais a fim de não ter que demitir, eles simplesmente não conseguirão.A cada mês, aproximadamente 1/36 dos contratos serão revisados.
Redução ou abolição do salário mínimo é a solução para baixar ainda mais o desemprego nos EUA? Alguns economistas (como o americano Milton Friedman) alegam que o salário mínimo geraria distorções no mercado de trabalho e que ele elevaria artificialmente o valor da mão-de-obra, reduzindo o nível de emprego dos mais fracos, como jovens e trabalhadores menos qualificados.Mas as evidências empíricas são equívocas, como mostram dois estudos independentes aplicados à economia americana (Jeffrey Sachs e Felipe Larrain, 2000. Macroeconomia-Edição Atualizada e Revisada. Editora Pearson, p.533).Entre 1981 e 1989, o salário mínimo caiu ano após ano nos EUA sem que houvesse efeito sobre o desemprego de adolescentes (grupo onde o salário mínimo elevado forçaria, em tese, a remuneração ficar à acima do nível de equilíbrio que iguala oferta e demanda por emprego). Outro estudo sugere que um aumento no salário mínimo tem impacto negativo no desemprego para adolescentes (entre 0,75% e 3% para cada aumento de 10% de salário-mínimo, sendo que o dado mais recente é o que mostra insignificância estatística) e pouco ou nenhum impacto para outros grupos da força de trabalho.
Pelo que leio dos manuais de Macroeconomia, eu apostaria que a maioria esmagadora dos economistas americanos preferem deixar a legislação trabalhista dos EUA como está. Com o salário nominal médio rígido e preservado institucionalmente, mesmo se numa depressão houver corte, será apenas no salário médio real (por exemplo, a inflação aumenta dois pontos percentuais de um ano a outro, enquanto o salário nominal médio tem aumento de 0%), então o efeito na demanda agregada seria relativamente insignificante.Sim, neste sentido, a flexibilidade de salários pode ajudar na estabilização da economia.
E quem defende que mecanismos que garantam a perfeita flexibilidade de salários levaria o mercado de trabalho ao paraíso terrestre, faz uma afirmação baseada em FÉ, não em evidências.
“A boa sociedade é aquela em que o número de oportunidades de qualquer pessoa aleatoriamente escolhida tenha probabilidade de ser a maior possível”
Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)
"Os homens práticos, que se julgam tão independentes em seu pensar, são todos na verdade escravos das idéias de algum economista morto."
John Maynard Keynes