Abmael escreveu:- Pelo que tenho lido do que você escreve seu posicionamento quanto a políticas culturais é o de não aceitar que determinados líderes de partido ou uma elite burocrática estatal definam quais conteúdos são mais ou menos aceitáveis para o público, esta postura não casa com um este liberalismo onde você determina fronteiras baseado em iluminados filosóficos ao invés de iluminados políticos-burocráticos.
Realmente, nao cabe ao burocrata definir qual o padrao de consumo e comportamento ideal, ou o que e felicidade. Dentro do credo liberal, estas sao prerrogativas do individuo.
Isso nao quer dizer que nao existam limites claros para a acao como meio de atingir a felicidade. A sociedade e caracterizada por esses limites. Nem todos os meios sao validos dentro de uma sociedade para se conseguir o que se quer. E muitas vezes, certos fins tornam-se incompativeis com os meios aceitaveis, sendo dessa forma fins subversivos.
Existe uma diferenca sutil entre definir quais sao os objetivos (coletivos ou individuais) e tolerar todos os meios que sejam empregados na execucao desses objetivos, de definir quais sao os meios aceitaveis e deixar a definicao de fins a cargo de cada um, com a unica restricao de que esses fins empreguem os meios aceitaveis.
Os liberais entendem que esses limites devem ser estabelecidos na forma de leis, pelos mecanismos estatais vigentes, derivadas de uma carta de principios que definiria quais sao os valores fundamentais basicos que devem ser preservados e observados dentro daquela sociedade.
As politicas culturais que eu ataco nao sao voltadas para corrigir os meios equivocados empregados pelas pessoas, mas para direciona-las rumo a um fim estabelecido pelos iluminados burocratas.
O mercado exemplifica isso claramente. Embora as pessoas, dentro do livre mercado, escolham honestamente segundo suas prioridades individuais os itens que mais as agradam, alguns politicos pensam que isso nao esta correto. Que as pessoas devem ser induzidas a escolher determinados itens, pois na opiniao deles esses itens sao melhores que os outros , e farao as pessoas mais felizes, embora elas mesmas nao possam chegar a tal conclusao sozinhas.
E assim que funciona com o cinema e outras atividades patrocinadas pelo governo.
Ao atacar essas politicas, nos nao estamos dizendo que as pessoas devem ser livres para comprar e vender TUDO que quiserem e acharem certo. Ninguem pode ser autorizado a comprar ou vender pessoas, orgaos humanos, informacoes confidenciais ou entorpecentes , pois tais comercios seriam imorais e incompativeis com os principios estabelecidos na Constituicao. Por motivos similares, outros materiais podem ter seu comercio controlado de alguma forma, pois sao de algum modo perigosos e exigem cautela, certas competencias e responsabilidades, como armas, remedios, instrumentos cirurgicos, insumos industriais toxicos, bebidas acoolicas, tabaco e etc.
No entanto, nenhum comercio deve ser estimulado pelo simples fato dos burocratas acharem que as pessoas devam comprar mais desse produto em relacao aos demais. Nem outros produtos livres devem ser penalizados por que as pessoas compram demais deles. Isso marca exatamente o ponto onde o controle dos meios empregados passou a se tornar uma definicao de objetivos finais. Isso nao compete a burocratas, politicos, forcas de defesa ou juristas.
Abmael escreveu:- Muito embora tenha se auto-declarado "papagaio-de-pirata" deles.
Deles quem ?
Apenas disse quem sao os grandes liberais que eu cito, dado que voce tinha ironicamente se referido a mim como o « grande liberal ». Perto deles eu nao sou mais que um papagaio de piratas, e sou o primeiro a reconhecer isso.
Logo, nao entendo o que voce esta querendo dizer.
Abmael escreveu: - O que eu quis dizer foi que para julgar tal tema não há avaliação racional isenta, existem, isto sim, conflitos de interesses que só podem ser decididos no jogo político.
Mas o proprio jogo politico tem suas regras estabelecidas em principios que derivam tao somente da razao. Ou o que voce acha que e a democracia? E uma lei natural a qual todos estamos sujeitos ou um principio que emergiu depois de muita reflexao ao longo dos milenios de existencia da civilizacao ?
Abmael escreveu: - Só que definir qual entre duas ou três ou mil proposições pretensamente racionais qual é a mais racional não é um exercício de racionalidade, em certas questões não há como escapar das paixões e idiossincrasias do ser humano, a racionalidade não é uma bala de prata, ainda por cima há gradações a serem debatidas, qual o limite de restrição de liberdades? - Qual o limite de liberalização? - Por quais critérios?
Mas se abrirmos mao da racionalidade, o que mais restara? As arbitrariedades de um grupo mais forte sobre o grupo mais fraco.
Apenas o principio da racionalidade permite que seja realizado um exame dos paradigmas vigentes e que as objecoes sejam levantadas enquanto validas, e nao mediante criterios arbitrarios quaisquer.
A razao e basicamente o fenomeno de suprimir o instinto primario e reordenar suas acoes de maneira a alcancar um menor desconforto. O homem se difere da besta no que ele reflete sobre os meios que emprega para atingir seus fins ultimos para dedicar-se a fins intermediarios que facilitem a aquisicao daqueles. A besta nao exita ante uma potencial refeicao ou um parceiro sexual, mas o homem equipado da razao reflete e ve que pode obter vantagens pessoais ao respeitar a refeicao que e propriedade alheia, ou ao deixar de estuprar uma mulher que considere atraente.
Isso e evidente na constatacao de que o homem dentro da sociedade atual vive melhor e e mais feliz que o homem selvagem que vive como uma besta. Quem quer que duvide disso pode se embrenhar no primeiro mato que encontrar e refugiar-se da civilizacao e do uso da razao.
O homem inclusive evoluiu para dispor de sua ferramenta racional a fim de obter uma imensa vantagem na luta pela sobrevivencia. Sem a razao e a acao racional coordenada de varios individuos, dificilmente teriamos vantagens comparativas e dominariamos ursos ou leoes na busca por presas, ou os microbrios que causam doencas.
A revolta contra a razao e a pedra angular do discurso revolucionario atual. Na medida em que a razao humana se enraizou na civilizacao como o fundamento de todas as coisas, restou aos inimigos o culto ao irracional, ao ilogico.
A razao e a unica ferramenta da qual todos dispomos para o exame e o julgamento da verdade. Verdades que transcendam a razao e que sao particulares, incapazes de ser expressas na linguagem e diferentes por tanto para cada individuo na sua propria compreensao. A razao vigora como criterio universal da civilizacao justamente por considerar que cada individuo e capaz de examinar e avaliar a verdade e apresentar argumentos que questionem os paradigmas vigentes. E que atraves da razao, mesmo que indiretamente, os individuos acabam por harmonizar seus objetivos e meios empregados, e consequentemente acabam sendo mais felizes.
Isso por sua vez nunca impediu a exploracao do ressentimento. Como esse caminho de harmonizacao racional nao e nem um pouco regular e esta sujeito as variaveis historicas diversas, sempre houve aqueles que, apesar de conseguirem realizar mais objetivos pessoais do que se atuassem sozinhos, encontraram na revolta contra a civilizacao e contra a razao uma forma de extravazar o rancor acumulado por nao terem atingido todos os objetivos que esmeravam. Nazistas alegavam diferentes razoes, que dependeriam da raca ou da nacao a qual pertencem o individuo pensante. Dessa forma, verdades judias nao eram verdades alemas, a ciencia e mesmo a logica dos judeus era algo falso e imperfeito na mesma proporcao em que era falsa e imperfeita a razao judia. Comunistas alegavam o mesmo para as classes burguesas e proletarias. Partindo desses pressupostos transcedentais eles determinaram que estavam certos porque estavam certos, e que argumentos validos contra eles nao poderiam ser construidos pois derivariam de uma logica errada por definicao.
Esses expedientes abriram caminho para todo tipo de arbitrariedade irracional ser justificada. A razao e a unica coisa que nos une como humanos, quando tudo mais nos separa. Para os insatisfeitos, coube apenas separar as diferentes « razoes », de modo a definirem-se como certos para poder tachar os outros como « errados ».
O fato da razao humana nem sempre conduzir a acertos, ou mesmo nao ser capaz de responder a certas questoes, nao pode ser uma justificativa para o seu abandono, ou para a sugestao de alternativas. A razao humana e limitada e imperfeita, sim, mas ainda e a unica coisa que temos ; e a Revolta contra ela foi o que marcou o retorno do homem a selvageria vista nas experiencias revolucionarias do seculo XX, tanto no fascismo como no comunismo.
Abmael escreveu:
- O Álcool é um exemplo, o cigarro é outro (uma vez que restringe a liberdade de quem não quer ser fumante passivo), a sociedade resolveu aceitar o risco e as inconveniências de conceder esta liberdade, é decisão da sociedade que riscos e inconveniências aceitar e arcar com sua decisão e voltar atrás caso se arrependa, foi isto que aconteceu na Holanda.
Mas eu nunca disse que o caso das drogas nao estivesse sujeito a analise de riscos.
Quem diz isso sao os pretensos libertarios que acham que o caso pode ser decidido com um simples « libera geral ».
O que eu coloco e que cada caso deve ser examinado segundo suas particularidades. Temos substancias ja bem assimiladas a sociedade, e para as quais temos varios mecanismos para lidar, cujos danos provocados sao limitados e cuja eliminacao seria muito mais traumatica. E temos drogas infinitamente mais potentes e perigosas, que geram alta dependencia e provocam rompantes de violencia, e cujos danos de uma liberacao impensada sao imprevisiveis.
E importante observar no que as diferentes drogas se assemelham e diferem para saber o que deve ou nao ser considerado livre, passivel de controle ou terminantemente proibido. Tanto as mais leves quanto as mais pesadas, devem ser calculados os efeitos da sua liberacao nos paises que ja fizeram concessoes desse tipo, e perceber se a sociedade dispoe dos mecanismos necessarios para lidar com isso.
Dentro desses parametros, a coisa fica muito menos evidente do que gostam de fazer parecer alguns apologetas da inconsequencia.
Abmael escreveu:
- Você também não apresentou nada além de um eufemismo.
- Então você acha que não há limites para as imposições do empregador desde que haja um contrato, por mais cruel e indigno que este seja.
Com certeza, sobretudo no que tange aos riscos que tais contratos podem esconder. Existem diversos casos de assimetrias de informacao ou outros tipos de abuso para os quais a justica deve ser acionada, ate pela preservacao da propria sociedade de contrato.
Os contratos dependem da confianca mutua. Quanto mais honestas e diligentes sao as pessoas, mais contratos serao feitos e mais produtiva sera a sociedade. A justica devera interceder no que tange a contratos desonestos, que escondam informacoes ou onde alguma parte propoe algo que nao sera cumprido.
Mas acho que a caixa esta bem grandinha para conhecer o risco que corre ao assinar um contrato que diz que ela nao deve ir no banheiro durante um horario especifico, sem que o Estado precise interceder nessa questao.
Abmael escreveu: - O espectro de atividades humanas é excessivamente amplo, naturalmente você sempre encontrará uma analogia conveniente para descaracterizar a indignidade, como comparar um caixa de supermercado a um soldado ou a um trabalhador de minas, isto é uma argumentação desonesta, mesmo assim vale lembrar que trabalhadores de minas já trabalharam sem equipamento ou normas de segurança no passado, e que soldados eram submetidos a castigos físicos pelos seus superiores, ambos alcançaram dignidade no que tange as particularidades de suas atividades.
Onde eu fui desonesto ? Eu apenas citei alguns trabalhos onde a bexiga tambem e exigida, qual a desonestidade disso ?
Normas de seguranca surgem porque em certos tipos de tarefa e muito dificil avaliar quando um acidente e causado por impericia individual ou por um risco desconhecido pelo contratado. Para resolver esses casos, adotam-se normas de seguranca, e encarrega-se a empresa de cuidar para que as normas de seguranca coletiva sejam observadas, assim como cada empregado deve cuidar da observacao dos regulamentos referentes aos seus proprios equipamentos.
Isso nao elimina o risco de vida de algumas atividades, mas o reduz sensivelmente e torna possivel a antes dificil tarefa de avaliacao de responsabilidades.
Quanto as punicoes fisicas, elas nao deixam claro quais sao os limites e levam a abusos, que quando muito, podem ser interpretados como meros acidentes. Por isso a sua substituicao por menos perigosos metodos de privacao da liberdade e outros privilegios.
A priori voce como soldado poderia dizer que prefere receber um castigo fisico a ficar preso. Mas na medida que esses castigos sao complicados de avaliar e perigosos, permitindo varios tipos de abuso, como ja ocorreram inclusive, nenhum contrato pode se fiar neles, e portanto eles sao invalidados.
Agora se um sujeito que depende de uma caixa no seu mercado durante 5 horas consecutivas e estabelece alguma rigidez com relacao ao uso de banheiros nao esta introduzindo riscos desnecessarios, e regula-lo significa atrapalhar sua atividade assim como a oportunidade de emprego daquela caixa, que achou melhor ficar sentada durante 5 horas consecutivas para ganhar o salario acertado do que qualquer outro contrato que disponivel.
Esta tudo muito claro, nao se esta exigindo nada a mais do que o combinado, que inclusive e exigido em outras profissoes, e que nao possibilita abusos de nenhuma das partes.