Acauan escreveu:FredLC escreveu:Hmmm... Acauan, se a telefonia por orelhão foi mantida/ampliada através de contratos de concessão, com condições elaboradas pelo governo, foi o mercado ou o controle estatal (materializado contratualmente, não imperativamente, mas um interesse social, de orientação pública) o responsável por isso, ainda que o know-hall/tecnologia tenha sido privada?
Fred,
Foi o mercado e não o controle estatal por uma questão simples, as regras do jogo foram definidas em contrato.
Cumprimento de contratos é a base de qualquer economia de mercado.
Neste caso as partes eram uma concessionária e o governo, como podiam ser cliente e fornecedor de qualquer transação comercial.
A diferença entre controle estatal e concessão pública é que no primeiro o Estado é poder instituído, enquanto no outro é parte contratante, ou seja, as relações são pautadas pelo interesse mútuo e não pela imposição de uma parte sobre a outra.
No fim, a única coisa que faz o sistema de concessões funcionar é justamente a economia de mercado, já que, falando de modo simples, se uma concessionária não quiser ou não conseguir cumprir o que foi estabelecido, tem outras que querem e conseguem. Ou seja, é a concorrência e não a intervenção do poder público que faz as coisas andarem bem, do mesmo modo que você, quando está insatisfeito com um fornecedor de bens ou serviços não invade o estabelecimento dele e tenta impor seu controle para que o serviço seja melhor, você simplesmente o troca, leva o seu dinheiro para onde obtém melhor retorno.
Concorda?
Bom, antes de tudo, desculpa pela demora para responder, estava ocupado com outras coisas ultimamente, e só fiz “posts” leves.
Quanto ao afirmado... não, na verdade, não concordo muito.
Primeiro, o contrato de concessão é uma modalidade de
contrato administrativo, que, por excelência, é integrado pelas chamadas “cláusulas exorbitantes”, que permitem a intervenção do Estado no caso de o serviço estar sendo prestado de maneira julgada insatisfatória. Permitem, também, a rescisão unilateral e não dão igualdade para as partes, uma vez que o Estado pode
obrigar a parte a realizar a tarefa a contento, se não houver substitutos imediatos factíveis, de forma que o distrato, elemento do contratualismo clássico, não é o único elemento punitivo envolvido. Há, também, cláusulas obrigatórias, não sujeitas à vontade de nenhuma das partes.
Além disso, o distrato não está sujeito à vontade do Estado,
nem mesmo pagando cláusula penal. Se a concessionária prestar o serviço a contento (nos termos do edital), o Estado não pode descontratar e pagar outra que seja melhor e mais barata,
nem pagando cláusula penal (poderia sim pagar todas as parcelas devidas sem exigir o serviço para iniciar outro, mas isso torna o direito irrealizável). O direito envolvido na vitória da licitação é pessoal subjetivo (embora condicionado), antes de ser contratual.
Mas o elemento fundamental de diferença entre os dois é que a concessionária não é contratada para prestar um serviço para o Estado... ela ganha
autorização estatal para prestar serviços para terceiros. mesmo em serviços em que contrata para si mesmo, o procedimento licitatório segue um interesse diferente do da realização do serviço - ver adiante – mas, voltando ao caso da telefonia deste tópico, o Estado não contrata a empresa para que esta lhe preste serviços telefônicos – ela faz sim uma grande concessão para que a empresa forneça telefonia, de forma privada, ao povo.
Não se observa, assim, um liberalismo estrito,
laissez-faire. Pelo contrário, o que se observa nesse tipo de conduta, é uma espécie de
neo-mercantilismo, orientado pelo princípio do interesse público. Com a concessão de áreas de atuação, não se tem real concorrência, mas um monopólio concedido pelo “príncipe”.
Para explanar melhor essa situação, deixe-me explicar um conceito comum de direito administrativo, da
dicotomia do interesse público. O Estado possui dois interesses, o primário e o secundário. O primário é o interesse em atender a população. O secundário, é o de resguardar seu patrimônio e interesse
enquanto órgão. Muitas vezes, eles entram em conflito (por exemplo, pode ser do interesse secundário contratar empresa X, que é mais barata, mas do primário contratar a Y, que fornece serviços de igual qualidade em áreas que a outra não alcança). A diferença entre o mercantilismo clássico e as concessões é que naquele só havia o interesse secundário (não havia ainda sido reconhecida a dicotomia), e este tem a prevalência do primário.
Assim, temos áreas do país divididas entre Telemar e Telefônica. Usuários de cada região não podem optar pela outra, que simplesmente
não opera na sua região. Há verdadeiro monopólio, inexistindo a livre concorrência característica do contratualismo e, em conseqüência, do neo-liberalismo.
Se o serviço está sendo mal feito, não é o esvaziamento da clientela que mata a empresa, mas sim a vigília do Estado, que suspende o a concessão. Temos, então, um fiscal ou quase-gestor, orientado pelo interesse público, e
não pela insatisfação pessoal com o serviço, definindo quem será a próxima a monopolizar a área.
O nível de ingerência do Estado, a quantidade de poder e o tipo de interesse envolvidos, bem como a dinâmica da prestação de serviços, são muito diferentes mesmos da pregação de livre-concorrência do neo-liberalismo, pois se dá somente em macro-escala e cria um monopólio formal sujeito a avaliações públicas periódicas. Os cenários são, portanto, inconfundíveis.
Na minha opinião, a nova telefonia brasileira ser reconhecida como sucesso retumbante não autoriza os neo-liberais de plantão a apropriar-se do exemplo; eles estão atirando no próprio pé. Se ela prova alguma coisa, é que dirigismo estatal não é sinônimo de palavrão – se bem planejado e realizado, e mantendo uma dose saudável de concorrência para garantir a meritocracia (que deixa de ser dogmaticamente considerada exclusividade do mercado “livre”), o reconhecimento ministerial é tão capaz de apontar os bons realizadores quanto o é a “mão invisível” do mercado – o que fica provado pelo que eu descrevi acima.
Claro que não estou pregando planos qüinqüenais, mas apenas apontando que o mercado livre é melhor que uma má interferência pública, e não que uma interferência “
per se”. Parto sempre do princípio que inteligência humana aplicada a processos torna-os mais eficientes que o acaso pueril. O grande ponto, então, não é abolir a interferência, mas garantir que a inteligente, e não a burra, seja usada. Esse é, na minha opinião, o desafio do milênio no que tange a economia, e por isso, vejo a atual ascensão de idéias liberais (não digo nem neo-liberais, digo liberais mesmo, estamos vendo o desmonte do interesse social) como um passo atrás. Espero que seja só um impulso para dar dois à frente.
T+

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