Financial Times
Cresce expectativa em torno da beatificação do controvertido papa da era nazista
No processo que estuda a beatificação de Pio 12, papa de 1939 a 1958, pesa contra ele, entre outros, o fato de não ter tomado posição com a força necessária contra o extermínio dos judeus então promovido pelos nazistas
Tony Barber
Quase 50 anos depois da sua morte, Pio 12 (Eugenio Pacelli, 1876-1958), o diplomata e cardeal italiano que se tornou o papa o mais controvertido do século 20, pode estar se aproximando da beatificação e da santidade.
Segundo informou um porta-voz nesta sexta-feira (28/07), a Congregação do Vaticano para as Causas dos Santos, a entidade que avalia o grau de
santidade de um candidato, acaba de realizar sua primeira reunião para
examinar a causa de Pio 12, e já agendou uma outra sessão para depois do intervalo das férias de verão.
A campanha para canonizar Pio 12 está deixando os seus críticos
horrorizados. Estes afirmam que o seu reinado, de 1939 a 1958, foi manchado por aquilo que eles consideram como o seu fracasso em tomar as providências necessárias para proteger os judeus da Europa da aniquilação promovida pelos nazistas na primeira metade dos anos 40.
Não obstante as ressalvas que pesam contra o polêmico papa, os cardeais, os estudiosos, especialistas e outros simples fiéis da Igreja católica romana que apóiam sua santificação intensificaram seus esforços para garantir seu reconhecimento como um dos líderes os mais importantes ao longo dos 2.000 anos de história da Igreja.
Em abril, foi realizada uma conferência especial na sede da Pontifical
Lateran University (Pontifícia Universidade Luetrana), em Roma, destinada a examinar os argumentos favoráveis às virtudes de Pio 12. Na ocasião, o cardeal Fiorenzo Angelini, um prelado de 89 anos que conheceu pessoalmente o falecido papa, declarou: "Pio deve ser reconhecido como um santo. Mas a admiração não é suficiente. As pessoas precisam ser convencidas de que esta é a medida apropriada".
O processo visando à beatificação de Pio 12 foi iniciado em 1965 pelo papa Paulo 6º, que naquela ocasião compensou a iniciativa abrindo simultaneamente um processo similar em favor de João 23, que exerceu a função pontifical de 1958 a 1963.
Mas, enquanto João 23 foi beatificado em setembro de 2000, os defensores da beatificação de Pio 12 continuaram esperando, em meio a um clima de frustração, enquanto os historiadores e teólogos católicos seguiam debruçados sobre montanhas de documentos e de depoimentos de testemunhas para elaborar um parecer sobre o seu caso.
Nem todos os arquivos do Vaticano relevantes, que dizem respeito à
estratégia de Pio 12 durante os anos do Holocausto chegaram a ser liberados para consultas. Quando Bento 16, o papa que foi eleito 15 meses atrás, visitou uma sinagoga em agosto do ano passado, na cidade alemã de Colônia, ele recebeu um pedido de Abraham Lehrer, um líder da comunidade judaica, para que fossem abertos os arquivos do Vaticano que dizem respeito à Segunda Guerra Mundial, no que seria "um novo gesto de valorização da consciência histórica".
As principais acusações que pesam contra Pio 12 são de que ele não chegou a tomar posição com a força necessária contra o extermínio dos judeus que vinha sendo promovido por Hitler, e ainda que a sua obsessão por proteger os interesses da Igreja católica o deixou preso numa armadilha que o obrigou a manter o Vaticano numa eqüidistância moralmente fatal entre a Alemanha nazista e a aliança formada pelos Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a União Soviética.
Os partidários da canonização de Pio 12 alegam que na época, eventuais
protestos públicos da sua parte teriam contribuído apenas para aumentar as perseguições nazistas. Além disso, eles afirmam que ele salvou muitos judeus italianos da deportação e que ele ainda promoveu outras iniciativas humanitárias.
No mês passado, o Vaticano agradou aos estudiosos e especialistas quando autorizou a abertura de todos os seus arquivos relativos a período de 1922 a 1939. Durante este período, Eugenio Pacelli, o futuro papa Pio 12, serviu primeiro como núncio pontifício na Alemanha e, mais tarde, como o secretário de Estado do Vaticano, ou ainda como chefe da diplomacia.
A liberação do acesso a esses arquivos deveria proporcionar novos
esclarecimentos sobre as opiniões de Pacelli em relação à Alemanha nazista, uma vez que ela permitirá que os historiadores tomem conhecimento do teor das suas discussões privadas com oficiais do Vaticano, assim como das suas anotações pessoais a respeito do documentos sensíveis da Igreja daquela época.
O padre Peter Gumpel, o relator jesuíta, ou promotor oficial, do processo de canonização de Pio 12, está convencido de que a riqueza do material que já está disponível é amplamente suficiente para justificar sua beatificação. "Após ter lido mais de 100.000 páginas dos documentos que foram arrolados no processo de beatificação, estou cada vez mais convencido de que Pio 12 era um santo", disse ele no ano passado.
Entretanto, caberá ao papa Bento 16 dar a palavra final sobre este caso, o que torna o processo eminentemente político, uma vez que ele exigirá avaliações cuidadosas por parte deste papa nascido Alemanha. De fato, este deverá levar em conta inúmeros aspectos da questão, inclusive de que forma uma eventual beatificação de Pio 12 poderia prejudicar as relações do vaticano com os judeus do mundo inteiro.
Até agora, Bento 16 manteve suas intenções em sigilo e não deu qualquer
indício do que ele pretende fazer - embora, numa reunião de portas fechadas com padres romanos, em março passado, o Vaticano o tivesse citado como tendo dito de Pio 12 que ele "amava verdadeiramente o povo alemão" e que ele teria sido um dos grandes papas do século 20.
Cresce expectativa em torno da beatificação
Cresce expectativa em torno da beatificação
"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma." (Joseph Pulitzer).