Até Deus e Jesus são atacados no Orkut
Karenine Miracelly
Domingo - 27/08/2006 - 12h27
Araçatuba - O Orkut, site de relacionamentos mais famoso no Brasil, já foi alvo de críticas e até de inquéritos policiais e procedimentos judiciais por causa de divulgação de pedofilia, racismo e incitações a transgressões de leis, como os rachas no trânsito. Agora, o espaço virtual famoso pela liberdade de expressão nas comunidades que abriga causa polêmica por ofender religiões.
Uma delas, que na semana passada reunia 550 membros, classifica Jesus como pedófilo. A comunidade "Jesus - o 1º pedófilo do mundo" baseia suas críticas na passagem bíblica "Deixai que venham a mim todas as criancinhas".
O organizador da comunidade deixa clara a interpretação no perfil da comunidade. Nos fóruns, que são os espaços de discussão entre os membros da comunidade, não faltam ofensas a Jesus a partir de interpretações da célebre passagem bíblica.
Na mesma linha, há comunidades que fazem interpretações sobre a sexualidade de Jesus, Maria e José. "Jesus Cristo, gay?!" é descrita como um espaço para discutir a sexualidade de Jesus. O criador da comunidade, que na semana passada tinha 711 membros, se baseia em um texto apócrifo, que os orkuteiros relacionam a um Evangelho Secreto de São Marcos.
No perfil da comunidade, os participantes descrevem o trecho: "Jesus disse ao jovem o que deveria fazer, e à noite este veio a ele com um vestido de linho sobre o corpo nu. E ficaram juntos naquela noite, pois Jesus ensinou-lhe o mistério do Reino de Deus."
Além de caracterizar Jesus como homossexual, a comunidade "Maria P..., Jesus gay" rotula Maria como prostituta. Na mesma linha, há "José o Primeiro Corno Assumido", que caracteriza como sinônimo de infidelidade e traição o fato de José ter permitido que Maria concebesse um filho que não era seu, mas de Deus.
Há comunidades que atacam a crença em Deus, como é o caso de "Deus bom é deus morto"; "Crente é ET"; "Deus é o caral.."; "Eu rejeito Deus". "F...-se Jesus Cristo", comunidade que reunia na semana passada 729 membros, critica a crença no filho de Deus, segundo a Santíssima Trindade aceita pelo Cristianismo.
Nos fóruns, além dos defensores das comunidades, é possível encontrar depoimentos de pessoas que se sentiram ofendidas pelas discussões criadas pelos participantes. Esse comportamento contribuiu inclusive para divulgar as comunidades que atacam os dogmas religiosos: muitas existem desde 2005, mas cresceram consideravelmente neste mês, depois que "orkuteiros" revoltados com a temática passaram a circular e-mails solicitando a retirada delas do ar. Por causa da campanha, algumas foram excluídas pelo próprio Orkut ou mudaram de nome, mas não de conteúdo, a fim de burlar a vigilância do site.
REPERCUSSÃO - Representantes de religiões em Araçatuba criticam veementemente a utilização do Orkut para divulgação de comunidades que falam mal dos dogmas religiosos. "Eu vejo isso como uma afronta a Deus, porque Deus é o criador", afirma o pastor evangélico da Igreja Quadrangular Etelvino Rodrigues Silva Neto, membro do Conselho de Pastores de Araçatuba.
"Não podemos obrigar ninguém a crer, mas independentemente de religião, esse comportamento é uma afronta ao cristão. Lamento muito que a mente dessas pessoas seja assim porque isso pode trazer conseqüências negativas para elas. Temos que lembrar que tudo o que se planta, colhe. Ao mesmo tempo, o comportamento dessas pessoas é uma prova de misericórdia de Deus, que faz o sol nascer para os bons e para os maus."
O padre José Carlos Guabiraba, pároco da catedral Nossa Senhora Aparecida, defende que o Ministério Público investigue esse tipo de comunidade presente no Orkut e puna os responsáveis pelo que ele considera ofensivo. "Tudo o que se refere jocosamente às religiões é ofensivo porque a gozação feita com o sagrado é uma falta de respeito", ressalta.
"Antes de criar essas comunidades, o internauta precisa entender que o que é sagrado para outra pessoa, mas não é para ele, precisa ser tratado com respeito. É aceitável não crer em dogmas das religiões, mas expor essa descrença da forma como ocorre no Orkut é absoluta falta de respeito. O conteúdo das comunidades comprova a ignorância de seus criadores e participantes: a passagem das criancinhas deve ser entendida no sentido da simplicidade e pureza e não tem nada relacionado à pedofilia, da mesma maneira que não há nada provado sobre a sexualidade de Jesus. Essas comunidades são formas encontradas para essas pessoas extravasarem sua miséria interior."
O estudioso do Espiritismo e ex-presidente do Centro Espírita Bezerra de Menezes, Wilson Alves Matias, acredita que o que leva alguns internautas a atacarem as pessoas que se destacaram no plano espiritual são suas frustrações. "São criaturas infelizes, que não têm a alegria de ver na própria vida a existência de Deus", analisa. "São pessoas materialistas, que não têm espiritualidade e não tiveram a felicidade de sentir que houve uma pessoa maior responsável pela vida."
CRIME - As ofensas aos dogmas religiosos praticados pelos "orkuteiros" nas comunidades ofensivas às crenças podem ser caracterizadas como crime, segundo o delegado e professor de Direito Penal do Unitoledo (Centro Universitário Toledo), Vilson Disposti. Os autores das comunidades e das mensagens dos fóruns violam o artigo 208 do Código Penal no que diz respeito a vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso. "Vilipendiar é aviltar ou menosprezar", explica Disposti. "Nesse caso, a referida conduta atinge publicamente 'o sentimento de religiosidade' dos adeptos da religião ultrajada."
O delegado explica que o Direito Penal brasileiro protege tanto o sentimento religioso como a liberdade de culto e seus respectivos atos e símbolos. "A vítima, nesse caso, é a coletividade de seus seguidores, enquanto a ação penal é pública incondicionada", ressalta.
As leis previstas no Código Penal podem ser aplicadas no caso de crimes virtuais. A diferença é que o meio pelo qual foi praticado não é o físico, mas o virtual, embora o crime seja o mesmo. Além da proteção jurídica do Código Penal, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, assegura aos cidadãos a liberdade de culto religioso.
JUSTIÇA - O MPF (Ministério Público Federal) em São Paulo já instaurou mais de 160 procedimentos para investigar crimes virtuais praticados por meio do Orkut, principalmente ligados a pedofilia e racismo. Também já solicitou à Justiça que determine a quebra de sigilo de dados ao Google.
Quando o Google é notificado, em geral retira a página polêmica do ar, o que destrói a prova do crime e dificulta a punição do usuário. Há 15 dias, o Ministério Público e o Google iniciaram uma batalha sobre essas ações judiciais. No entanto, o Google afirma que não tem como indicar os dados dos usuários para facilitar as investigações. Nesta semana, o MPFdeu entrada em ação civil pública para obrigar a Google Brasil Internet Ltda. - ligada à americana Google Inc., proprietária do Orkut - a pagar multa diária de R$ 7,6 milhões e indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 130 milhões. O MP argumenta que a empresa vem descumprindo, reiteradamente, decisões da Justiça brasileira. Em último caso, requer o fechamento da empresa.
SERVIÇO
Os usuários do Orkut podem denunciar os crimes virtuais dentro do próprio sistema, graças a ferramentas que a rede disponibiliza. Outra opção é recorrer a entidades civis que atuam no combate aos crimes na Internet. Uma delas é a Safernet, que recebe denúncias de forma anônima por meio do site http://www.denunciar.org.br.
Fonte: http://www.folhadaregiao.com.br/link.php?codigo=56352