Na contramão da lógica econômica

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Na contramão da lógica econômica

Mensagem por Alter-ego »

Na contramão da lógica econômica
por João Luiz Mauad em 10 de janeiro de 2007

Resumo: Você usaria o dinheiro do cheque especial para aplicá-lo na caderneta de poupança? Pois é exatamente isso que o governo está fazendo com o dinheiro público.

© 2007 MidiaSemMascara.org


Leio nos jornais, quase sempre acompanhada de um enrustido e inexplicável tom lamuriento, a melhor notícia econômica dos últimos tempos. Pela primeira vez na história, em 2006 os investimentos diretos de empresas brasileiras no exterior deverão ser maiores que os investimentos diretos estrangeiros no País. As projeções indicam que os últimos devem fechar o ano em pouco mais de US$ 18 bilhões, enquanto os primeiros ficarão em torno de US$ 26 bilhões.

Esses investimentos são extremamente benéficos para a economia de Pindorama sob vários aspectos, mas principalmente porque dão às nossas reservas internacionais um uso mais eficiente do que aquele que vem sendo feito até agora. Em outras palavras, esse dito déficit está, na verdade, reduzindo o desperdício de dinheiro público que, de uns tempos para cá, vem sendo realizado de forma sistemática pelo governo.

Na contramão da lógica, imprensa, empresários, centrais sindicais, ministros de Estado e outros opinantes estão comemorando mais um recorde no superávit da balança comercial, que alcançou os 46 bilhões de dólares, contribuindo assim para o famigerado aumento das nossas reservas internacionais, cujo montante já está perto de alcançar os US$ 100 bilhões, objetivo perseguido e festejado por 4 em cada 3 economistas, jornalistas especializados e congêneres, espalhados pelos quatro cantos do país. Haja estupidez!

Qualquer calouro em economia sabe que estas reservas, provenientes de sucessivos superávits nas transações correntes com o exterior, nada mais são do que exportação de poupança. Como a poupança de hoje é o investimento de amanhã, o que estamos fazendo é exportar capital. O mais incrível, no entanto, é que a remuneração dessa poupança / capital é negativa. Trata-se, sem dúvida, do pior negócio do mundo, mas os brasileiros, pelo visto, gostam de maus negócios.

A coisa funciona assim: Como em qualquer república bananeira que se preze, toda transação cambial em Pindorama é centralizada, em última instância, no Banco Central. Isso faz do Tesouro Nacional comprador e vendedor final de toda moeda estrangeira transacionada pelos agentes econômicos sediados aqui. No entanto, o governo não utiliza moedas alienígenas em suas transações internas, razão pela qual eventuais superávits nas transações correntes com o exterior devem ser levadas à conta das reservas internacionais. Para não ficarem paradas, dormindo dentro do baú ou amontoadas sob o colchão, essas reservas são transferidas para fora do país, onde são normalmente aplicadas em títulos de renda fixa de baixo risco nos países desenvolvidos, notadamente os EUA.

O BACEN, para adquirir as divisas, precisa, evidentemente, de reais. Caso tivéssemos uma balança de pagamentos equilibrada, os reais necessários para remunerar os exportadores, por exemplo, seriam obtidos com os importadores e vice-versa. Entretanto, como existe um desequilíbrio entre oferta e demanda de moeda estrangeira e o Tesouro não dispõe de poupança própria (na verdade é deficitário), a diferença tem que ser levantada junto ao mercado financeiro (poupança dos indivíduos e empresas), via aumento da dívida pública interna. Assim, como o país obteve em 2006 um superávit nas transações correntes de 35 bilhões de dólares, isso quer dizer que o Tesouro precisou captar pouco mais de 75 bilhões de reais em títulos públicos (poupança privada) para fechar as operações cambiais do exercício.

Ora, o governo tem pago, ultimamente, cerca de 13% de juros ao ano nos títulos da dívida interna. Descontada a inflação e os impostos, dá algo em torno de 9% líquidos. Como a remuneração dos títulos no exterior é muito baixa (nos EUA a taxa é de +/- 4% líquidos, na melhor das hipóteses), deduz-se que estamos pagando, atualmente, aproximadamente 5% de juros ao ano para engordar as gloriosas reservas internacionais. Em linguagem clara, estamos pagando (caro) para remeter a poupança dos brasileiros ao exterior, a fim de financiar, por exemplo, o crescimento econômico dos EUA, ou a guerra do Iraque, se preferirem.

Enquanto havia uma dívida externa grande a ser liquidada e os recursos financeiros internacionais eram escassos, fazia sentido investir no propalado "colchão anti-crise". Agora, no entanto, não precisamos mais dele, já que a dívida pública em dólares é muito baixa (na verdade, menor do que as próprias reservas internacionais).

O mais incrível disso tudo, no entanto, é que, malgrado tratar-se de algo um tanto óbvio até, a dilapidação do patrimônio dos brasileiros não só é raramente contestada, como costuma ser aplaudida pelo venerável público, pois vivemos, como vocês bem sabem, num país onde a lógica e a razão foram substituídas, há muito tempo, por "verdades" e "convicções" inculcadas no imaginário popular pela estratégia Goebbeliana da repetição.

Os mais iludidos com a magia dos superávits chegam a pregar uma intervenção direta do governo nas taxas de câmbio, já que, segundo eles, ela estaria defasada e prejudicando os fabricantes e exportadores nacionais. Quanta bobagem, meu Deus! Imaginem vocês que o governo resolvesse voltar no tempo e estabelecesse, como querem algumas lideranças políticas e empresariais, uma taxa de câmbio arbitrária, de acordo com a sapiência de meia-dúzia de técnicos do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Digamos que a taxa ideal, no entendimento desses sábios senhores, fosse de R$ 3,00 para cada dólar. É evidente que as exportações seriam impulsionadas e as importações restringidas, aumentando o superávit comercial do país. Mas e o custo disso? Será que o formidável aumento das nossas reservas, para regozijo geral do nacional-mercantilismo, seria compensador? Vejamos:

Como o governo não precisa de mais divisas para honrar a sua divida externa, já que as reservas existentes são maiores que a própria dívida pública em moeda estrangeira, todo esse imenso baú de dólares, fomentado pelo câmbio desvalorizado artificialmente, seria transferido para o exterior e "investido" em títulos de países do primeiro mundo (remunerado por aquele jurinho mixuruca de que falamos acima), enquanto os reais necessários para comprá-los, agora na proporção de 3 x 1, seriam obtidos através da emissão de mais e mais títulos, engordando ainda mais uma dívida interna que já anda nos píncaros do absurdo. Não é um verdadeiro golpe de mestre? Você, estimado leitor, usaria o dinheiro do cheque especial para aplicá-lo na caderneta de poupança? Pois é exatamente isso que o governo está fazendo com o dinheiro público.

A solução ideal seria, como já disse aqui nesse espaço inúmeras vezes, que o governo derrubasse a maioria das tarifas e barreiras alfandegárias que bloqueiam as nossas importações (o Brasil ainda é um dos países mais fechados do mundo). Somente um comércio internacional realmente livre é capaz de estabelecer o valor real da taxa de câmbio, que represente a verdadeira paridade do poder de compra da nossa moeda em relação ao restante do mundo. Mas como isso, em virtude da cultura protecionista que impera em Pindorama - capitaneada por um lobby e uma propaganda fortíssimos, financiados por "rent-seekers" encastelados na FIESP e congêneres - ainda é um sonho muito distante, pelo menos que o dinheiro das famigeradas reservas seja utilizado de forma mais eficiente do que é feito atualmente.

Bem-vindo seja o déficit dos investimentos diretos. Que a Vale do Rio Doce compre muitas outras empresas no exterior.
"Noite escura agora é manhã..."

Trancado