A mesma fé que remove montanhas é capaz de empurrar religiosos para o banco dos réus. Hoje, existem 138 processos contra templos religiosos registrados no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ). Pelo menos 115 esperam sentença. Boa parte das ações (38) é de execuções fiscais, nas quais o Estado exige a quitação de impostos. E como não há santo que acalme a ira dos cobradores, em outros 28 processos se busca resgatar débitos referentes a dívidas trabalhistas, aluguéis e outros calotes.
Os recordistas em disputas judiciais, em Salvador, são as igrejas Universal do Reino de Deus e a Assembléia de Deus, com 43 e 31 processos, respectivamente. O número representa tanto ações em aberto, como as que tenham sido julgadas.
O levantamento é baseado nos arquivos da área de Distribuição do TJ. É neste setor por onde passam todos os processos antes de seguirem para varas da Justiça.
Outra que costuma apelar para ajuda divina antes de ser julgada é a Igreja Renascer, que acumula oito processos em Salvador por cobrança de débitos, indenização, reparação de danos e pedidos de despejo. Algumas ações estão paradas desde 2000. Entretanto, essas pendengas judiciais da Renascer na Bahia parecem bobagem diante do escândalo de repercussão internacional pelo qual ela atravessa.
ESCÂNDALO – Os líderes da Igreja Renascer chegaram a ter prisão preventiva decretada no final de novembro passado, em São Paulo, após faltarem à audiência do processo em que eram acusados de estelionato e lavagem de dinheiro.
Depois disso, o casal Sonia e Estevem Hernandes – bispa Sonia e apóstolo Estevem – foram presos nos Estados Unidos, no início de janeiro, quando foram flagrados no Aeroporto de Miami, na Flórida, com US$ 56 mil não-declarados (cerca de R$ 117 mil). Ainda detidos, eles aguardam julgamento para voltar ao Brasil.
O dinheiro estava escondido dentro de uma Bíblia. Os dois foram presos em flagrante, acusados de lavagem de dinheiro e declaração falsa de documento. Nos registros oficiais, informaram ao setor de imigração que portavam menos US$ 10 mil, cada (cerca de R$ 21 mil). No Brasil, as investigações apontam para um enriquecimento que inclui haras, fazendas e casa em Miami.
REVOLTA – Para quem já foi lesado, algumas igrejas mais parecem o antro do pecado. “Me prejudicaram e agora só posso confiar na Justiça“, desabafa o dono de um imóvel em Lauro de Freitas. Sem se identificar, o comerciante teme ser punido pelo débito de R$ 20 mil junto à Dívida Ativa da Prefeitura.
O prejuízo foi acumulado após três anos de calotes da Renascer, para quem alugou, em 2003, uma loja onde eram realizados cultos. O aluguel mensal de R$ 3 mil deixou de ser pago e o IPTU ficou em aberto.
“Na hora de abandonar o imóvel, levaram a chave. Tive de arrombar a fechadura“, lamenta.
Mesmo quem ganhou ações na Justiça teve de insistir para receber o dinheiro, como é o caso do locatário de um prédio na Rua Carlos Gomes, Vicente de Paula Mendonça.
Em 2003, representantes da Renascer alugaram um andar inteiro do prédio por R$ 1.200 ao mês. Teriam quatro salas e 240 metros quadrados para oferecer cursos preparatórios a pastores e bispos.
Quatro meses se passaram e nenhum centavo foi pago. “Tentei negociar, mas era maltratado“, comenta Vicente, ao lembrar que o prejuízo chegou a R$ 4 mil.
Após três audiências, a Renascer foi condenada a quitar a dívida.
Ainda assim, não pagou e teve bens confiscados. “Minha revanche foi ter a oportunidade de chegar na sala do bispo e levar computadores, ar-condicionado e tudo que cobrisse o débito“, disse.
SILÊNCIO – Por meio da assessoria de imprensa, a direção da Renascer informou que entrevistas foram vetadas até ser dissipada a onda de denúncias. Fundada em 1986, a Renascer possui 1.200 igrejas no Brasil. Existem unidades em todos os Estados, além de três templos nos Estados Unidos, um na Argentina e outro na Itália.
A Igreja Universal também não se pronunciou. Fundada em julho de 1977 sob o comando do bispo Edir Macedo, chegou à Bahia em 1980 e hoje está presente em todos os continentes.
Na Assembléia de Deus, o vicepresidente e assessor jurídico, pastor Abiezer Apolinário, afirma que a instituição procura estar de acordo com a lei, mas diz que há pessoas que processam a igreja por estarem descontentes com a postura de dirigentes. Sobre cobranças de impostos, o pastor lembra que, apesar das instituições religiosas terem imunidade tributária, alguns serviços públicos são cobrados, como as taxas de iluminação.
“Muitos pastores não sabem e deixam de pagar“, diz.
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