Segunda, 16 de abril de 2007, 12h35
Histeria coletiva atinge alunas de internato no México
Elisabeth Malkin
As adolescentes reunidas para orar em seu internato católico entraram na sala oscilando, quase caindo a cada passo. Por meses, sua escola foi atingida por uma misteriosa doença que afetou centenas de meninas, e elas estavam lá para pedir por sua recuperação. Os primeiros casos da doença, que prejudicava a capacidade de locomoção das meninas e lhes causava febre e náuseas, surgiram em novembro e dezembro.
Depois que as meninas voltaram para a escola, das férias natalinas, a doença se espalhou ainda mais. Em fevereiro, a irmã Margie Cheong, diretora da escola, estava assustada a ponto de alertar as autoridades.
Na quarta-feira, a irmã Michaela Shim distribuía biscoitos às meninas reunidas para orar, e lhes contou uma história em seu espanhol marcado por forte sotaque coreano. As meninas riam e gritavam enquanto a parábola que ela improvisou na hora se desenvolvia. Era a história de um menino que mente para receber mais atenção.
O que pode estar acontecendo aqui parece muito mais complexo. Depois de baterias de testes, os médicos agora acreditam que a doença que atingiu 600 das 3,6 mil alunas da escola, que opera como instituição de caridade, tenha origem psicológica.
Em termos médicos, as autoridades de saúde mexicanas concluíram que as meninas da Escola Aldeia das Crianças estejam sofrendo de um distúrbio psicogênico maciço. Em linguagem leiga, elas estão passando por histeria coletiva.
Trata-se de um diagnóstico que médicos em geral hesitam em aplicar, preocupados com a possibilidade de que estejam desconsiderando outras causas e desconfortáveis com as imagens de meninas gritando, em transe ou ilusões coletivas, bem ao modo do século 19.
Mas o Dr. Victor Manual Torres Meza, diretor de epidemiologia no departamento de saúde do Estado de México, disse que havia cerca de 80 casos documentados dessa doença, em todo o mundo. Eles em geral acontecem em comunidades fechadas, como escolas e fábricas, e tendem a ocorrer com mais freqüência entre adolescentes e meninas.
"Temos um grupo formado apenas por meninas, vivendo em situação de estrito controle e disciplina que elas precisam seguir rigorosamente", disse Torres Meza. "Essas doenças ocorrem em grupos fechados e sem comunicação externa. Os fatores emocionais têm efeito cumulativo. Mas o que deflagra o episódio?".
Cerca de 20 psiquiatras e psicólogos de hospitais federais começaram a realizar entrevistas privadas com as meninas que ainda estão doentes, ou sofreram da doença em algum momento, ele disse, acrescentando esperar que um relatório preliminar esteja concluído antes do final do mês.
Quando a escala da doença se tornou clara, a escola permitiu que os pais tirassem suas filhas de lá por uma semana. As meninas doentes se recuperaram prontamente, e começam a voltar à escola, o que de certa forma surpreende os repórteres e equipes de TV permanentemente estacionados diante dos portões, que cercam as meninas e suas famílias em busca de casos de maus tratos na escola.
"Precisamos de apoio, não de escândalo, disse a irmã Cheong em entrevista na escola. Ela parecia visivelmente esgotada pelas atenções da mídia e claramente preocupada com a possibilidade de que isso venha a prejudicar as doações de que ela precisa para manter o orçamento operacional de US$ 4 milhões da escola. A instituição, fundada em 1990, é uma das 10 escolas abertas na Ásia e na América Latina por uma organização chamada Aldeias Mundiais para Crianças, dirigida por freiras das Irmãs de Maria, uma ordem fundada na Coréia do Sul, em 1964, pelo padre norte-americano Aloysius Schwartz.
A escola oferece três anos de ginásio e dois anos de colegial técnico a meninas dos 12 aos 17 anos. A instituição se localiza em um amplo terreno nos poeirentos limites de Chalco, um bairro operário na periferia na Cidade do México.
Com população de cerca de meio milhão de pessoas, Chalco serve como sinônimo à pobreza urbana, no México. Um assentamento não planejado de casas de blocos de concreto que os proprietários nunca têm dinheiro para completar, Chalco inchou muito nos últimos 30 anos, com a chegada de migrantes do campo que vêm à capital em busca de empregos.
Mas por trás dos portões metálicos da escola existem arbustos bem podados, gramados aparados, uma piscina e um ginásio com capacidade para quatro mil espectadores. Em um toque bizarro, um avestruz, o mascote da escola, passeia por um jardim no canto dos muros.
As meninas, oriundas de algumas das regiões mais pobres do México, correm das aulas de computação aos ensaios de coral, passando por aulas de tae kown do. Os alojamentos são impecavelmente limpos, ainda que modestos: brinquedos doados ficam expostos, mas intocados, por sobre os armários, e cada quarto abriga quarenta meninas, em beliches triplos.
As autoridades mexicanas dizem não haver prova de maus tratos, ainda que reconheçam que a disciplina que as meninas seguem é severa, e que elas vivem de maneira isolada. Elas vêem suas famílias no máximo três vezes ao ano: duas semanas em julho, 10 dias no Natal e no dia dos pais e mães, que em geral cai em maio. Não estão autorizadas a fazer telefonemas, e as cartas que recebem e enviam são controladas.
A irmã Cheong diz que muitas das meninas vêm de famílias indígenas ou de regiões do país nas quais as superstições são muito fortes. "Em conversa com os pais, eles parecem acreditar que Deus está mais vivo onde o mal é mais ativo", ela diz. Ou talvez as meninas pensem que sua doença é uma benção.
Maria Layda Aguiar, 14 anos, assistia suas colegas treinando dança e aeróbica, no ginásio. Ela adoeceu, mas está melhorando, depois de um mês. "Eu aceitei a doença com alegria", disse. "Talvez Deus esteja me testando. Talvez seja assim que Ele demonstra sua preocupação comigo".


