20/04/2007 - 09h45
Supremo Tribunal Federal tenta definir o início da vida
RAFAEL GARCIA
da Folha de S.Paulo
Uma audiência pública hoje no STF (Supremo Tribunal Federal) tem tudo para se tornar um debate científico sem sentido. Seus ministros deverão ouvir uma série de cientistas para depois emitirem seu veredicto sobre a questão "quando começa a vida humana?" Se o tribunal decidir que um embrião de poucas células é um ser vivo com status de pessoa, a legislação sofrerá alterações que devem desagradar a cientistas.
Hoje, para poderem fazer pesquisas com células-tronco embrionárias humanas (capazes de se diferenciar em qualquer tipo de tecido), os cientistas dependem do artigo 5º da lei de Biossegurança. Esse dispositivo está sendo questionado por uma ação do MPF (Ministério Público Federal), elaborada pelo ex-procurador-geral Claudio Fonteles.
Ele argumenta que a destruição de embriões viola o "direito à vida", assegurado pela Constituição. A lei de Biossegurança garante o acesso a embriões congelados por mais de três anos em clínicas de fertilização. Não podendo ser usado em pesquisa, o destino desse material é ficar em geladeiras por um tempo e depois ir para o lixo.
A audiência às 9h de hoje tende a virar uma batalha entre "religiosos" e "laicos". Defendendo as pesquisas com embriões estão cientistas convidados pelo STF (muitos deles estudiosos de células-tronco). Defendendo a proibição estão outros escolhidos pelo MPF e pela Confederação Nacional de Bispos do Brasil. Fonteles, um franciscano que nega ter movido a ação por convicções religiosas, foi quem sugeriu a audiência. "Apresentei na petição inicial os nomes para comprovar a minha tese jurídica", diz. "Fiz esse pedido da audiência e, graças a Deus, o ministro Carlos Brito [do STF] aceitou."
Apesar das implicações morais e éticas, nenhum filósofo foi convidado a depor. O risco da polarização temida é o de se discutir a questão errada.
"Aqueles que estão engajados em pesquisa cientifica avançada já abdicaram do problema da [definição da] vida faz tempo", disse à Folha Maurício de Carvalho Ramos, professor do de filosofia da USP. "A ciência estuda sistemas biológicos materiais e a resposta de o que vem a ser vida é metodologicamente posta de lado."
Apesar de criticar o caráter falsamente "técnico" que se pretende com a reunião, Ramos também mostra preocupação com o risco de o debate ser seqüestrado pela moral de um viés religioso. "Se o critério para escolha daquelas pessoas foi o vínculo delas com alguma religião, qualquer conclusão a que o debate chegue vai ser inconveniente", diz. "A lei tem um caráter absolutamente laico."
Para ele, a questão é complexa, pois envolve comparar o valor de "vidas potenciais". De um lado está a vida do embrião que não se tornará pessoa e, do outro, a vida de doentes que podem vir se beneficiar de tratamentos com células-tronco.
"Existe um certo grau de ingenuidade em imaginar que, em algumas reuniões, as pessoas vão conseguir decidir o que quer que seja", diz Ramos. "Existe uma tradição secular de pesquisa a respeito da natureza da vida humana."
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21/04/2007 - 09h40
STF assiste a disputa ideológica pela "vida" em audiência pública
LAURA CAPRIGLIONE
enviada especial a Brasília da Folha de S.Paulo
Trinta e quatro cientistas pró e contra pesquisas usando células-tronco embrionárias humanas se enfrentaram ontem diante de ministros togados do Supremo Tribunal Federal, em Brasília. Longe de seus laboratórios, os pesquisadores deram um lustro no didatismo para fazer os magistrados entenderem suas respostas à pergunta: "Quando começa a vida?"
O propósito do questionamento espinhoso (que já foi feito por Santo Agostinho, no século 5º) é ajudar os ministros do STF a decidir sobre a constitucionalidade da Lei de Biossegurança, aprovada em 2005, que autoriza a pesquisa com células-tronco extraídas de embriões produzidos in vitro para fins de reprodução assistida.
Células-tronco embrionárias são capazes de se diferenciar em qualquer tecido no corpo, sendo portanto uma aposta da medicina no tratamento de várias doenças hoje incuráveis. Para serem obtidas, elas requerem a destruição de embriões com poucos dias de existência.
A lei permite o uso de embriões inviáveis para gestação ou que estejam congelados há mais de três anos.
O subprocurador Claudio Fonteles, autor do questionamento e homem de confiança da Igreja Católica, diz que não se pode permitir que embriões sejam usados na pesquisa. Ele cita o artigo 5º da Constituição Federal, que assegura o direito à vida. Para Fonteles, se a vida começa na fecundação, a pesquisa com embriões é inconstitucional, porque os destrói.
A primeira audiência pública da história do STF acabou virando um intensivão de biologia, em que se enfrentaram currículos científicos vistosos. Um dos oradores foi Julio Voltarelli, da USP de Ribeirão Preto, festejado por ter conseguido livrar das injeções de insulina pacientes diabéticos. Voltarelli --que células-tronco adultas em pesquisas-- foi depor favoravelmente ao uso de embriões.
A pró-reitora de Pesquisa da USP, Mayana Zatz, apresentou em telão imagens de pacientes de doenças degenerativas, muitos deles crianças com prognósticos de dor e sofrimento.
O mesmo recurso foi usado pelo próprio Voltarelli, que, ao concluir sua intervenção, mostrou foto com seus pacientes: "Vocês discutirão à exaustão o que é vida. Eu garanto a vocês que esses pacientes são vivos."
"Por que preservar um embrião congelado e sem viabilidade, mesmo sabendo que a probabilidade de ele gerar um ser humano é praticamente zero?", perguntou Zatz.
Mas o que são embriões inviáveis? Patrícia Pranke, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mostrou fotos de embriões chamados de tipo A, B, C e D, segundo critérios usados pelas clínicas de reprodução assistida.
Pranke afirmou que embriões de tipo D são aqueles com alto grau de fragmentação. Raramente são implantados no útero, pois têm pouca chance de gerar gestação. "Quando frescos, só 6% desses embriões fixam-se no útero. Se congelados, as chances caem a 0,8%."
Segundo a cientista, embriões C e D apresentam alta incidência de malformação fetal. "Esses embriões acabam sendo descartados. Por que não usá-los na pesquisa?"
Do lado dos adversários da pesquisa com células-tronco embrionárias, Lenise Garcia, professora da Universidade de Brasília, defendeu que a vida começa na fecundação.
"Veja uma borboleta. Lagarta e borboleta não se parecem, mas são o mesmo indivíduo em fases diferentes da vida. O Ibama protege o ovo da tartaruga porque sabe que ali está uma tartaruguinha. O embrião é um ser humano em potencial, mas um ser humano em uma fase específica da vida", disse.
Segundo Elizabeth Kipman Cerqueira, coordenadora do Centro de Bioética do Hospital São Francisco, de Jacareí (SP), o fato de o embrião ter uma fração do diâmetro do buraco de uma agulha de injeção não é argumento. "O ser humano não se define pelo tamanho nem pela aparência, mas pelas potencialidades. No instante em que o espermatozóide encontra o óvulo, ele tem potencial para desenvolver um indivíduo completo. É esse desenvolvimento que os feticidas [assassinos de fetos] pretendem interromper."
Alice Teixeira Ferreira, da USP, defendeu uma pesquisa intensiva de células-tronco adultas, como alternativa às embrionárias. Foi secundada por Marcelo Mazzetti, da mesma universidade, para quem a pesquisa com células-tronco adultas já resultou em 72 terapias eficientes.
"O placar está 72 a zero para as células adultas. Por que insistir em um procedimento que mata embriões?"
O relator da ação no STF, ministro Ayres Britto, vai apresentar um relatório sobre a aduência para outros ministros do STF em junho. O julgamento ainda não tem data marcada.
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21/04/2007 - 09h58
Arcebispo de São Paulo e músico "duelam" no debate sobre células-tronco
da Folha de S.Paulo
Na platéia do auditório lotado onde transcorreu a discussão sobre as células-tronco embrionárias, duas celebridades se encararam, cada uma de um lado da polêmica: o novo cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Pedro Scherer, e o músico Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso. "Temos de defender a vida, mesmo que à custa de possíveis novos tratamentos", disse dom Odilo. "É inconcebível jogar fora embriões humanos que poderiam ser usados", opôs Vianna.
O músico, paraplégico desde 2001, evitou a polêmica sobre o ponto inicial da vida humana. Em vez disso, disse que toda pesquisa vale a pena se a vida de uma única criança for beneficiada por embriões inviáveis. "Essa perspectiva coloca em um plano maior a discussão do direito à vida", disse.
Já o cardeal Odilo Scherer, também secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), pediu respeito ao embrião. "Ele não pode ser colocado à disposição da pesquisa". O líder católico disse ser contra o uso de células embrionárias "ainda que isso gere novos tratamentos."
AFolha perguntou ao cardeal por que a Igreja defende os embriões que serão usados na pesquisa com células-tronco, mas nada diz em relação às centenas de embriões excedentes (há fontes científicas que calculam em até 9.000), produzidos e descartados nas clínicas de reprodução assistida. Dom Odilo disse: "Esse é um problema. Decisões erradas não justificam outros erros. Nada justifica matar esses embriões".
O religioso propõe uma regulamentação das técnicas de reprodução assistida e sugere que embriões congelados hoje nas clínicas sejam "adotados" por famílias que queiram filhos sem poder tê-los. "Atualmente, ainda não tenho uma solução exata para isso", afirmou.
O ministro Ayres Britto encerrou a audiência pública com uma síntese do problema que cabe ao STF resolver. "Temos pontos de vista bem fundamentados. Nem sempre você decide entre o gritantemente certo e o salientemente errado", diz. "Às vezes, você tem de decidir entre o certo e o certo; em outras, entre o certo aparente e o certo aparente."
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u16331.shtml
Parece que o início da vida humana é uma questão puramente ideológica....