"O Globo" 07/06/07
A RCTV não apoiou o golpe
Miguel Henrique Otero
“O que (a RCTV) fez naquele momento foi apoiar pessoas que protestavam nas ruas”
Diretor do jornal “El Nacional”, Miguel Henrique Otero lembra-se dos acontecimentos tumultuados de 2002, apontados como a principal causa para a recusa em renovar a concessão da RCTV. Ele nega que a emissora e outros meios de comunicação tenham participado de articulações para o golpe que afastou brevemente Hugo Chávez do poder.
Conta que as emissoras apoiaram os protestos, como fazem hoje, e diz que o país vive sob uma “liberdade ameaçada”. “Golpistas vão a julgamento. Aqui só houve um discurso”, observa por telefone ao GLOBO.
Cristina Azevedo
O GLOBO: Qual foi o papel das emissoras de TV no golpe de 2002?
MIGUEL HENRIQUE OTERO: Houve um processo de muito confronto, de muita força dos meios de comunicação.
A mídia foi muito ativa no apoio aos protestos, como está sendo agora. Ativa no sentido de publicar os fatos, apoiar os manifestantes, os protestos pela liberdade. Nós sempre vamos apoiar esse tipo de movimento.
O PT publicou uma nota em apoio ao presidente Chávez e dizendo que a RCTV apoiou o golpe. Qual foi o papel de RCTV em 2002?
OTERO: Isso foi uma decisão política que tomou o Partido dos Trabalhadores porque tem uma relação geopolítica.
A RCTV não apoiou nenhum golpe.
O que fez naquele momento foi apoiar as pessoas que protestavam nas ruas. Isso foi um conceito criado pelo chavismo posteriormente.
E outros meios, como Venevisión e Televen, por exemplo?
OTERO: Na época eram mais independentes e apoiaram manifestantes.Hoje, Venevisión e Televen têm uma política editorial diferente, não têm mesma contundência da época.
Alguma emissora fez oposição mais forte a Chávez?
OTERO: Todas eram mais ou menos iguais.
O governo venezuelano diz que alguns diretores de televisão participaram de uma reunião com os golpistas em 2002. O que aconteceu?
OTERO: Bom, a mídia sempre se reuniu com as pessoas do poder. Mas isso é uma coisa. Outra é dizer que os meios de comunicação articularam um golpe. Que se reuniram na Presidência naquele momento (quandoPedro Carmona assumiu o poder), é normal.
Carmona os convidou, e eles foram.
O presidente se queixa de que os canais não mostraram sua volta ao palácio, exibindo desenhos animados.
É verdade?
OTERO: Em parte. Foi um dia de grande confusão, e as TVs não exibiram notícias. Em seguida, passaram a realidade, que Chávez regressara ao poder. No nosso caso, não pudemos circular porque os partidários de Chávez queriam tomar a zona sindicatos chavistas não permitiram que imprimissem jornais, mas publicamos tudo o que ocorria na internet.
Às medidas contra a RCTV podem se seguir outras?
OTERO: Podem, porque são arbitrárias.
Desta vez, Chávez cometeu uma ilegalidade: não renovar a concessão da RCTV sem abrir processo administrativo.
Ele disse: “Não renovo a concessão da RCTV porque são golpistas.” Mas não houve processo. Golpistas vão a julgamento militar em todos os países. Aqui só houve um discurso.
O governo diz que há liberdade e que uma prova disso são as manifestações nas ruas. Há liberdade para os meios de comunicação?
OTERO: Há uma liberdade ameaçada.
Uma liberdade onde não renovam concessão, ameaçam a Globovisión de fazer o mesmo e onde o governo desenvolve campanha de desprestígio contra os meios independentes. Diz que os meios são agentes do imperialismo, que são financiados pela CIA, que não publicam a verdade. Mas não especificam que mentiras são essas.
Esperava-se uma reação tão forte?
OTERO: Não se imaginou que uma força maciça de estudantes ia aparecer com a bandeira da paz.
Por isso o governo está tão preocupado.
Não sabe como parar isso, diz que os partidos políticos estão por trás. Mas os estudantes recusaram os partidos, têm um discurso de paz e não querem derrubar Chávez, querem liberdade.
Os jornais enfrentam problemas?
OTERO: Na verdade, não muitos.
Publicamos o que queremos. Há discriminações publicitárias, mas não tanto quanto antes. Estão concentrados nas televisões.
Por alcançarem um público maior?
OTERO: Não sei. Mas não esperavam que 80% rechaçassem a decisão, incluindo setores do chavismo. Isso tomou de Chávez dez pontos nas pesquisas, e ele é muito sensível a isso.
Isso pode frear uma ação contra Globovisión?
OTERO: Acredito que sim.
Fechamento da RCTV por Hugo Chávez
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Re.: Fechamento da RCTV por Hugo Chávez
"O Globo" 07/06/07
Tonterías
Míriam Leitão
A declaração do assessor internacional do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia, de que não falta liberdade de imprensa na Venezuela prejudica a verdade, o governo e ele mesmo: a verdade, porque os fatos são eloqüentes; o governo, porque enfraquece o Senado no conflito com Hugo Chávez; e ele mesmo, porque exibe a profundidade de suas convicções democráticas.
Uma rede de televisão de 53 anos foi fechada, depois de o governo venezuelano ter feito todo tipo de pressão e oferta ilegal de alinhamento rechaçadas pelo seu proprietário.
Agora o governo ameaça a Globovision com a expressão totalitária de que ela é “inimiga do Estado”.
Uma das reportagens que quis fazer, quando fui lá no meio da greve geral, foi sobre a relação entre Chávez e a imprensa. Visitei duas TVs: a estatal Venezolana de Televisión (VTV) e a Globovision.
Na primeira, respirava-se o ar de repartição pública, a programação era toda voltada para projetos, idéias e infindáveis discursos do presidente Chávez. Nada vi lá que me lembrasse, de longe, o jornalismo. Havia uma manifestação na porta da TV a que eles tinham decidido não fazer menção no noticiário. O diretor de jornalismo gastou todo o tempo da entrevista numa longa louvação ao grande chefe Hugo Chávez.
Já na Globovision, vi cenas impressionantes nos arquivos.
Uma delas, foi a de um atentado a bomba praticado pelos círculos bolivarianos contra a emissora. Outras mostravam jornalistas sendo constrangidos em público por Hugo Chávez. No meio de uma reunião com militantes, ele apontava os jornalistas, dizia os nomes e fazia ameaças veladas. Vi discursos dele, aqueles que faz todos os domingos, em que diz os nomes e avisa que todos ali sabem seus endereços. Por fim, vi várias cenas de militantes dos círculos bolivarianos, grupos civis armados e organizados pelo governo, atacando fisicamente jornalistas nas manifestações.
Conversei com jornalistas de jornais para entender tamanho ódio. Eles disseram que o começo do conflito foi a requisição extemporânea, e quase diária, de rede nacional em horário nobre para expor seus proselitismos, misturando o culto a si mesmo com o interesse nacional.
Isso desorganizava as grades de programação, punha em colapso os horários dos comerciais e prejudicava financeiramente as empresas. Foi o primeiro tiro; dado por Chávez. Daí em diante, começaram pressões explícitas contra os canais que não o bajulavam. Jornais impressos também foram vítimas de atentados a bomba e seus repórteres foram intimidados.
Na entrevista que fiz com Chávez, fui chamada de “louca” após ter feito uma pergunta que lhe desagradou.
Ele é do tipo: jornalismo bom é o chapa-branca.
O que vi em 2003, o dono da RCTV, Marcel Granier, contou à “Veja”: “O primeiro passo foi a intimidação, a linguagem do ódio. O presidente passou a usar expressões agressivas para atacar jornalistas, editores, humoristas e até caricaturistas. Isso incitou ataques físicos contra eles. Muitos apanharam dos militantes chavistas. Já vão para mais de 800 jornalistas agredidos. Alguns foram assassinados.
A etapa seguinte foi a pressão econômica, por meio de verbas de propaganda.
O último ato foi o que fizeram conosco, a tomada do sinal de transmissão. A mensagem é clara: quem não se portar como Chávez quer perderá a freqüência.” Ouvi de diplomatas brasileiros não apenas palavras de apoio à maneira como Chávez estava lidando com a “imprensa de oposição”, como a informação de que a TV de Gustavo Cisneros, a Venevision, continuaria funcionando porque Cisneros havia “se entendido” com o presidente.
É o tipo de pensamento que está refletido nessas declarações de Marco Aurélio Garcia de apoio aos atos arbitrários de Hugo Chávez.
— Até agora não vi qualquer tipo de restrição à liberdade de imprensa — disse Garcia, no meio das ofensas do ditador venezuelano ao Senado brasileiro. Pelo visto, Garcia acha que o Senado não tem razão.
E que Chávez não reclame de intervenção em assuntos internos, pois é isso que faz cotidianamente. Comenta assuntos internos, interfere, toma partido em brigas locais de vários países. Foi capaz de aproveitar um evento no qual foi homenageado no Rio para, da tribuna do Palácio Tiradentes, criticar o jornal O GLOBO, exibindo uma edição.
Um ato que seria sério não fosse patético.
O argumento de Marco Aurélio de que o fechamento da RCTV foi legal mostra que ele não captou o ponto mais grave do que se passa na Venezuela: Chávez usa as instituições, apodera-se delas, dá um ar de legalidade às mais brutais ilegalidades.
Granier contou que, das 6.000 decisões do Tribunal Superior de Justiça, somente seis foram contra o governo, e os juízes que as tomaram foram substituídos. Chávez está seqüestrando uma a uma as instituições democráticas. Isso é tão claro que ou o assessor de Lula tem tido dificuldade de percepção ou apóia esse tipo de prática.
O que está acontecendo na Venezuela é perigoso e nos diz respeito, porque ameaças à liberdade dizem respeito aos democratas em geral. O governo brasileiro, que na greve geral interferiu no conflito interno fornecendo gasolina para furar a greve, agora usa o biombo da não-interferência para, de novo, ser ambíguo.
O presidente Lula fez uma fraca declaração em defesa do Senado e seu principal assessor, ao seu lado, deu razão e defende Hugo Chávez. O episódio mostra a profundidade das convicções democráticas de certos assessores presidenciais.
Tonterías
Míriam Leitão
A declaração do assessor internacional do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia, de que não falta liberdade de imprensa na Venezuela prejudica a verdade, o governo e ele mesmo: a verdade, porque os fatos são eloqüentes; o governo, porque enfraquece o Senado no conflito com Hugo Chávez; e ele mesmo, porque exibe a profundidade de suas convicções democráticas.
Uma rede de televisão de 53 anos foi fechada, depois de o governo venezuelano ter feito todo tipo de pressão e oferta ilegal de alinhamento rechaçadas pelo seu proprietário.
Agora o governo ameaça a Globovision com a expressão totalitária de que ela é “inimiga do Estado”.
Uma das reportagens que quis fazer, quando fui lá no meio da greve geral, foi sobre a relação entre Chávez e a imprensa. Visitei duas TVs: a estatal Venezolana de Televisión (VTV) e a Globovision.
Na primeira, respirava-se o ar de repartição pública, a programação era toda voltada para projetos, idéias e infindáveis discursos do presidente Chávez. Nada vi lá que me lembrasse, de longe, o jornalismo. Havia uma manifestação na porta da TV a que eles tinham decidido não fazer menção no noticiário. O diretor de jornalismo gastou todo o tempo da entrevista numa longa louvação ao grande chefe Hugo Chávez.
Já na Globovision, vi cenas impressionantes nos arquivos.
Uma delas, foi a de um atentado a bomba praticado pelos círculos bolivarianos contra a emissora. Outras mostravam jornalistas sendo constrangidos em público por Hugo Chávez. No meio de uma reunião com militantes, ele apontava os jornalistas, dizia os nomes e fazia ameaças veladas. Vi discursos dele, aqueles que faz todos os domingos, em que diz os nomes e avisa que todos ali sabem seus endereços. Por fim, vi várias cenas de militantes dos círculos bolivarianos, grupos civis armados e organizados pelo governo, atacando fisicamente jornalistas nas manifestações.
Conversei com jornalistas de jornais para entender tamanho ódio. Eles disseram que o começo do conflito foi a requisição extemporânea, e quase diária, de rede nacional em horário nobre para expor seus proselitismos, misturando o culto a si mesmo com o interesse nacional.
Isso desorganizava as grades de programação, punha em colapso os horários dos comerciais e prejudicava financeiramente as empresas. Foi o primeiro tiro; dado por Chávez. Daí em diante, começaram pressões explícitas contra os canais que não o bajulavam. Jornais impressos também foram vítimas de atentados a bomba e seus repórteres foram intimidados.
Na entrevista que fiz com Chávez, fui chamada de “louca” após ter feito uma pergunta que lhe desagradou.
Ele é do tipo: jornalismo bom é o chapa-branca.
O que vi em 2003, o dono da RCTV, Marcel Granier, contou à “Veja”: “O primeiro passo foi a intimidação, a linguagem do ódio. O presidente passou a usar expressões agressivas para atacar jornalistas, editores, humoristas e até caricaturistas. Isso incitou ataques físicos contra eles. Muitos apanharam dos militantes chavistas. Já vão para mais de 800 jornalistas agredidos. Alguns foram assassinados.
A etapa seguinte foi a pressão econômica, por meio de verbas de propaganda.
O último ato foi o que fizeram conosco, a tomada do sinal de transmissão. A mensagem é clara: quem não se portar como Chávez quer perderá a freqüência.” Ouvi de diplomatas brasileiros não apenas palavras de apoio à maneira como Chávez estava lidando com a “imprensa de oposição”, como a informação de que a TV de Gustavo Cisneros, a Venevision, continuaria funcionando porque Cisneros havia “se entendido” com o presidente.
É o tipo de pensamento que está refletido nessas declarações de Marco Aurélio Garcia de apoio aos atos arbitrários de Hugo Chávez.
— Até agora não vi qualquer tipo de restrição à liberdade de imprensa — disse Garcia, no meio das ofensas do ditador venezuelano ao Senado brasileiro. Pelo visto, Garcia acha que o Senado não tem razão.
E que Chávez não reclame de intervenção em assuntos internos, pois é isso que faz cotidianamente. Comenta assuntos internos, interfere, toma partido em brigas locais de vários países. Foi capaz de aproveitar um evento no qual foi homenageado no Rio para, da tribuna do Palácio Tiradentes, criticar o jornal O GLOBO, exibindo uma edição.
Um ato que seria sério não fosse patético.
O argumento de Marco Aurélio de que o fechamento da RCTV foi legal mostra que ele não captou o ponto mais grave do que se passa na Venezuela: Chávez usa as instituições, apodera-se delas, dá um ar de legalidade às mais brutais ilegalidades.
Granier contou que, das 6.000 decisões do Tribunal Superior de Justiça, somente seis foram contra o governo, e os juízes que as tomaram foram substituídos. Chávez está seqüestrando uma a uma as instituições democráticas. Isso é tão claro que ou o assessor de Lula tem tido dificuldade de percepção ou apóia esse tipo de prática.
O que está acontecendo na Venezuela é perigoso e nos diz respeito, porque ameaças à liberdade dizem respeito aos democratas em geral. O governo brasileiro, que na greve geral interferiu no conflito interno fornecendo gasolina para furar a greve, agora usa o biombo da não-interferência para, de novo, ser ambíguo.
O presidente Lula fez uma fraca declaração em defesa do Senado e seu principal assessor, ao seu lado, deu razão e defende Hugo Chávez. O episódio mostra a profundidade das convicções democráticas de certos assessores presidenciais.