As dores do crescimento
- Fernando Silva
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As dores do crescimento
"O Globo" 06/10/07
O OVO
Arnaldo Bloch
Foram me falar que crise existencial é semântica. Não existe. Ou deixou de existir. Foi-se a moda. A palavra de Freud morreu. Os filósofos caducaram. A existência resume-se ao presente sem contexto, o aqui-e-agora “intranscendente”, sem esforço de abandono, meditação ou soma.
Como se o lixo desse presente acrítico, a correr em nossas veias, não viesse cobrar a conta em transtornos modernos, doenças autoimunes, derrames, tromboses...
Pois a própria questão sobre a existência, a reflexão sobre pensar e ser (ou não ser) — equações e preocupações que nos vêm definindo historicamente como humanos — é rejeitada como traste, falta do que fazer, picaretagem burguesa, ópio da elite.
Ou, para os que se arvoram a cartilha da macheza, “existencial” é coisa de bicha — ou de seres relutantes que melhor fariam se confessassem logo sua predileção por um fio-terra.
Fora disso, é papo para comer gente. Gosto de dizer que minha crise existencial já dura 42 anos. Não é para fazer gênero de neurótico, reforçar o estereótipo judaico, ou por ser fã de Woody Allen, não.
Apenas enxerguei o óbvio que nos une, homens, mulheres, hetero, homo, pan, metro, burgueses, barnabés, operários ou guerrilheiros, para lá de qualquer doutrina: todos nós estivemos, estamos e estaremos em crise existencial, até que a morte nos encerre no caixão ou nos liberte em cinzas ao vento.
Não poderia ser diferente: estávamos lá, na maior, boiando na nave-mãe, gravidade zero, comidinha na veia, ovo climatizado, escurinho do cinema amniótico, só sonhando, quando de repente nos arrancam do barato uterino, cortam nosso tubo vital e nos expõem ao inverno da vida com um tapa na bunda.
(“Morrer deve ser tão frio/quanto na hora do parto”, já dizia Gil nos anos 70, quando esse papo de existência ainda fazia sentido.) Nascidos, teremos ainda um prazo de carência, seis meses a dois anos, durante o qual os seios de nossas mães nos consolarão a cada três horas (isso se for mãe de peito sucoso) do terrível trauma de vir à luz.
Escoado o prazo, a primeira grande desilusão: o desmame. E virão as mais indigestas obrigações, de engolir papas infames, e a consciência de que se cagar todo é um pecado inominável.
A porra da gravidade se fará sentir com a dificuldade de equilibrar-se no próprio corpo e a dor da queda evidenciará nossa fragilidade. A fome de brincar com o mundo será condicionada a regras absurdamente limitadoras, sacais.
Então, ao mesmo tempo que nos damos conta da beleza da vida, somos circunscritos a posturas e horários e aprendemos que, para comer gente (no sentido simbólico ou não do termo) teremos que penar, aturar um pessoal chato, negociar o gozo, estabelecer contratos sociais, dar a palavra, vender a alma.
A essa altura, a crise existencial já é velha amiga, e a cada um o seu jeitão de encará-la, mesmo à custa de não reconhecê-la. A busca da felicidade nada mais é que o projeto, utópico e válido, de sua superação.
E-mail para esta coluna: arnaldo@oglobo.com.br
O OVO
Arnaldo Bloch
Foram me falar que crise existencial é semântica. Não existe. Ou deixou de existir. Foi-se a moda. A palavra de Freud morreu. Os filósofos caducaram. A existência resume-se ao presente sem contexto, o aqui-e-agora “intranscendente”, sem esforço de abandono, meditação ou soma.
Como se o lixo desse presente acrítico, a correr em nossas veias, não viesse cobrar a conta em transtornos modernos, doenças autoimunes, derrames, tromboses...
Pois a própria questão sobre a existência, a reflexão sobre pensar e ser (ou não ser) — equações e preocupações que nos vêm definindo historicamente como humanos — é rejeitada como traste, falta do que fazer, picaretagem burguesa, ópio da elite.
Ou, para os que se arvoram a cartilha da macheza, “existencial” é coisa de bicha — ou de seres relutantes que melhor fariam se confessassem logo sua predileção por um fio-terra.
Fora disso, é papo para comer gente. Gosto de dizer que minha crise existencial já dura 42 anos. Não é para fazer gênero de neurótico, reforçar o estereótipo judaico, ou por ser fã de Woody Allen, não.
Apenas enxerguei o óbvio que nos une, homens, mulheres, hetero, homo, pan, metro, burgueses, barnabés, operários ou guerrilheiros, para lá de qualquer doutrina: todos nós estivemos, estamos e estaremos em crise existencial, até que a morte nos encerre no caixão ou nos liberte em cinzas ao vento.
Não poderia ser diferente: estávamos lá, na maior, boiando na nave-mãe, gravidade zero, comidinha na veia, ovo climatizado, escurinho do cinema amniótico, só sonhando, quando de repente nos arrancam do barato uterino, cortam nosso tubo vital e nos expõem ao inverno da vida com um tapa na bunda.
(“Morrer deve ser tão frio/quanto na hora do parto”, já dizia Gil nos anos 70, quando esse papo de existência ainda fazia sentido.) Nascidos, teremos ainda um prazo de carência, seis meses a dois anos, durante o qual os seios de nossas mães nos consolarão a cada três horas (isso se for mãe de peito sucoso) do terrível trauma de vir à luz.
Escoado o prazo, a primeira grande desilusão: o desmame. E virão as mais indigestas obrigações, de engolir papas infames, e a consciência de que se cagar todo é um pecado inominável.
A porra da gravidade se fará sentir com a dificuldade de equilibrar-se no próprio corpo e a dor da queda evidenciará nossa fragilidade. A fome de brincar com o mundo será condicionada a regras absurdamente limitadoras, sacais.
Então, ao mesmo tempo que nos damos conta da beleza da vida, somos circunscritos a posturas e horários e aprendemos que, para comer gente (no sentido simbólico ou não do termo) teremos que penar, aturar um pessoal chato, negociar o gozo, estabelecer contratos sociais, dar a palavra, vender a alma.
A essa altura, a crise existencial já é velha amiga, e a cada um o seu jeitão de encará-la, mesmo à custa de não reconhecê-la. A busca da felicidade nada mais é que o projeto, utópico e válido, de sua superação.
E-mail para esta coluna: arnaldo@oglobo.com.br
- Fernando Silva
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Re.: As dores do crescimento
Identifiquei-me com este trecho:
No meu caso, ainda havia o peso horroroso da culpa católica.
Então, ao mesmo tempo que nos damos conta da beleza da vida, somos circunscritos a posturas e horários e aprendemos que, para comer gente (no sentido simbólico ou não do termo) teremos que penar, aturar um pessoal chato, negociar o gozo, estabelecer contratos sociais, dar a palavra, vender a alma.
No meu caso, ainda havia o peso horroroso da culpa católica.
- Jeanioz
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Jolly_Roger escreveu:Jeanioz escreveu:Crise existencial é coisa de vagabundo.
experiência propria ?
![]()
Eu não!!! Não sou filósofo para essas coisas!!!

"Uma sociedade sem religião é como um navio sem bússola."
Napoleão Bonaparte
"Religião é uma coisa excelente para manter as pessoas comuns quietas."
Napoleão Bonaparte
Napoleão Bonaparte
"Religião é uma coisa excelente para manter as pessoas comuns quietas."
Napoleão Bonaparte
Jeanioz escreveu:Jolly_Roger escreveu:Jeanioz escreveu:Crise existencial é coisa de vagabundo.
experiência propria ?
![]()
Eu não!!! Não sou filósofo para essas coisas!!!
Nada disso é estranho, Jeanioz!
Nossos condicionamentos nos conferem a função de nos tornar obreiros da nossa própria alienação.

Sócrates, o pai da sabedoria, 470 aC, dizia:
- "Conhece-te a ti mesmo;
O 'Eu' é o caminho (da sabedoria)".
500 anos depois, um cara estragou tudo, tascando essa, num gesto de egolatria e auto-contemplação patológica:
- "EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA".
Deu no que deu !!! ...
- "Conhece-te a ti mesmo;
O 'Eu' é o caminho (da sabedoria)".
500 anos depois, um cara estragou tudo, tascando essa, num gesto de egolatria e auto-contemplação patológica:
- "EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA".
Deu no que deu !!! ...

- Apo
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Re.: As dores do crescimento
Eu me identifiquei com todo o texto. Para as mães ( e pais não "machos em excesso desnecessário") faz mais sentido ainda, pois alguns destes conflitos estão sendo revividos e repisados ( os do presente e os que estavam adormecidos no passado amnésico).
Quem tem filhos sabe bem o que é uma crise existencial.
A vida é uma montanha russa ( clichê malditamente verdadeiro e literal).
Quem tem filhos sabe bem o que é uma crise existencial.
A vida é uma montanha russa ( clichê malditamente verdadeiro e literal).

Apo escreveu:zencem escreveu:Nossos condicionamentos nos conferem a função de nos tornar obreiros da nossa própria alienação.![]()
Olha que coisa mais linda! HAUHUAHUAHUHA
hehe!! A verdade é sempre linda, mesmo quando a realidade não é.

Descartamos os fundamentos de transformação, por indolência ou pela descrença de que isto seja possível.
Optamos, então, por não mais buscar a verdade e nos tornamos submissos às mentiras que o passado construiu.
Essa é a síndrome da maioria, mas maioria não é tudo.
Hoje nós estamos muito mais próximos uns dos outros e a tendência será de rebentar com todas as cercas.
Alem disso, os bebês estão vindo em menor quantidade, mas mais inteligentes.
Sócrates, o pai da sabedoria, 470 aC, dizia:
- "Conhece-te a ti mesmo;
O 'Eu' é o caminho (da sabedoria)".
500 anos depois, um cara estragou tudo, tascando essa, num gesto de egolatria e auto-contemplação patológica:
- "EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA".
Deu no que deu !!! ...
- "Conhece-te a ti mesmo;
O 'Eu' é o caminho (da sabedoria)".
500 anos depois, um cara estragou tudo, tascando essa, num gesto de egolatria e auto-contemplação patológica:
- "EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA".
Deu no que deu !!! ...
