A Globalização e o Liberalismo
Se a queda do Muro de Berlim ocorrida em 1989 - acontecimento que encerrou quase meio século de Guerra Fria - favoreceu a aceleração da globalização, estreitando ainda mais as relações econômicas e financeiras das nações, cabe assinalar que no campo das idéias a maior vitória foi a da doutrina liberal, a qual mostrou-se superior ao coletivismo comunista e à social-democracia na função de promover a prosperidade material das sociedades com os direitos humanos e outras conquistas políticas. Esta pelo menos é a convicção do pensador e escritor francês Guy Sorman.
A herança de Sorman
O liberalismo francês tem suas sólidas raízes encravadas no século XVIII, o Século das Luzes. No seu acervo constam nomes como os dos economistas fisiocratas Turgot, Quesnay e Vincent de Gournay, que se posicionaram pelo fim do intervencionismo estatal ou pelo menos em atenuá-lo, assim como pensadores como Monstesquieu, Diderot, Condillac, Benjamin Constant, Aléxis de Tocqueville, e, bem mais recentemente, o de Raymon Aron, que, ao contrário de Jean-Paul Sartre sempre se opôs firmemente às tentações da esquerda.
Num primeiro momento o liberalismo enfrentou o Absolutismo, num outro confrontou o Socialismo, sempre defendendo a excelência de algum tipo de governo parlamentar representativo e a mínima ingerência do estado no andar da sociedade como um todo.
Guy Sorman pertence pois a essa tradição que já data bem mais de dois séculos e meio, sem todavia ter ainda apresentado uma obra verdadeiramente original, como Benjamin Constant ou Aléxis de Tocqueville fizeram no passado.
Num meio intelectual um tanto quanto chauvinista como o parisiense, seduzido pelo marxismo e pelo existencialismo esquerdista, exacerbado ainda mais pelas tensões da Guerra Fria, que entendia ser o liberalismo uma aberta capitulação à influência norte-americana nas coisas da França, ele despontou no jornalismo e no pensamento quase que como uma exceção. Nunca se importou em ser apontado como um aberto simpatizante das virtudes da sociedade ianque.
Ao contrário. De algum modo ele pode ser associado ao Marquês de La Fayette, o nobre francês que atravessou o Atlântico, em 1777, para ir ajudar os colonos americanos a lutarem pela liberdade, independência, e "pelos direitos humanos".
Assume assim a posição de um apóstolo, de um divulgador do ideário liberal, confessando-se um integrante do que denominou de Liberalismo Clássico, distante do atual Neoliberalismo da Escola Austríaca e que hoje faz sucesso nos Estados Unidos e também na América Latina, pelo menos até tempos bem recentes.
Os pilares da Nova Era
Ainda que as verdades defendidas pelas ciências humanas não sejam exatas, não são verdades cientificas, ainda assim elas tendem a se aproximar da realidade.O que nos obriga, diz Sorman, a assumir posições um tanto que flutuantes ou imprecisas, inclusive quando definimos a nossa época como uma Nova Era.
Etapa histórica essa cujos pilares são formados pelo Liberalismo e pela mundialização - Sorman nega-se a recorrer ao termo mais conhecido de "globalização", de uso anglo-saxão, preferindo o de "mundialização", mais ao gosto francês - o que nos conduzirá ou não à formação de uma Nova Civilização. Sempre atentos a possibilidade disto tudo ser a expressão do domínio econômico, político e intelectual dos Estados Unidos sobre o restante do mundo, estando aberta a questão da mundialização poder ser uma nova forma do imperialismo norte-americano.
Uma Nova Era cuja data de fundação foi assinalada pela queda do Muro de Berlim, prenúncio do fim do sistema soviético e, igualmente, das doutrinas que lhe davam sustentação (como o marxismo), dando oportunidade a que se afirmasse em definitivo a vitória das idéias liberais. Até aquele momento a humanidade podia escolher entre dois modelos, o socialista ou o liberal-capitalista. Depois de 1989, não há mais escolha.
Não que não se possa opor-se ao modelo liberal, mas ele sempre será a referência. Cabe esclarecer - alerta Sorman - o enorme abismo que existe entre o pensamento liberal e o que se entende por isso na vida política do Brasil. Há um gigantesco mal-entendido entre o autentico liberalismo e como ele é percebido por aqui. Assim sendo resta-lhe afirmar antes de tudo quais são as verdadeiras dimensões do Liberalismo Clássico.
Do Liberalismo Clássico
A primeira das suas características é que ele é um Pensamento democrático. Sorman considera que não há melhor sistema, o mais bem adaptado a qualquer sociedade humana do que o das sociedades democráticas.E sua principal virtude é que elas tendem no futuro a serem organizações pacíficas, visto que um dos seus grandes méritos é eliminar a guerra civil. Ao reduzir a violência, permitem um modo de organizar o debate em sociedade por um meio civilizado e não agressivo.
Não há dentro da tradição francesa do liberalismo algo que não seja democrático. Isso é preciso salientar em face de que na América Latina houve uma estreita aliança entre os Regimes Militares e a Economia de Mercado. Foi o caso do Chile durante a ditadura do general Augusto Pinochet, entre 1973 a 1989, regime que recebeu orientação econômica dos discípulos de Milton Friedman da Escola de Chicago.
Tal tipo de experiência jamais ocorreu na Europa Ocidental nem na França.
Todo o esforço de Sorman, nas suas inúmeras visitas à América Latina, tem sido explicar que não pode haver separação entre a democracia política e a Economia Livre, pois o segundo grande pilar do liberalismo autêntico é a liberdade econômica.Situação que não condiz com apoio às ditaduras.
Ele não simpatiza com o termo "capitalismo" visto que é polêmico, fazendo com que prefira usar "economia livre" ou "aberta". E o que vem a ser isto? É a possibilidade do individuo tornar-se um empreendedor, a possibilidade dele realizar trocas com outro. Portanto, a abertura social é uma abertura internacional.
Um dos seus outros pilares do liberalismo é o Estado de Direito, o que quer dizer que numa sociedade liberal existe um Estado. É um posicionamento totalmente oposto ao dos liberais norte-americanos como é o caso de Milton Friedman, da Escola de Chicago, que acreditam no funcionamento da sociedade regida apenas pelo mercado.
Para o Liberalismo Clássico, o estado, ainda que Estado Mínimo, está sempre presente. E isso em razão dele entender que se existem bens privados (empresas, bancos e propriedades particulares), há outros que são públicos e que só podem ser administrados pelo Estado (caso do ensino publico e da saúde).
Por conseguinte o debate que se trava na França entre os liberais e os estatizantes não se dá em função de haver ou não a necessidade de um estado, mas sim quais são os limites dele.
O Estado de Direito surge pois como oposição à Autocracia, ao Caudilhismo (típica tradição latino-americana), e ao Fascismo (que predominou na Europa Ocidental), que é um estado mas que não se perfila como um Estado de Direito. A maior função dele é garantir as liberdades individuais dos cidadãos.
Os elementos da mundialização
Além de ser um fenômeno econômico, a mundialização significa um sistema de trocas generalizado obediente a uma divisão internacional do trabalho, fazendo com que não haja no mundo de hoje um só consumidor que não tenha de algum modo se integrado ao mercado internacionalizado. O índio amazonense veste uma camisa feita na China. Ninguém está ao desabrigo. E tudo se deve, entre outras coisas, às técnicas de comunicação que fazem com que o isolamento se torne impossível.
O segundo fenômeno da mundialização é a Mundialização Cultural. Graças à Internet todo mundo está em contanto com todo o mundo, promovendo o inglês como uma língua universal. Fazendo com que a ligação da Internet com o idioma inglês gere uma nova cultura - ou uma subcultura para alguns - formando um campo de modificações instantâneas que funciona 24 horas por dia sem haver interrupção e que provoca uma situação absolutamente revolucionária.
O mesmo ocorrendo com a televisão que projeta o tempo inteiro um número considerável de programas que podem ser assistidos de diversos locais, nos mais variados momentos. O que nos conduz a outra das características da mundialização: a Mundialização do Lazer e Estética: cada vez mais os programas se parecem, enquanto as pessoas vestem-se da mesma maneira, fazendo com que a moda se consagre como um fenômeno universal.
Interessa observar que os dois movimentos a favor do liberalismo e da mundialização não foram desejados por nenhuma pessoal em particular, ninguém os planejou. Ocorreram espontaneamente. Sorman então enfatiza que os principais beneficiados da mundialização são as populações mais pobres não as privilegiadas, visto que tanto na China como na Índia milhões de pessoas saíram da miséria e ascenderam à classe média. O mesmo se aplica ao Brasil.
A origem da liberdade
Para Sorman, o fato de o liberalismo ser um fenômeno originalmente europeu deve-se a que o Império e o Papado, tendo se enfrentado ao longo da Idade Média, abriram sem o desejar um espaço de liberdade que permitiu que os burgueses o ocupassem.
O fato da mitra e da coroa terem se enfraquecido em razão da rivalidade - é uma tese defendida pelo historiador Fernand Braudel - impediu que ocorresse uma concentração de poder como se constituiu em outras sociedades (como foi o caso do Despotismo Oriental, vigente outrora na China e na Índia).
O choque entre o Poder Político e o Poder Religioso, que no Ocidente se arrastou por muitos séculos, abriu caminho para o surgimento de um Poder Individual, permitindo que o capitalismo moderno aflorasse "nos poros da sociedade medieval", como disse Karl Marx.
Nos Estados Unidos da América, por sua vez, a prosperidade deu grandes saltos depois da abolição da escravidão. A carência de mão-de-obra forçou os norte-americanos a serem cada vez mais inventivos no seu processo produtivo.
Sendo que a democratização daquela sociedade é outro fator que ajuda a explicar o seu sucesso, visto que a igualdade gera a necessidade de uma crescente produção estandardizada visando atender a todos com parcimônia e com mínima discriminação.
Na França e na Grã-Bretanha deu-se o contrário. Além de haver mão-de-obra abundante, o consumo concentrou-se na aristocracia, na nobreza, gerando o desejo de um consumo mais individualizado, adverso à produção em massa. Entre eles é o modelo norte-americano que perdurará, entre outros motivos porque é o mais eficaz.
Obras de Guy Sorman
O Ano do Galo, 2006
Feito nos EUA, 2005
O Progresso e seus inimigos, 2001
Os Verdadeiros Pensadores do Nosso Tempo, 1989
A Nova Riqueza das Nações, 1987
Estado Mínimo, 1985
A Solução Liberal, 1984
A Revolução Conservadora Americana, 1983
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Onde houver fé, levarei a dúvida.
"Ora, a fé é o firme fundamento das coisas infundadas, e a certeza da existência das coisas que não existem.”
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