Islamismo: preconceitos do passado, no presente
Adriana Zierer
O estereótipo da luta do Bem contra o Mal, na oposição entre Ocidente e Oriente, desemboca em uma revivescência do espírito das Cruzadas.
As ações tomadas, no século XXI, contra os islâmicos mostram reflexos dos estereótipos criados durante a Idade Média, embora teoricamente estejamos muito longe desse período. Os países do Oriente Médio, em sua maioria muçulmanos, localizam-se numa região estratégica e rica em recursos minerais, como o petróleo. A intervenção ali realizada contra ditadores e grupos radicais retoma a antiga visão medieval do Bem, relacionado ao cristianismo, e do Mal, associado ao islamismo. Há um entendimento, no Ocidente, de luta contra o Império do Mal, o que, no mundo globalizado, significa uma releitura do conceito de Cruzada. Historiadores conceituados, como Bernard Lewis, apresentam uma visão etnocentrista de que a função dos países ocidentais seria a de levar as suas instituições, em especial a democracia e os direitos humanos, aos muçulmanos, justificando assim o uso da força para dominar essas populações.
A postura atual é muito semelhante, portanto, àquela adotada a partir de fins do século XI, quando - principalmente por motivos religiosos e econômicos - houve a idéia da retomada da Terra Santa, Jerusalém, e também da Reconquista Cristã na península Ibérica. Os islâmicos passaram a ser vistos como a encarnação do Mal, uma representação do diabo. A luta contra os "infiéis" garantiria ao cristão a possibilidade de salvação e amparava qualquer atitude em nome da Guerra Santa. Em meio à carnificina, as Cruzadas, ao mesmo tempo que aproximaram os ocidentais da matemática, filosofia e medicina, desenvolvidas pelos árabes, serviram para ampliar as desconfianças entre as duas culturas.
Assim como a era medieval forjou preconceitos arraigados até hoje, ela também apresenta algumas respostas positivas de convivência entre Oriente e Ocidente. Um exemplo é o período de expansão árabe na península Ibérica, al-Andaluz. A revelação espiritual de Maomé estabeleceu dois princípios básicos: o primeiro, a retomada de antigos valores tribais de solidariedade e proteção aos mais fracos (muruwah). O segundo foi o apreço pelas religiões mais antigas, judaísmo e cristianismo, cujos preceitos eram respeitados no Corão. Ao dominar al-Andaluz os muçulmanos não perseguiram os cristãos e judeus, nem lhes impuseram seu credo. Por isso, o convívio entre cristãos, judeus e muçulmanos daquela região foi pacífico até a Reconquista.
Ao contrário da posição adotada pelo espírito das Cruzadas, uma atitude ocidental de tolerância delineia-se ainda na Idade Média. O filósofo catalão Ramon Llull, do século XIII, ao tentar cristianizar os islâmicos, aprendeu árabe e por meio de debates filosóficos racionais pretendeu provar que a fé cristã apresentava argumentos mais consistentes que o islamismo. A possibilidade do diálogo e da troca de idéias demonstra o respeito de Llull por outra cultura, diferente da sua, e aponta para um caminho de convivência entre povos distintos.
Para civilizações em busca de harmonia, as atitudes de tolerância entre cristãos e muçulmanos da Idade Média merecem ser referenciadas e postas em prática, pois a paz só será estabelecida quando houver entendimento entre as diferentes culturas e o uso dos recursos econômico-sociais em prol de todos.
Adriana Zierer é doutora em História Medieval pela Universidade Federal Fluminense ( UFF) e professora da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).
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