Eu sou um realista moral mas rejeito posições platonistas em que
abstracta como "números imaginários" e muito menos "bondade" façam parte da estrutura basal do Universo (como acredita Sir Roger Penrose, por exemplo).
Já comentei em outro tópico que realismo moral é simplesmente a posição em que você julga que existem respostas objetivas para as perguntas da meta-ética ("o que é maldade?", "dá para se distingüir certo e errado?").
Entre outras razões, como eu nego que existam constituintes irredutivelmente subjetivos no Universo (como a "intencionalidade original" de John Searle) então eu rejeito anti-realismo moral. Acho que fatos morais podem ser descobertos de forma objetiva embora em muitos casos essa investigação possa ser bem complicada.
Comentando brevemente o tópico, utilitarismo estrito possui um problema bem grave -
onde no futuro você estabelece seus "fins"? Um segundo após sua ação? Um dia? Uma década? Quanto mais avançamos no futuro mais as condições ficam imprevisíveis ao ponto do seu cálculo utilitarista ficar cada vez mais impreciso.
Também possuo problemas com deontologia estrita. O que significa exatamente fazer o "bem pelo bem", "o bem por si mesmo", "agir de forma instrinsicamente boa"?
Essa é uma discussão bem complicada mas é possível fazer algumas ponderações agora.
Como falei no primeiro parágrafo, eu rejeito posições onde aquilo que é "instrinsicamente bom" de alguma forma é constituinte fundamental da existência porque não julgo que essa é uma forma razoável e com bom poder explicativo para se lidar com
abstracta como "bondade", "coragem", etc.
O deontologista precisa justificar de alguma forma
por quê é sempre um bem em si mesmo seguir certas regras específicas - como os imperativos categóricos kantianos.
Por quê não mentir, não torturar, não estuprar ou quaisquer que sejam as regras de sua ética deontológica?
Não querer responder isso, ficar só no "instrinsicamente bom" pode entrar em circularidade. Por que certas formas de agir deveriam virar leis universais em sociedades humanas? Quando respondemos questões como essas estamos inevitavelmente tratando das
consequências de se agir desta ou de outra forma.
Como cálculo conseqüencialista/utilitarista esvai seu poder preditivo quanto mais avançarmos no tempo, nada mais natural do que se concentrar no imediato prazo e curto prazo.
Nisso entra a filosofia moral dos antigos gregos e romanos. Nossas ações possuem consequências
em nós mesmos, sobre nosso caráter. Quando agimos por exemplo de forma cruel, incorporamos crueldade em nossa personalidade.
Grande parte da pesquisa psicológica do século passado foi destinada ao condicionamento de hábitos de comportamento e limiar da plasticidade comportamental humana. Acho que é seguro alegar que, por exemplo, quanto mais roubarmos e menos desenvolvermos hábitos de comportamento conflituosos com o hábito de furtar - como a compaixão com outras pessoas - mais fácil será nosso próximo furto.
A expressão "construir o caráter" não é nada não-observável ou sem sentido. E as relações entre diferentes hábitos de comportamento são complexas, conflituosas e ponderadas de forma diferenciada. Os antigos filósofos morais separaram esses hábitos de comportamento em duas grandes classes, "virtudes" e "vícios".
No modelo aristotélico, essa disposição é 3-fold com todas as virtudes seguindo um "caminho do meio". Por exemplo, comer bem, apreciando seus alimentos e escolhendo comida nutritiva é virtuoso. Comer demais e comer de menos são vícios.
Como separamos virtudes de vícios e
por quê devemos cultivar essas virtudes e renegar os vícios? A disposição de nosso caráter é intimamente ligada com nossa capacidade de atingir nossos objetivos na vida, tanto os corriqueiros quanto os mais importantes. A suposição é a seguinte: quanto mais virtudes cultivarmos, maior a probabilidade e regularidade de atingirmos nossos objetivos máximos da vida.
Várias objeções diretas surgem para essa tese: e se meu objetivo máximo na vida for tornar-se um narcotraficante milionário sul-americano com um jato particular? Para atingir a esse fim, será necessária muita extorsão, assassinato e aliciamento e tantos outros comumente considerados vícios.
Muitos outros como Kant anteciparam esse questionamento - é necessário ser sempre possível conceber um cenário melhor do que o imaginado que até mesmo o mais baixo criminoso considerará preferível. Pode-se ser um multimilionário sul-americano e com jatinho particular sem ser um narcotraficante.
Mais sobre como identificar vícios; vícios dão geralmente benefícios substanciais imediatos e de curto-prazo - de outra forma, não haveria estímulo para pessoas agirem de forma imoral - como satisfação de vingança, aquisição fácil de bens materiais, deixar sofrimento para o futuro, etc. Mas na high end, não compensam: problemas com autoridades, vazio emocional, acumular sofrimento e ter que encará-lo inevitavelmente, etc. É a escolha entre uma vida mais significativa, simples, realizada pessoalmente, feliz, com mais pessoas queridas e uma vida mais miserável, com mais transtornos de personalidade, comportamento evasivo e de cara manutenção, etc.
Nesse rough sketch, os psicopatas e sociopatas ficam de fora legitimamente - eles não compartilham a arquitetura moral necessária para viver em sociedade e vivem de forma miserável. Isso não é um problema para um naturalista. Como Richard Carrier identificou de forma interessante, pessoas que não compartilham da arquitetura moral necessária para viver em sociedade também existem em visões de mundo supernaturalistas, incluindo Cristianismo; os cristãos chamam esses indivíduos de demônios e contemplam que "não há mais volta para eles".
Fechando, não só há bases filosóficas para a moralidade de um naturalista como as mesmas são cada vez mais substanciadas pelas ciências naturais e sociais.