A fé na ciência

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Res Cogitans
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A fé na ciência

Mensagem por Res Cogitans »

A fé na ciência


Minha coluna da semana passada, em que defendi a ciência de ataques neocriacionistas e "humanitários", gerou mais controvérsia do que eu poderia supor. Leitores questionaram-me acerca da eugenia, das bases epistemológicas do darwinismo, do caráter laico do Estado e até da validade do discurso científico. Acreditar na ciência, sugeriram alguns, exige tanta fé quanto crer em Deus.

Será? Aceito a provocação, de modo que vou tentar mostrar hoje por que a ciência não é uma religião.

Comecemos pelas semelhanças. Como qualquer um que já abriu um livro de epistemologia sabe, a ciência busca seus fundamentos em meia dúzia de postulados, ou seja, de premissas que, a exemplo dos dogmas religiosos, são tomadas como auto-evidentes, isto é, consideradas verdadeiras sem necessidade demonstração. Para o monoteísmo, sentenças como "Deus criou o mundo" constituem verdades inquestionáveis. Já na ciência, quem desempenha esse papel são princípios como o de identidade e o de não-contradição. O primeiro afirma que, se A=A, então A=A, e o segundo reza que, se A=não-B, na ocorrência de A não ocorre B, e vice-versa. Convenhamos que não são idéias revolucionárias e nem mesmo particularmente brilhantes, mas já aí começam a emergir algumas das diferenças entre ciência e religião.

Um juízo como "Deus criou o mundo" é contingente, ou seja, eu posso, ainda que apenas no plano da lógica, conceber um mundo criado pelo acaso, pelo diabo ou até pelo presidente Lula ("nunca antes na história desse universo..."). Já os postulados científicos são em tese mais fortes, pois lidam com juízos necessários: para imaginar que uma coisa seja diversa dela mesma, eu preciso renegar ou pelo menos suspender os fundamentos da lógica.

Até aqui, a vantagem é da religião. Ela já está emitindo pareceres sobre o mundo, enquanto a ciência permanece presa ao reino das abstrações matemáticas. Se queremos que a ciência fale sobre o mundo --e, para possuir alguma utilidade, ela tem de fazê-lo--, precisamos dar um passo temerário. Precisamos autorizá-la a lidar com induções, ou seja, admitir que, partindo de casos particulares observados, proceda a generalizações. Exemplo: o sol nasceu hoje e em todos os dias que antecederam o dia de hoje, logo, o sol nascerá também amanhã. Ao aceitar esse tipo de raciocínio, conquistamos o direito de proferir juízos sobre a realidade física, mas sacrificamos o plano sólido das certezas matemáticas no qual antes caminhávamos. Com efeito, o fato de o sol ter nascido todos os dias no passado não encerra a garantia lógica de que também nascerá amanhã. Isso é no máximo muito provável, mas de maneira alguma necessário.

Por paradoxal que pareça, esse súbito rebaixamento do grau de certeza com que lidam as ciências é uma excelente notícia. Juízos científicos tornam-se daqui em diante verdades provisórias. Não contam mais com nenhum tipo de garantia lógica, uma vez que se baseiam em meros encadeamentos entre experiências passadas e raciocínios generalizantes --processo que sabemos falível e propenso a erro.

Assim a ciência, diferentemente da maioria das religiões, perde o direito até mesmo de pretender afirmar verdades acabadas. Tudo que ela pode fazer é gerar hipóteses a ser testadas e refutadas empiricamente. Quando essas suposições passam muito tempo sem ser cabalmente desmentidas, como é o caso da evolução mediante seleção natural, dizemos que são corroboradas. É claro que esse é um processo em aberto, pois o fato de não terem sido refutadas até aqui não encerra a garantia de que não o serão amanhã. Isso é o mais perto da "prova" que a ciência pode chegar.

Essa precariedade epistemológica cerca toda a ciência, do neordarwinismo, à chamada lei da gravidade. Embora não ouçamos com muita freqüência gente afirmando que a gravidade é "só uma teoria", é exatamente isso que ela é. O que o neocriacionismo travestido de 'design inteligente' faz é embaralhar o sentido de teoria em suas acepções fraca (a do dia a dia) e forte (epistemológica) para, em meio à confusão conceitual, semear seus pressupostos algo dogmáticos. O fato de o neoevolucionismo apresentar, como toda teoria, algumas lacunas de maneira alguma nos autoriza a inferir um deus logo à primeira dificuldade.

A incerteza e a subseqüente maleabilidade da ciência vão ainda mais longe. No limite, ela admite até que seus próprios "dogmas" sejam revistos. Algumas hipóteses da mecânica quântica, por exemplo, vão de encontro ao princípio da não-contradição. Seria como se a religião negasse Deus em determinadas situações. Os dogmas da ciência se articulam de maneira tão particular que a tornam o menos dogmático dos discursos.

É claro que estamos aqui falando na teoria. No mundo real, encontraremos cientistas tão fanáticos quanto o mais exaltado dos padres inquisidores. Encontraremos indivíduos que de bom grado mandariam queimar todos os que ousassem desafiar o "mainstream" científico. Ainda assim, é digno de nota o fato de que, enquanto a religião só existe com o dogma, a ciência como método trabalha para falsear idéias aceitas e noções estabelecidas --em uma palavra, para falsear dogmas. Não acho que eu avance muito o sinal quando afirmo que essa diferença ajuda a explicar o fato de que mesmo o mais tacanho positivismo produziu menos fogueiras do que a mais tolerante das religiões.

Podemos eventualmente nos deparar com um cético radical, para o qual dogmas, postulados e axiomas são todos indiscerníveis entre si e valem a mesma coisa, isto é, nada. É oportuno lembrar que o filósofo e matemático austríaco Kurt Gödel (1906-78), com seus teoremas da incompletude, se não colocou em xeque, ao menos criou dificuldades para a própria lógica formal. Mas, mesmo nesse registro hiperbólico, a ciência apresenta vantagens sobre as religiões.

Ela tem como subproduto tecnologias, que constituem uma "prova" indireta não tanto de sua "exatidão", mas pelo menos de que o métodos científico leva a algum lugar. O foguete que eu construo com base em minhas idéias sobre a física, desde que corretamente lançado, me levará à Lua quer eu seja judeu, ateu, católico, muçulmano ou corintiano. Já com as religiões, as mesmas ações que levariam o partidário de uma ao paraíso atiram-no no inferno segundo a doutrina da outra.

Tomemos uma dessas medidas indiretas, a evolução da expectativa de vida ao nascer. Estima-se que o tempo médio de vida do homem de Neanderthal fosse de 20 anos. No Paleolítico Superior, o Homo sapiens chegava a algo como 33 anos. Na Idade do Bronze, com o advento da agricultura e o aumento do tamanho dos assentamentos humanos (mais doenças e guerras mais mortíferas), a expectativa de vida cai para 18 anos. Noções de higiene desenvolvidas por gregos e romanos (saneamento) conseguem elevar a média para 36-45 (Grécia clássica) 20-30 (Roma clássica). Mas, no século 20 e início do 21, na chamada era científica, assistimos a um um verdadeiro salto da esperança de vida, que atinge os 67 anos (média global), quase 80 se considerarmos só os países desenvolvidos. Um cético hiperbólico diria que a correlação nada prova. Um dogmático religioso diria que este é o plano de Deus. Já eu prefiro atribuir tal avanço a subprodutos da ciência como antibióticos, vacinas e grandes excedentes agrícolas. Em poucas palavras, embora a ciência esteja conosco de forma razoavelmente bem estabelecida há apenas 200 anos, já fez mais pelo bem-estar da humanidade do que todas as rezas e mandingas de religiosos durante milênios.

Hélio Schwartsman, 42, é editorialista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.

E-mail: helio@folhasp.com.br
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.

*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.

dpedro
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Re: A fé na ciência

Mensagem por dpedro »

Eu acho que se um crente tivesse capacidade para perceber esse texto ele seria concerteza ateu.
Rational arguments don't usually work on religious people. Otherwise there would be no religious people.

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Apo
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Re: A fé na ciência

Mensagem por Apo »

Eu diria parecido. Que este tipo de texto seria visto pela maioria dos crentes como uma provação do capeta, que está falando pelo corpo de alguém, numa língua claramente demoníaca, que é usada para confundir e dominar as mentes dos que se afastam de Deus.

Bem, eu nunca sei porque colocam religiões e ciência assim em polos tão opostos, quando nem ao mesmo universo cognitivo pertencem. Por isto esta discussão nunca tem fim. São incongruentes, ou a observação de paralaxes, no mínimo.
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Fernando Silva
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Re: A fé na ciência

Mensagem por Fernando Silva »

A solidificação funciona melhor através do isolamento. Os crentes são advertidos a não discutir nem argumentar com críticos e descrentes. Descrentes estão no caminho errado e não se fala mais nisto. A mensagem de Col. 02:04 é "Não os ouça" ("Digo isto para que ninguém os engane com belos discursos"); 1 Tim. 06:20-21: "Evite o palavreado irreverente e as objeções dessa falsa ciência, pois alguns a professaram e se desviaram da fé"; 2 Tim. 02:23-24: "Mas afaste-se de discussões tolas e ignorantes; você sabe que elas acabam em brigas"; Tito 03:09-10: "Evite controvérsias inúteis, genealogias, discussões e debates sobre a Lei, porque para nada servem e são vazias. Depois de um primeiro e um segundo aviso, deixe para lá os hereges".

Mesmo os debates mais racionais, lógicos, pacíficos e bem fundamentados devem ser evitados porque eles, supostamente, só vão gerar brigas e conflitos. Este tem sido o método tradicionalmente usado por demagogos durante séculos - doutrinar e isolar, isolar e doutrinar. O verdadeiro motivo pelo qual debates devem ser evitados é que os ensinamentos cristãos não resistem à análise lógica e os crentes poderiam se deixar influenciar por eles.

É estritamente tabu para os crentes criticar ou testar o que lhes é dito, de acordo com Mat. 04:07 ("Não tente o Senhor seu Deus") e Rom. 09:20 ("Mas quem é você, meu amigo, para questionar Deus? Um jarro de barro não pergunta ao homem que o fez 'Por que você me fez assim?' ").


Testes não são necessários já que, por meio de algum processo misterioso, a alegada verdade do cristianismo será mostrada ao crente. Lucas 07:35 diz, "A sabedoria de Deus, entretanto, mostra-se verdadeira aos que o aceitam" e, em 1 João 02:27, "Enquanto seu Espírito permanecer em vocês, vocês não precisam de que ninguém os ensine. Pois seu Espírito lhes ensina sobre todas as coisas e o que ele ensina é verdadeiro, não falso".


Em resumo, o que o NT diz é "Esqueçam o que diz a realidade, ouçam o que eu digo. Vocês vão acreditar em mim ou nas mentiras que seus olhos lhes mostram?".

Alguns trechos relevantes: 1 Cor. 02:06-07 ("Na realidade, é aos maduros na fé que falamos de uma sabedoria que não foi dada por este mundo, nem pelas autoridades passageiras deste mundo. Ensinamos uma coisa misteriosa e escondida: a sabedoria de Deus, aquela que ele projetou desde o princípio do mundo para nos levar à sua glória"); 1 Cor. 02:13-14 ("Para falar desses dons, não usamos a linguagem ensinada pela sabedoria humana, mas a linguagem que o Espírito ensina, falando de realidades espirituais em termos espirituais. Fechado em si mesmo, o homem não aceita o que vem do Espírito de Deus. É uma loucura para ele, e não pode compreender, porque são coisas que devem ser avaliadas espiritualmente"); 1 Cor. 01:20-21 ("Onde está o sábio? Onde está o homem culto? Onde está o argumentador deste mundo? Por acaso, Deus não tornou louca a sabedoria deste mundo? De fato, quando Deus mostrou a sua sabedoria, o mundo não reconheceu a Deus através da sabedoria. Por isso através da loucura que pregamos, Deus quis salvar os que acreditam"); 1 Cor. 01:27 ( "Mas, Deus escolheu o que é loucura no mundo, para confundir os sábios; e Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é forte"); 1 Cor. 03: 18-20 ("Ninguém se iluda. Se alguém de vocês pensa que é sábio segundo os critérios deste mundo, torne-se louco para chegar a ser sábio; pois a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus. De fato, a Escritura diz: "Deus apanha os sábios na própria esperteza deles"); e, em 1 Cor. 04: 10, falando dos cristãos acomodados: "Nós somos loucos por causa de Cristo; e vocês, como são prudentes em Cristo! Nós somos fracos, vocês são fortes! Vocês são bem considerados, nós somos desprezados!".

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r mig
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Re: A fé na ciência

Mensagem por r mig »

Porquê os religiosos criticam a fé na ciencia? A fé não é a virtude suprema para eles?

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Botanico
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Re: A fé na ciência

Mensagem por Botanico »

r mig escreveu:Porquê os religiosos criticam a fé na ciencia? A fé não é a virtude suprema para eles?


A bem da verdade, na Ciência há processos que lembram plenamente uma religião. Um desses é a crença em dogmas. O que Cristo falou, tá falado; o que os sábios falaram, está falado. Desmontar esse esquema não é fácil. Digo isso, lembrando uma professora minha, que após ter feito muitos cortes histólogicos em plantas dos mais variados tipos e em todas as partes delas, notou que a última camada do parênquima cortical (tecido de preenchimento que fica entre a epiderme e o sistema vascular) era contínua em todo o corpo da planta, podendo apresentar amiloplastos e estria de Caspary nas paredes periclinais de suas células. Essa camada é chamada ENDODERME e com tais características, é muito evidente nas raízes. Só que como eu disse, ela notou que ela está presente também nas outras partes da planta e também pode dividir-se, esclerificar-se, etc.

Tendo escrito trabalhos científicos sobre isso, com fotos documentando tudo o que dizia, ELA NÃO CONSEGUIU QUE AS REVISTAS ESTRANGEIRAS OS ACEITASSEM. Teve de publicar em revistas nacionais. Qual a justificativa? Diziam que qualquer livro básico de anatomia vegetal fala que a endoderme está presente só nas raízes...

Como podem ver, os livros básicos de anatomia vegetal devem ter o mesmo peso de uma Bíblia para esses anatomistas...

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r mig
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Re: A fé na ciência

Mensagem por r mig »

A única crença que tenho é que a ciencia é agnóstica. Não tem verdades absolutas. E o maior prémio que um cientista pode ter é provar que uma teoria aceite é falsa. Agora, se alguns cientistas se comportartam como bestas dogmáticas... isso nada diz sobre o que a ciencia é em si mesma.

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Fenrir
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Re: A fé na ciência

Mensagem por Fenrir »

dpedro escreveu:Eu acho que se um crente tivesse capacidade para perceber esse texto ele seria concerteza ateu.


Crentes não tem esta capacidade. Não tem QI suficiente para interpretar um texto, qualquer que seja, de forma minimamente decente.

É bom descarregar o mau-humor insultando os crentes. Eles dão motivos de sobra pra isto :emoticon16: :emoticon16: :emoticon16:
"Man is the measure of all gods"
(Fenrígoras, o sofista pós-socrático)

"The things are what they are and are not what they are not"
(Fenrígoras, o sofista pós-socrático)

"As mentes mentem"
(Fenrir, o mentiroso)

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Anna
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Re: A fé na ciência

Mensagem por Anna »

Para salvar o planeta, biólogo pede 'acordo de paz' entre ciência e religião

Ex-batista, americano Edward O. Wilson usa lirismo bíblico para falar da biodiversidade.
Diante do desafio ambiental, diferenças precisam ser deixadas de lado, argumenta ele.

O leitor recém-chegado ao universo dos livros de divulgação científica deve achar que estamos de volta à era de Galileu e Giordano Bruno. Afinal, uma fieira um tanto repetitiva de obras recentes, como "Quebrando o encanto", de Daniel Dennett, e "Deus, um delírio", de Richard Dawkins, andou reeditando o velho conflito entre ciência e religião. "A Criação - Como salvar a vida na Terra", que acaba de chegar ao Brasil, é uma lufada de ar fresco justamente por se contrapor a essa tendência. Para usar as palavras da liturgia católica, o biólogo Edward O. Wilson se imbuiu do espírito "que arranca o que divide". A ciência e a fé precisam urgentemente de uma trégua, diz ele -- e o preço do fracasso nessas negociações de paz pode ser a própria vida na Terra.

Confira outras resenhas

Dependendo de como se vê a questão, o veterano Wilson pode ser a pior ou a melhor pessoa para negociar esse armistício. O pesquisador da Universidade Harvard, um dos maiores especialistas do mundo em biodiversidade, cresceu no sul dos Estados Unidos e foi membro da Igreja Batista, uma das mais fervorosas denominações evangélicas do mundo. Mais tarde, porém, deixou a religião de lado. Em um livro anterior, "Consiliência", Wilson defendeu a unificação do conhecimento humano sob a égide da ciência -- e com a religião, considerada obsoleta, de fora.

No entanto, ainda que tenha deixado o rebanho, uma coisa Wilson nunca perdeu: a sensibilidade poética trazida pela leitura da Bíblia e pelo cristianismo evangélico de sua juventude. Também nunca deixou de prestar atenção no crescimento da religião fundamentalista, dentro e fora dos EUA. E escolheu usar sua familiaridade com o universo mental dos cristãos conservadores para convidá-los a assumir a defesa da biodiversidade da Terra -- uma responsabilidade moral que ecoa os primeiros e mais sagrados mandamentos divinos transmitidos no Gênesis.

O momento para isso não podia ser mais crítico. Uma confluência impressionante de dados científicos sugere que a humanidade está comandando a pior extinção em massa desde o meteoro que mandou os dinossauros para uma melhor há 65 milhões de anos. A natureza está sob sítio. E o medo de Wilson é que os que abraçam a fé religiosa estejam ignorando seu papel de protetores do planeta para considerá-lo apenas uma fonte inanimada de matérias-primas e recursos, que os humanos podem tratar como quiserem.
Carta aos fiéis

Wilson estrutura seu longo apelo na forma de uma carta, endereçada a um pastor protestante do sul dos EUA e, portanto, conterrâneo cultural do próprio biólogo. Os argumentos para proteger a Criação divina não são, em si mesmos, originais: Wilson enfatiza a riqueza da biodiversidade como fonte dos medicamentos e alimentos do futuro, e como alicerce da sobrevivência humana: sem os demais seres vivos, serviços essenciais, como ar e água puros, fertilidade do solo e regularidade do clima desapareceriam, e nenhum sistema feito por mãos humanas poderia substituir o que a biodiversidade faz hoje de graça.

O que há de novo nesse apelo é a tocante humildade para cruzar barreiras, para estender a mão ao outro. Wilson tem a coragem de dizer que não se importa se seu interlocutor fundamentalista não acredita na evolução e acha que a Terra tem só 6.000 anos de idade. As visões diferentes sobre a natureza do Universo encolhem em importância quando o que se coloca na mesa são valores: a sacralidade do mundo vivo, a beleza da biosfera.

A mensagem, portanto, é clara: podemos concordar em discordar e, mesmo assim, agir lado a lado para evitar o pior para nós mesmos e para nosso planeta. Wilson pode não acreditar mais no Deus que criou os céus e a terra, mas qualquer pessoa religiosa é capaz de balançar a cabeça em aprovação ao ouvir sua defesa da Criação:

"Nenhuma palavra, nenhuma obra de arte, é capaz de capturar toda a profundidade e complexidade do mundo vivo. Se um milagre é um fenômeno que não conseguimos entender, então toda espécie é, de certa forma, um milagre." Amém, irmão Wilson.

"A Criação - Como salvar a vida na Terra"

Edward O. Wilson

Companhia das Letras

200 págs.

R$ 35,00

site da notícia
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SickBoy
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Re: A fé na ciência

Mensagem por SickBoy »

que aranha grande Anna :emoticon38:

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docdeoz
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Re: A fé na ciência

Mensagem por docdeoz »

Botanico escreveu:
r mig escreveu:Porquê os religiosos criticam a fé na ciencia? A fé não é a virtude suprema para eles?


A bem da verdade, na Ciência há processos que lembram plenamente uma religião. Um desses é a crença em dogmas. O que Cristo falou, tá falado; o que os sábios falaram, está falado. Desmontar esse esquema não é fácil. Digo isso, lembrando uma professora minha, que após ter feito muitos cortes histólogicos em plantas dos mais variados tipos e em todas as partes delas, notou que a última camada do parênquima cortical (tecido de preenchimento que fica entre a epiderme e o sistema vascular) era contínua em todo o corpo da planta, podendo apresentar amiloplastos e estria de Caspary nas paredes periclinais de suas células. Essa camada é chamada ENDODERME e com tais características, é muito evidente nas raízes. Só que como eu disse, ela notou que ela está presente também nas outras partes da planta e também pode dividir-se, esclerificar-se, etc.

Tendo escrito trabalhos científicos sobre isso, com fotos documentando tudo o que dizia, ELA NÃO CONSEGUIU QUE AS REVISTAS ESTRANGEIRAS OS ACEITASSEM. Teve de publicar em revistas nacionais. Qual a justificativa? Diziam que qualquer livro básico de anatomia vegetal fala que a endoderme está presente só nas raízes...

Como podem ver, os livros básicos de anatomia vegetal devem ter o mesmo peso de uma Bíblia para esses anatomistas...


Os estrangeiros tem preconceito dos trabalhos sul-americanos.

É só ver o caso Luzia, crâneo de aspecto africano e não asiático.

Me parece que isso derruba TODA a história Clovis, e isto os cientistas norte-americanos não vão aceitar...
(HNT) ויאמר אלי אחד מן־הזקנים אל־תבכה הנה נצח האריה אשר הוא משבט Rev 5:5
http://www.rv.cnt.br/viewtopic.php?t=13986
http://rv.cnt.br/viewtopic.php?t=14653

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r mig
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Re: A fé na ciência

Mensagem por r mig »

Logo, Deus existe

Não há nada aí que lembre a religião. O que se nota é que tendo instituições e cátedras, há velhos que mandam. Mas basta comparar a evolução da ciência e da religião para perceber o aburdo da comparação.

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Ilovefoxes
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Re: A fé na ciência

Mensagem por Ilovefoxes »

docdeoz escreveu:Os estrangeiros tem preconceito dos trabalhos sul-americanos.
E isso lá é novidade? Mas isso não é de graça. Quem é que procura diamante em mina de sal?

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Anna
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Re: A fé na ciência

Mensagem por Anna »

SickBoy escreveu:que aranha grande Anna :emoticon38:


:emoticon16:

Este é o avatar que usava no falecido fórum da STR. Recordar é viver!
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Anna
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Re: A fé na ciência

Mensagem por Anna »

Botanico escreveu:
r mig escreveu:Porquê os religiosos criticam a fé na ciencia? A fé não é a virtude suprema para eles?


A bem da verdade, na Ciência há processos que lembram plenamente uma religião. Um desses é a crença em dogmas. O que Cristo falou, tá falado; o que os sábios falaram, está falado. Desmontar esse esquema não é fácil. Digo isso, lembrando uma professora minha, que após ter feito muitos cortes histólogicos em plantas dos mais variados tipos e em todas as partes delas, notou que a última camada do parênquima cortical (tecido de preenchimento que fica entre a epiderme e o sistema vascular) era contínua em todo o corpo da planta, podendo apresentar amiloplastos e estria de Caspary nas paredes periclinais de suas células. Essa camada é chamada ENDODERME e com tais características, é muito evidente nas raízes. Só que como eu disse, ela notou que ela está presente também nas outras partes da planta e também pode dividir-se, esclerificar-se, etc.

Tendo escrito trabalhos científicos sobre isso, com fotos documentando tudo o que dizia, ELA NÃO CONSEGUIU QUE AS REVISTAS ESTRANGEIRAS OS ACEITASSEM. Teve de publicar em revistas nacionais. Qual a justificativa? Diziam que qualquer livro básico de anatomia vegetal fala que a endoderme está presente só nas raízes...

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1. Acho que aqui vc confunde dogmas e posturas pessoais de cientistas isolados ou grupos, com o cerne da ciência. A ciência em sua natureza não prega ou suporta dogmas, ao contrário da religião, que em sua natureza foi construída por conceitos fixos e imutáveis. É por isso que a comparação entre as duas é equívoca.

2. KCT, hein botânico? Será que nehum dos seus colegas botânicos produz artigo que seja aceito de primeira???? Esse já o segundo que vc cita.

3. Existem revistas que possuem editores xenofóbicos, míopes, e dogmáticos. Isso é fato! Mas não consigo imaginar um trabaho sendo rejeitado por TODAS as revistas internacionas da área. A menos que tivesse pecado em forma, metodologia, ou apresentação. Ou não colocasse seus resultados e apresentação de suas descobertas de forma clara, objetiva e suportada por meio de discussão robusta.

4. Eu tive um trabalho, enorme, diga-se de passagem, rejeitado por uma revista inglesa tradicional no começo da carreira. A justificativa era que o trbalho era regional, e a revista estava querendo coisas mais amplas. Mentira porque publicam coisas regionais, era implicância xenofóbica do editor. O que eu fiz? Submeti para uma outra revista, tão boa o quanto, qualis A, estrangeira (italiana), foi aceito lindamente e está publicado desde de 2003. Se uma revista n!ão aceita o que a gente faz é tentar outra outra, e outra e outra. Até rolar. Mas se todas as estrangeiras não aceitam tem algo errado com otrabalho não acha?
Ou vamos preferir acreditar que TODAS as revistas do mundo estão de complô contra o tema??? Me poupe!
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Re: A fé na ciência

Mensagem por Anna »

docdeoz escreveu:
Botanico escreveu:
r mig escreveu:Porquê os religiosos criticam a fé na ciencia? A fé não é a virtude suprema para eles?


A bem da verdade, na Ciência há processos que lembram plenamente uma religião. Um desses é a crença em dogmas. O que Cristo falou, tá falado; o que os sábios falaram, está falado. Desmontar esse esquema não é fácil. Digo isso, lembrando uma professora minha, que após ter feito muitos cortes histólogicos em plantas dos mais variados tipos e em todas as partes delas, notou que a última camada do parênquima cortical (tecido de preenchimento que fica entre a epiderme e o sistema vascular) era contínua em todo o corpo da planta, podendo apresentar amiloplastos e estria de Caspary nas paredes periclinais de suas células. Essa camada é chamada ENDODERME e com tais características, é muito evidente nas raízes. Só que como eu disse, ela notou que ela está presente também nas outras partes da planta e também pode dividir-se, esclerificar-se, etc.

Tendo escrito trabalhos científicos sobre isso, com fotos documentando tudo o que dizia, ELA NÃO CONSEGUIU QUE AS REVISTAS ESTRANGEIRAS OS ACEITASSEM. Teve de publicar em revistas nacionais. Qual a justificativa? Diziam que qualquer livro básico de anatomia vegetal fala que a endoderme está presente só nas raízes...

Como podem ver, os livros básicos de anatomia vegetal devem ter o mesmo peso de uma Bíblia para esses anatomistas...


Os estrangeiros tem preconceito dos trabalhos sul-americanos.


Isso é verdade. Muitos editores são escrotos. Mas não todos, e não todas as revistas estrangeiras. Principalmente as revistas européias!
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Anna
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Re: A fé na ciência

Mensagem por Anna »

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Fernando Silva
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Re: A fé na ciência

Mensagem por Fernando Silva »

Anna escreveu:
SickBoy escreveu:que aranha grande Anna :emoticon38:


:emoticon16:

Este é o avatar que usava no falecido fórum da STR. Recordar é viver!

E o seu login era Aracne.

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Anna
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Re: A fé na ciência

Mensagem por Anna »

Sim!! :emoticon16:
Saudade de lá! Era um bom fórum.
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Trancado