Liberdades e conflitos

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Fenrir
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Liberdades e conflitos

Mensagem por Fenrir »

Sou uma nulidade no assunto. Por favor deem o devido desconto.

Imaginem a seguinte situacao:

A entra em conflito com B ao exerceram, ambos, plenamente sua liberdade, e justamente por causa disso.

P: Quem deve fazer o papel de árbitro? Deve haver um árbitro?

Estou quase 100% certo de que nem A, nem B, pois, por si só, um testemunho de uma pessoa nao tem valor algum em um conflito onde os interesses da mesma pessoa estão envolvidos.

Quem então?
O estado?
O poder judiciário?
O carater vago do exemplo nao permite decidir quem?

Generalizando ainda mais:

Ate onde deve ir a liberdade de A, de B e de um árbitro, se houver?
Onde comeca uma e termina a outra?
"Man is the measure of all gods"
(Fenrígoras, o sofista pós-socrático)

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NadaSei
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Re: Liberdades e conflitos

Mensagem por NadaSei »

Fenrir escreveu:Sou uma nulidade no assunto. Por favor deem o devido desconto.

Imaginem a seguinte situacao:

A entra em conflito com B ao exerceram, ambos, plenamente sua liberdade, e justamente por causa disso.

P: Quem deve fazer o papel de árbitro? Deve haver um árbitro?

Estou quase 100% certo de que nem A, nem B, pois, por si só, um testemunho de uma pessoa nao tem valor algum em um conflito onde os interesses da mesma pessoa estão envolvidos.

Quem então?
O estado?
O poder judiciário?
O carater vago do exemplo nao permite decidir quem?

Generalizando ainda mais:

Ate onde deve ir a liberdade de A, de B e de um árbitro, se houver?
Onde comeca uma e termina a outra?

Pois é, isso é MUITO complicado.
Se as pessoas não conseguem agir livremente sem entrar em conflito e não podem por si só solucionar o impasse, a causa disso é a divergência nos pontos de vista sobre quem tem mais direito na questão.

Falando de forma geral, tenho visto que quando isso ocorre, normalmente é por ignorância de um dos indivíduos.
O problema é que a maioria das pessoas está fadada a cometer esse tipo de erro, o que significa que o "árbitro" normalmente também não está imune a isso e pode tomar a decisão errada.

O pior é que nem basta que a sociedade "evolua" e atinja um nível bom de racionalidade, ou ao menos que os escolhidos para serem os "juízes" nessa sociedade, tenham uma boa capacidade racional para se deixarem guiar plenamente pela lógica e pelos fatos... Algumas questões estão no que se chama de áreas "cinzas" e são verdadeiramente de difícil compreensão.

Sei que isso não ajuda em nada no carácter filosófico da questão... mas acho que a sociedade já tomou a melhor solução em face do problema, criou um sistema judiciário que busca resolver esses conflitos.
Acho que o limite da lei é interferir o mínimo possível no exercício pleno da liberdade, mas mesmo isso é um problema.
O ideal seria não interferir na liberdade de um individuo quando as ações do mesmos não entram em conflito com a liberdade dos outros, sendo que as questões da área cinza, onde não se sabe ao certo os limites de cada individuo, deveriam ser legisladas segundo os critérios da sociedade. (que por vezes são preconceituosos).

O problema é que existe divergência inclusive sobre o que seria uma área cinza ou não, como o assunto drogas, por exemplo.
Dessa forma, ao menos quanto mais racional for uma sociedade melhor tende a ser a legislação e os juízes. (ao menos em teoria)
Mas enfim, isso não resolve o problema e não responde bem a questão em si... só diz que o bicho é muito feio mesmo e aponta o melhor ajuste sem solucionar o problema.
Uma vez que o ceticismo adequadamente se refere à dúvida ao invés da negação - descrédito ao invés de crença - críticos que assumem uma posição negativa ao invés de uma posição agnóstica ou neutra, mas ainda assim se auto-intitulam "céticos" são, na verdade, "pseudo-céticos".

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Fenrir
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Re: Liberdades e conflitos

Mensagem por Fenrir »

Desculpe o trocadilho, mas eu nada sei do assunto.

Ja fiz esta colocacao em outro forum, para um forista que conhece alguma coisas de L.v.Mises, liberalismo e etc.

Mas nao obtive resposta.

Entao fiquei pensando se o que postei nao seriam coisas vagas, elementares e pouco praticas, sem uso algum, sei la.

Estou comecando a concordar que, sobre o que nao se sabe nada ,o melhor mesmo é ficar calado.
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user f.k.a. Cabeção
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Re: Liberdades e conflitos

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »


Essa questao e muito geral, e uma resposta suficientemente geral exigiria nao apenas um livro, mas uma biblioteca inteira ou mais, afinal essa nao e uma questao que possa ser dita como encerrada.

Uma aproximacao de resposta pode ser tentada entendendo porque existem conflitos e como a civilizacao surge como forma de lidar racionalmente com eles.

A e B sao individuos no seu estado natural (selvagens, nao pertecendo a nenhuma organizacao social), e ambos querem ter controle sobre um determinado recurso, que pode ser um local de caca, uma fonte de agua, um abrigo ou sobre uma femea.

Como o recurso e escasso, ou seja, nao pode ser ao mesmo tempo utilizado por A e por B, existe um conflito. Se tanto A quanto B considerarem que vale a pena o sacrificio, esse conflito sera resolvido com violencia, e aquele que for mais eficiente em intimidar ou neutralizar o adversario saira vencedor.

E assim, basicamente, que os animais resolvem suas disputas, e pode-se imaginar que teria sido assim que homens primitivos agiriam. O animal nao raciocina, nao pondera efeitos de longo prazo de suas acoes, ele basicamente segue instintos simples. Se o seu desafiante parecer significativamente mais forte, ele recuara, se parecer mais fraco, ele atacara, e nos casos mais equilibrados, a acao dependera de uma especie de valor dado ao bem a ser conquistado ou preservado. Um animal defendera seus filhotes de um outro muito mais forte, mas nao seu territorio ou a carcaca que acabou de conquistar. Um leao faminto tera incentivos para atacar um grupo de hienas que rodeia uma carcaca, um leao melhor alimentado teria menor propensao a se dar tal trabalho.

O que difere o homem dos animais e que ele e capaz de uma razao que o permite estipular consequencias de maior prazo de suas acoes e adiantar qual sera comportamento dos demais, levando em conta seus interesses, atraves das sinalizacoes que estes produzem. Essa capacidade de compreender os sinais produzidos por outros individuos e a base do mecanismo que gera uma linguagem complexa e permite a coordenacao de acoes.

Assim, os homens selvagens que resolviam todos os seus litigios com batalhas e intimidacoes, percebem que essa estrategia e cara demais no longo prazo, quando a probabilidade de encontrar alguem mais forte tende para um. Parece-lhes entao concebivel estabelecer regras para limitar a acao coercitiva dos homens e permitir a cooperacao e o respeito aos demais. Essas regras surgem de consideracoes de natureza racional: e melhor para os individuos viver dentro desse tipo de regras do que fora, e a razao deles os leva a escolher o que lhes parecer melhor.

Sao regras que sobretudo estabelecem criterios para o emprego de recursos escassos. O ar respiravel durante muitos seculos nao foi tema de litigios e discussoes por nao ser um recurso escasso. Todos tinham acesso a quantidade de ar respiravel necessaria para a sua respiracao e para a realizacao de suas combustoes artesanais. A agua, em certas regioes, tambem era um recurso abundante, mas em outras nao. Nessas outras regioes, houve e ainda ha guerras pelo controle de agua e regras sociais definindo os direitos de controle sobre as fontes. O mesmo vale para todos os itens escassos, sejam eles produtos do trabalho e do desenvolvimento humano ou dados da natureza.

A compreensao que os diferentes individuos tem fins diferentes em suas mentes, mas demandam recursos nao especificos e escassos para realiza-los, levou ao aparecimento de rudimentos que mais tarde se desenvolveriam como a solucao que hoje conhecemos como instituicao da propriedade privada. A instituicao da propriedade privada consiste no conjunto de regras que estabelece que o uso de um determinado recurso escasso esta reservado a um individuo ou grupo de individuos agindo em concerto, e sendo esse seu proprietario. Esse direito de uso pode ser transferido mediante operacoes comerciais voluntarias de troca ou de doacao, e pode ser conquistado mediante apropriacao de algo no seu estado natural.

Essas regras sao o que chamamos de civilizacao. A civilizacao e uma opcao dos individuos. Qualquer um pode optar por nao ser civilizado, se tornando um marginal, mas essa e uma opcao que costuma ser cara, na medida em que os civilizados normalmente nao tem porque extender os beneficios da civilizacao aqueles que se colocam contra ela. Voce pode escolher ser um rebelde ou um revoltado, que a nada respeita, mas sabendo que essa atitude encontrara uma resposta negativa do resto das pessoas que nao se sublevaram.

Um individuo nao deixa de ser livre ao optar por seguir regras sociais. E tecnicamente incorreto dizer que individuos sao livres ate o ponto que sua liberdade interfere na liberdade alheia. Nao, individuos sao livres ate para interferir na liberdade alheia, mas o longo aprendizado que extrairam do processo de civilizacao lhes ensina que se quiserem usufruir dos beneficios enormes da existencia de uma sociedade eles precisam respeitar os demais. Esses ensinamentos se cristalizam nas instituicoes que nos obedecemos.

Contudo, a ordem da propriedade privada nao elimina os problemas de conflitos entre individuos civilizados. Duas pessoas de posse de direitos de propriedade legitimos podem realizar acoes contraditorias. Eu posso queimar lixo no meu jardim (usando portanto a minha propriedade), e produzir fumaca e fuligem que vao incomodar voce na sua propriedade.

Se a definicao dos direitos de propriedade nao e perfeita, possibilitando situacoes desse tipo, nao segue diretamente que a ordem privada deve ser abolida ou limitada. A ordem privada foi uma escolha racional, a unica possivel dentre as imaginaveis, e nao e algo a se lutar contra, mas a se aperfeicoar.

Dentro de uma situacao onde eu e o meu vizinho, de posse dos nossos direitos, produzimos acoes contraditorias, temos duas possibilidades. Uma delas e que nos consideremos que o limite que o nosso vizinho nos invade e pouco relevante, pois nos garante direito de realizar invasoes do mesmo tipo, aumentando assim a nossa capacidade de acao. Em geral, toda acao tem um carater invasivo, se voce da uma festa na sua propriedade, voce produz som e luz que provavelmente incomodam os vizinhos. Contudo, esses tambem tem interesse em realizar seus eventos em paz, e se voce realmente nao estiver causando nenhum transtorno excessivo, e bem provavel que eles consigam conviver com uma noite um pouco mais barulhenta, admitindo que poderao eventualmente gozar do mesmo beneficio.

A outra possibilidade e que uma das partes ou as duas estejam mais incomodadas com a invasao produzida pela outra do que beneficiadas pelo direito de produzir igual invasao. No caso de haver incomodo em ambas as partes, as duas podem chegar num acordo que estabeleca regra limitando ambas as invasoes, pois tal regra seria benefica para os dois lados. Assim, vizinhos normalmente aceitam uma certa dose de festas mas nao aceitam fogueiras de lixo domestico. No caso de ser apenas uma das partes que se incomoda mais do que se beneficia, o que se pode tentar e uma barganha de reparacao. A parte invasora repara a parte invadida numa medida que ainda torne para ela lucrativa a invasao e que aumente a satisfacao da parte invadida ao ponto em que ela estaria caso nao se realizasse a invasao. O teorema de Coase assevera que a barganha, no caso de nao haver custos para a transferencia, produzira uma situacao economicamente optimal, ou seja, que os lucros de todos os envolvidos superarao os custos.

Esse ultimo ponto e mais delicado e exigiria uma atencao muito maior do que a que eu conseguiria dar num thread. Se voce tiver mais interesse nesse tipo de questao, eu posso te recomendar uma bibliografia.
"Let 'em all go to hell, except cave 76" ~ Cave 76's national anthem

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Fenrir
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Re: Liberdades e conflitos

Mensagem por Fenrir »

Grato por responder, Cabeção.

Preciso de um tempo para refletir sobre o que voce escreveu e expressar alguma opinião.

No momento, me ocorreu que posso ter errado por

questionar a liberdade de X numa situacao particular Z tendo como justificativa o fato de que numa situacao bem mais generica W (como a envolvida na minha pergunta), seria muito dificil saber que estaria correto ou nao X ter a liberdade Y ou como delimitar e definir o escopo desta liverdade Y.
Quero dizer, que da indefinicao de uma situacao mais generia e abstrata, nao decorre que situacaoes particulares ou mais especificas e bem definidas tambem tenham que ser indefinidas... NonSequitur, acho.
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