O Morro e o Púlpito

Fórum de discussão de assuntos relevantes para o ateísmo, agnosticismo, humanismo e ceticismo. Defesa da razão e do Método Científico. Combate ao fanatismo e ao fundamentalismo religioso.
Avatar do usuário
Acauan
Moderador
Mensagens: 12929
Registrado em: 16 Out 2005, 18:15
Gênero: Masculino

O Morro e o Púlpito

Mensagem por Acauan »

O Morro e o Púlpito
Postado originalmente em 27/07/2004 22:30:00

Por Acauan

Um dos fenômenos religiosos brasileiros mais interessantes da atualidade é o avanço das seitas evangélicas nas favelas, em especial nos morros cariocas.

Pode-se dizer que o vácuo deixado pelo Estado de Direito nas áreas faveladas do Rio foi ocupado pelos traficantes de drogas e pelos pastores crentes.

Não me amaldiçoem ainda, cristãos. Não tenho intenção de apontar semelhanças entre os dois grupos.

A revista Veja, em sua edição 1861, publicou uma reportagem sobre a conquista de território feita pelos evangélicos nos enclaves não tão maravilhosos da cidade assim chamada, atribuindo este sucesso principalmente à assistência social prestada pelas igrejas.

Acho esta explicação demasiado simplista.

Ser morador de favela sempre foi coisa complicada, mais ainda se o morador for negro. Viver nos morros controlados pelo tráfico é um andar no fio da navalha entre a civilização e a barbárie (não me amaldiçoem puristas do estilo, o texto é meu e escrevo o que quero).

Para muitos habitantes dos morros, pertencer a uma igreja evangélica é uma forma de atestar de modo público que eles optaram pela civilização.

A título de exemplo:

Um transtorno usual para os favelados é o risco constante da abordagem policial violenta.
Este risco cai tremendamente quando o morador em questão circula pelas vielas de terno e gravata e com uma bíblia embaixo do braço.
Ser crente no morro é ostentar um atestado de respeitabilidade reconhecido tanto pelos criminosos quanto pelos que os combatem. A identificação religiosa fornece a quem convive diariamente com o colapso dos valores sociais um ponto de referência para que transitem dentro da estreita faixa destes valores que ainda sobrevivem nas comunidades dominadas pelo crime.

Este atestado de respeitabilidade tacitamente conferido pelas igrejas evangélicas aos seus membros é lastreado pelos rígidos regulamentos congregacionais destas agremiações, que, com maior ou menor empenho, fiscalizam o comportamento de seus fiéis, identificam e punem aqueles que os violam. Nos casos extremos ou reincidentes com a expulsão.

Assim, quanto maior a fama de legalista da igreja, melhor para endossar os predicados sociais de quem aluga dela o título de fiel.

Claro que estou tratando de modelos ideais. É conhecida a corrupção existente em certas igrejas evangélicas e alguns pastores do morro não são muito melhores que alguns vizinhos deles.
Mas mesmo assim, considerando o local e as opções existentes, na pior das hipóteses, dos males o menor.

Direitos civis são um conceito mais bem assimilado no asfalto, como dizem os cariocas, do que no morro.

Em São Paulo as favelas são muito problemáticas, mas tem características diferentes das do Rio.
Conversei certa vez com uma moradora do Heliópolis, maior favela da cidade, que me contou que guardava meticulosamente todas as notas fiscais dos objetos de algum valor que tinha em casa. Perguntei se era por causa da garantia do fabricante e ela disse que não, que era para, quando necessário, provar para a polícia que seus pertences não eram roubados.
Ficou-me a impressão de que inviolabilidade de domicílio e mandado judicial deveriam ser personagens de ficção científica por aquelas bandas.

Apesar disto, o tráfico não consegue controlar o Heliópolis ou outras grandes favelas de São Paulo como faz nas do Rio, mesmo atuando nelas e exercendo seu terror intimidador sobre seus habitantes. E mesmo assim, o tipo de presunto mais comum por aquelas bandas não é o que a Sadia fabrica.

Tudo isto não deve fazer nada bem para a auto-estima dos moradores desses locais, seja no Rio ou em São Paulo.

Por isto também as igrejas Evangélicas fazem sucesso por lá.
Todo aquele papo de seus membros serem eleitos, sal da terra, luz do mundo, santos e afins é muito bom para convencer pessoas sem muitos motivos para se sentirem privilegiadas que a vida delas pode ser algo mais do que presenciam no dia a dia e no tiroteio a tiroteio.

Nas comunidades pobres e acossadas pela violência, ser crente é também uma forma de se sentir especial sem precisar portar um AR-15 ou um kalashnikov (AK-47 na linguagem popular).
Nós, Índios.

Acauan Guajajara
ACAUAN DOS TUPIS, o gavião que caminha
Lutar com bravura, morrer com honra.

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!

Avatar do usuário
Deise Garcia
Mensagens: 5362
Registrado em: 30 Out 2005, 13:35
Gênero: Feminino

Re: O Morro e o Púlpito

Mensagem por Deise Garcia »

Serve o parecer de uma espírita? Não conheço as favelas do RJ, mas conheço algumas em SP, sim. A polícia só entra em barracos suspeitos. Nota fiscal pra nada serve nestes momentos. Entrei em muitas favelas mas foi necessário cumprir horário. Existem muitas pessoas do bem por ali, e muitas outras que querem se dar bem. Não é verdade que essas pessoas se envolvem com a religião por conta das suas necessidades, a verdade é que existem "n" casos em que a religião é o que menos interessa. A preocupação dos grupos solidários é atender as necessidades imediatas. A consciência nos diz que para eles Deus ficou em terceiro plano.
Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei.

Avatar do usuário
Lúcifer
Mensagens: 8607
Registrado em: 26 Out 2005, 16:24
Gênero: Masculino
Localização: São Paulo
Contato:

Re: O Morro e o Púlpito

Mensagem por Lúcifer »

Se não me engano, foi por aqui mesmo no RV que se noticiou que os traficantes do Rio, estavam dando o maior apoio para as seitas evangelicas, espulsando os umbandistas das favelas.
Tudo porque, quando acabavam de fazer as reuniões, os umbandistas soltavam fogos de artíficio, instrumento usado pelos traficantes para avisar os viciados que chegou bagulho novo na área.

Até nisso, os evangelicos se saem bem. Com a policia e os traficantes ao mesmo tempo. Isso pode-se dizer que é tratar com deus e o diabo. Agora quem é deus e quem é o diabo no Rio, fica a grande pergunta.
Imagem

Trancado