O contra-senso do “socialismo de boa índole”

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user f.k.a. Cabeção
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »

Tarcísio escreveu:Cabeção, partindo de que toda a terra tem dono, como eu faria para chegar em outro estado sem pagar pelo uso de estradas?
Veja eu pergunto isso porque hoje em dia o meu direito de ir e vir supera o da propriedade de outro quando a propriedade dele é o único acesso para a minha. Tenho um direito irresistível de passar sem ser cobrado ou importunado. Essa questão pode ser projetada num mundo onde não há "ruas-públicas"?



Pois e, essa e uma confusao bastante comum.

O seu direito de ir e vir nao equivale a um direito de ter um servico prestado por uma rodovia que o levara aonde voce quer chegar. O primeiro e um direito negativo natural, significando que voce nao esta submetido a qualquer restricao formal na sua liberdade de ir aonde voce quiser, dado que voce tenha meios proprios para faze-lo. O segundo e o direito de uso a um servico que possui um custo real e que eventualmente pode interferir em liberdades fundamentais estabelecidas por direitos negativos prerrogativos de outras pessoas.

Por exemplo, eu tenho a liberdade de ir para Salvador amanha. O que nao quer dizer que eu possa exigir um servico de qualquer natureza que me transporte, ou que facilite o meu transporte, ate Salvador amanha. Eu simplesmente nao me encontro formalmente impedido de faze-lo, o que nao quer dizer que eu sofra impedimentos de natureza pratica, como por exemplo o fato de eu nao ter dinheiro para comprar uma passagem.

Se o seu direito de ir e vir conflitar com o direito de propriedade de alguem sobre algum territorio, o direito dele prevalecera, como alias acontece, por exemplo, com a sua casa. Se voce nao me permitir a entrada em seus dominios, o meu direito de ir aquela porcao de terra sob seu controle direto e legal sofre um impedimento pratico (a nao autorizacao do proprietario). Nao ha portanto impedimento formal que restrinja a minha liberdade, ela simplesmente nao pode interferir na liberdade e direito prerrogativo de outrem.

Se toda a terra de uma determinada sociedade estiver sob controle reconhecido e titulado de proprietarios, e estes cobrarem pela circulacao em seus dominios, dentro das normas vigentes naquela sociedade, se voce nao quiser ser um marginal, voce tera que pagar pelo direito de uso da terra alheia. O que nao estara ferindo seu direito natural negativo de ir e vir.

Com relacao a questao do direito negativo de ir e vir, a coisa nao e diferente quando um Estado e o proprietario da maioria das ruas. E incorreto falar de ruas publicas de um modo geral, ja que normalmente elas sao ruas estatais (salvo por ruas rudimentares construidas por moradores em comunidades isoladas e conservadas por eles mesmos). Ele nao te concede um servico que representaria o seu direito de ir e vir, ele apenas autoriza a sua circulacao nos dominios deles segundo normas prescritas por ele e de acordo com uma taxacao imposta por ele. Se ele quiser limitar essa sua "liberdade positiva" ele limitara, coisa que alias ele costuma fazer. A principal diferenca e que o Estado usa forca para determinar o quanto voce deve pagar para usar suas instalacoes. Esse e um poder que um proprietario normalmente nao tem.

A justificativa das ruas estatais com base no direito negativo de ir e vir equivale a uma justificativa da existencia da Petrobras com base no direito negativo de se comprar gasolina.
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joaomichelazzo
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por joaomichelazzo »

user f.k.a. Cabeção escreveu:
Tarcísio escreveu:Cabeção, partindo de que toda a terra tem dono, como eu faria para chegar em outro estado sem pagar pelo uso de estradas?
Veja eu pergunto isso porque hoje em dia o meu direito de ir e vir supera o da propriedade de outro quando a propriedade dele é o único acesso para a minha. Tenho um direito irresistível de passar sem ser cobrado ou importunado. Essa questão pode ser projetada num mundo onde não há "ruas-públicas"?



Pois e, essa e uma confusao bastante comum.

O seu direito de ir e vir nao equivale a um direito de ter um servico prestado por uma rodovia que o levara aonde voce quer chegar. O primeiro e um direito negativo natural, significando que voce nao esta submetido a qualquer restricao formal na sua liberdade de ir aonde voce quiser, dado que voce tenha meios proprios para faze-lo. O segundo e o direito de uso a um servico que possui um custo real e que eventualmente pode interferir em liberdades fundamentais estabelecidas por direitos negativos prerrogativos de outras pessoas.

Por exemplo, eu tenho a liberdade de ir para Salvador amanha. O que nao quer dizer que eu possa exigir um servico de qualquer natureza que me transporte, ou que facilite o meu transporte, ate Salvador amanha. Eu simplesmente nao me encontro formalmente impedido de faze-lo, o que nao quer dizer que eu sofra impedimentos de natureza pratica, como por exemplo o fato de eu nao ter dinheiro para comprar uma passagem.

Se o seu direito de ir e vir conflitar com o direito de propriedade de alguem sobre algum territorio, o direito dele prevalecera, como alias acontece, por exemplo, com a sua casa. Se voce nao me permitir a entrada em seus dominios, o meu direito de ir aquela porcao de terra sob seu controle direto e legal sofre um impedimento pratico (a nao autorizacao do proprietario). Nao ha portanto impedimento formal que restrinja a minha liberdade, ela simplesmente nao pode interferir na liberdade e direito prerrogativo de outrem.

Se toda a terra de uma determinada sociedade estiver sob controle reconhecido e titulado de proprietarios, e estes cobrarem pela circulacao em seus dominios, dentro das normas vigentes naquela sociedade, se voce nao quiser ser um marginal, voce tera que pagar pelo direito de uso da terra alheia. O que nao estara ferindo seu direito natural negativo de ir e vir.

Com relacao a questao do direito negativo de ir e vir, a coisa nao e diferente quando um Estado e o proprietario da maioria das ruas. E incorreto falar de ruas publicas de um modo geral, ja que normalmente elas sao ruas estatais (salvo por ruas rudimentares construidas por moradores em comunidades isoladas e conservadas por eles mesmos). Ele nao te concede um servico que representaria o seu direito de ir e vir, ele apenas autoriza a sua circulacao nos dominios deles segundo normas prescritas por ele e de acordo com uma taxacao imposta por ele. Se ele quiser limitar essa sua "liberdade positiva" ele limitara, coisa que alias ele costuma fazer. A principal diferenca e que o Estado usa forca para determinar o quanto voce deve pagar para usar suas instalacoes. Esse e um poder que um proprietario normalmente nao tem.

A justificativa das ruas estatais com base no direito negativo de ir e vir equivale a uma justificativa da existencia da Petrobras com base no direito negativo de se comprar gasolina.


Em suma:
Meu direito termina onde começa o seu e vice-versa.
“Não é possível convencer um crente de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar” (Carl Sagan)

"Há males que vem pra fuder com tudo mesmo"

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Herf
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Herf »

user f.k.a. Cabeção escreveu:
O seu direito de ir e vir nao equivale a um direito de ter um servico prestado por uma rodovia que o levara aonde voce quer chegar. O primeiro e um direito negativo natural, significando que voce nao esta submetido a qualquer restricao formal na sua liberdade de ir aonde voce quiser, dado que voce tenha meios proprios para faze-lo. O segundo e o direito de uso a um servico que possui um custo real e que eventualmente pode interferir em liberdades fundamentais estabelecidas por direitos negativos prerrogativos de outras pessoas.

Os racialistas, os gayzistas, as feministas e todos os grupos de pressão que lutam pelos seus "direitos" discordam de você.

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Huxley
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Huxley »

user f.k.a. Cabeção escreveu:

A primeira coisa a esclarecer e que eu obviamente nao sou contra uma simplificacao do sistema tributario. Esse projeto de imposto unico era inclusive o que defendia Roberto Campos, acreditando que a CPMF poderia ser transformada gradualmente num imposto majoritario que diminuiria a complexidade da coleta de impostos.

O que nao elimina as falacias economicas cometidas por Marcos Cintra no texto.

Primeiramente, o argumento de que as transacoes em especie nao aumentariam e completamente falso. Ainda que existam desvantagens obvias na manipulacao e transportes de grandes somas, o fato de que operacoes financeiras sao sobre-taxadas criara um incentivo para que MAIS operacoes em cash sejam realizadas. Isso e obvio, e um simples calculo de contabilidade. Quanto maior forem os custos das movimentacoes financeiras, menos paracerao desvantajosos os riscos e inconvenientes de manter grandes estoques de dinheiro. E SIMPLESMENTE FALSO dizer que o fato dos volumes de cash terem seus inconvenientes impedira as pessoas de usarem mais papel moeda. Esses inconvenientes nao impedem os contraventores e criminosos hoje de fazerem seus negocios sempre em dinheiro vivo, e nao impedira "sonegadores" no futuro, se isso parecer mais barato do que os impostos.

Mais servicos do tipo carro forte e de cofres privados poderiam se desenvolver, explorando esse custo artificial das movimentacoes financeiras e oferecendo saidas mais baratas para quem quiser evita-las.

Acreditar que as pessoas nao desenvolveriam esse tipo de solucao, caso fossem viaveis, e simplesmente depositar uma fe muito arrogante nas proprias ideias. Eu nao sou contra um mecanismo de impostos que minimize os custos e a complexidade de coleta, o que reduziria o desperdicio e facilitaria a vida das pessoas um pouco. O que nao da e para sustentar isso com sofismas ridiculos. O texto comete varios outros, como quando fala de inflacao, mas nao pretendo entrar nessa discussao agora.


Você malandramente citou apenas o mais fraco dos argumentos apresentados no link. Claro que este aí era apenas um argumento complementar do Marcos Cintra. Os outros eram bem mais importantes. E aqui, na minha mente, tem outros dois.

Sem sonegação = sem free-rider.


user f.k.a. Cabeção escreveu:


Eu ja afirmei antes que essa e uma falsa dicotomia. As pessoas apreciam o beneficio que elas tiram de um determinado produto ou servico, nao importa se ele e administrado privada ou publicamente.
[...]
As valoracoes sao sempre realizadas por individuos, nao existe valoracao coletiva.


Se eu tinha alguma dúvida que você não sabe a diferença entre bens públicos e bens privados, ela acabou quando li esta resposta. Não é adequado falar em eficiência de mercados de bens públicos em termos de valoração individual da utilização adicional, porque estes bens são consumidos conjuntamente. A alegação da suposta necessidade do pagamento do “quanto cada um recebe de benefícios do governo” mostra claramente que você não sabe o que é a propriedade de não-rivalidade. Pior, no penúltimo post direcionado a mim, você dá sinais que acredita que o abuso do guloso caronista do exemplo do “racha no restaurante” aconteceria em bem público. Ora, a propriedade de não-rivalidade significa que o uso do bem por uma pessoa não diminui o bem-estar de outra em usar aquele bem. Como você vai ter incentivo para “consumir” mais defesa nacional apenas porque o custo é repartido entre todos? Como você vai “consumir” mais sirene de tornado apenas porque o custo é repartido entre todos? Como você vai “consumir” mais asfalto de estrada não-congestionada porque o custo é repartido entre todos? Aliás, se você vai à casa de praia quatro vezes em vez de duas só porque a estrada é pública, então não sabe que a tinta do asfalto que você consome na “atravessada free-rider” na estrada custa mais que a gasolina consumida neste percurso.

Quando você diz que não se deve pensar em termos de eficiência coletiva do mercado de bem público só porque “o único agente que calcula utilidade é o indivíduo” está se aproveitando de uma falácia nominalista, usando vacuamente o termo “indivíduo” tão somente para servir como tábua de inspiração e apelação para justificar um sistema ideológico específico. De forma análoga, o único agente que possui demanda é o indivíduo, mas nada impede que um mercado tenha curva de demanda agregada. E Marshall, Walras e Pareto entendiam a utilidade como portadora de uma característica subjetiva, mas que nem por isso deixa de poder ser traduzida matematicamente, já que utilidade acaba por ser refletida no preço.


user f.k.a. Cabeção escreveu:


Voce coloca a frase de uma maneira bastante conveniente, mas isso e simplesmente retorica barata.

A pessoa realmente nao quer estimular o seu analfabetismo ou doenca, mas quando voce remove os incentivos e a responsabilidade que ela teria de cuidar da sua propria educacao e da sua propria saude, ela se engajara em um comportamento do tipo free-rider descrito. E se ela considerar que os beneficios se manter nessas condicoes (ou de nao realizar um esforco individual para delas se livrar) sao melhores, ela seguira agindo assim.

Voce e que esta acreditando cegamente que a pessoa socialista e coletivamente responsavel e digna e jamais se sujeitaria as condicoes necessarias para aproveitar as esmolas gratuitas, mas que a pessoa privada e individualmente responsavel e indigna o suficiente para isso, para sustentar um argumento sem pe nem cabeca.


Não há contradição no que eu digo. A pessoa que tem comportamento free-rider em mercado privado de bem público está adotando uma estratégia dominante do “Jogo de Bem Público”. As coisas são bem diferentes em serviços sociais providos diretamente. Eles lidam com a eliminação de privações de capacitações que limitam as escolhas e as oportunidades de as pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agentes na sociedade. Ser conivente com tais privações é algo que contradiz a racionalidade auto-interessada. Imagine só um monte de gente pensando coisas como: “não vou me preocupar tanto se essa gripe virar uma pneumonia, afinal existe o sistema público de saúde”, “não vou me preocupar por onde ando, afinal tenho o 190 para me atender em caso de emergência”, “vou me manter analfabeto funcional para ver se no futuro eu consigo uma vaga no curso supletivo estatal”.


user f.k.a. Cabeção escreveu:


A sua comparacao e bastante conveniente na escolha de indicadores. Como se o gasto global com a saude tivesse de ser proporcional a expectativa de vida, o que entao levaria a conclusao que os americanos teriam que viver 10 vezes mais que os cubanos, se o capitalismo fosse tao bom quanto o socialismo.

O sofisma desse tipo de raciocinio e tao absurdamente claro que da ate desanimo de refutar.

A expectativa de vida e indice de mortalidade dos EUA nao sao apenas proximos dos de Cuba, sao praticamente os mesmos de todos os paises desenvolvidos e proximos de varios paises em desenvolvimento, e em cada um desses paises as condicoes particulares e os gastos globais com saudes sao bastante variados. A sua comparacao com Cuba nao passa de uma velha estrategia de socialistas decrepitos de anunciar as "conquistas sociais" do socialismo em mega-fone e se fingir de surdos a realidade geral que e muito mais negativa do que a propaganda sugere.

Simplesmente gastar muito mais com saude nao produz um resultado muito significativo nessas taxas, que se devem a outros fatores. Alem disso, os salarios praticados na America por um servico analogo ao recebido em territorio cubano sao muito distintos, pelo simples fato de que os salarios sao pagos pela produtividade marginal, e nao "global". Os barbeiros americanos nao produzem tambem muito mais do que os cubanos, mas a america gasta bem mais com barba do que Cuba, pelo simples fato de que se tem de pagar alguem para ser barbeiro na america o suficiente para que ele nao queira ser operario de fabrica ou trabalhar numa construtora. Alguem acostumado a olhar apenas a parte e nao o todo pensaria entao que instaurar o "socialismo da barba" talvez fosse uma excelente ideia, de forma analoga a que voce defende o socialismo da saude.

Os indicadores de expectativa de vida americana dao uma medida da "produtividade global" da medicina americana, mas ja aprendemos que nao e isso que ela custa de verdade. O fato do trabalho de uma maneira geral ser caro na america e que determina o alto custo da medicina por la (alem de todos os problemas corporativos que nao convem aqui explicar). Os salarios medios na America sao mais que de 10 vezes os dos cubanos. Isso inclui os dos medicos, enfermeiros e farmaceuticos.

Nao faz nenhum sentido isolar a medicina do resto da economia quando se trata de avaliar esses fatores de custo e dizer que o regime cubano de medicina socialista e mais eficiente que o americano. Esse criterio esta cientificamente errado e so serve para ilustrar discursos ideologicos bastante pueris.

Mas a pior coisa mesmo e a ideia de que qualquer esforco coletivo para reduzir a mortalidade infantil ou aumentar a expectativa de vida sao justificaveis do ponto de vista moral, mesmo indo contra o interesse individual de cada um. Isso eu acho que ja deixei claro antes e voce nao apresentou nada que questionasse seriamente essa critica.

Eu nunca disse que o americano nao gostaria de ter uma saude melhor, o que eu disse e que ele calcula o seu consumo de maneira a maximizar sua satisfacao, e aparentemente eles nao estao gastando todo o salario em medicina por nao acharem que isso seria melhor para eles, mesmo que melhorasse um pouco seus niveis de saude.

E completamente diferente do africano que simplesmente nao tem o que gastar para obter comida por ser miseravel. Ele nao tem opcoes de bem estar para sacrificar, mas o americano medio tem varias, e mesmo assim nao o faz. Pense um pouco nisso.



Só o gasto privado per capita com saúde nos EUA é semelhante ao PIB per capita cubano. Se os recursos são MUITO MAIORES nos EUA, porque seus indicadores de saúde não são SEQUER melhores que os cubanos? Custos burocráticos? Improvável, Cuba é um país socialista. Salários baixos de funcionários cubanos rebaixam os custos? Se por um lado o governo cubano paga valores mais baixos aos funcionários de saúde, por outro, a medicina cubana é muito menos capital–intensiva que a americana, o que significa que o mesmo estoque de capital emprega um número muito maior de trabalhadores em Cuba do que nos EUA. A influência do custo salarial sobre os preços de mensalidades é limitada pelo mecanismo neoclássico de substituição entre capital e trabalho nos EUA (“efeito substituição” do trabalho pelo capital). A diferença de valoração subjetiva da saúde limita os resultados da produtividade global da saúde americana? Ora, é claro que você pode imaginar que, em média, aqui se pague por um quadro de Van Gogh um milhão de vezes menos do que na Holanda. A diferença de valores dos preços mostram que o conteúdo subjetivo da consideração de bem-estar em ter aquele quadro varia muito de lugar para lugar. Mas por mais díspares que sejam os comportamentos, pensamentos e hábitos de duas pessoas, nada muda o fato de que ambas tem necessidades muito simples e semelhantes: ambas precisam respirar, evitar a morbidez e a subnutrição. É claro que se você diz que a função utilidade do consumidor americano médio é o fator essencial que justifica os indicadores inferiores de saúde dos EUA em relação aos de Cuba, você vai chegar à conclusão de que os americanos pobres são vagabundos irresponsáveis que não reservam recursos suficientes para tratar de sua própria saúde e a de seus filhos.


user f.k.a. Cabeção escreveu:

O empresario nao precisa querer vender a estrada para ter interesse em faze-la. Se a estrada servir ao interesse da sua compania, e o uso que alguns free-riders eventuais fizerem nao o atrapalhar significativamente, ele nao tera a menor razao para instalar um pedagio nela.

Se eu construo um shopping center para vender as lojas e alguns moleques que nao querem comprar nada nessas lojas resolverem entrar para usufruir das instalacoes de conforto que eu criei para os verdadeiros clientes das lojas, eu tenho duas opcoes: eu posso coibir os "free-riders" instalando catracas no shopping ou eu posso tolera-los ja que os custos desses sistemas e os transtornos que os clientes das lojas sofreriam seriam proibitivos.

Esses moleques nao parecem ter impedido a construcao dos shoppings, e eu nao sei se voce teria o descalabro de dizer que os empreendedores que fizeram esses shoppins sao "empreotarios" por isso.

Eu poderia ficar aqui dando uma caralhada de exemplos de situacoes onde pode ser razoavel tolerar algum tipo de comportamento "free-rider" residual, ja que o interesse principal nao era aquele e os custos do combate a esse tipo de comportamento sao altos. Mas acho que ja me fiz entender.

A minha hipotese era bem simples: uma empresa constroi uma estrada porque caminhoes precisam chegar numa determinada fabrica afastada, e eventualmente algumas familias e comerciantes se instalam na beira dessa estrada e transitam por ela a pe e com seus veiculos. Essa situacao e bastante real, nao exige um exercicio de imaginacao para ser concebida, basta observar exemplos reais de como as primeiras estradas de muitas regioes apareceram, sem terem sido planejadas por nenhum burocrata.


Os donos de shoppings centers não são empreotários porque eles recebem as receitas dos aluguéis dos terrenos e do serviço de estacionamento. E a razoabilidade da existência de um ou outro empreotário não evidencia nada.


user f.k.a. Cabeção escreveu:

Acho que as pessoas que pagam o pedagio da linha amarela em horarios diversos no Rio de Janeiro discordariam de voce.

As estradas comerciais seriam produzidas de maneira a satisfazer a demanda por elas. Estradas nao congestionadas sao um servico para quem quer trafegar mais rapido. As empresas teriam que se encarregar de mante-las descongestionadas para seus clientes, da mesma forma que empresas de telecomunicacao em banda larga fazem com suas vias de trafego de informacao.

O seu argumento aqui e extremamente amador, aceitavel apenas quando vem de alguem curioso mas destreinado, como o Aranha.


Eu chamo de “estrada não-congestionada” aquela via em que o fluxo diário de veículos é NATURALMENTE baixo suficiente para classificá-la assim. Tem uma estrada não-congestionada que serve atalho e que passa por uma região desabitada de dunas, mas liga o conjunto habitacional onde moro a um bairro nobre da cidade. Foi construída apenas em 1996. Tem um bairro na minha cidade que, até pouco tempo atrás, suas ruas não tinham qualquer asfalto, mas agora têm. E não foi nenhum empreotário que construiu ambas.


user f.k.a. Cabeção escreveu:


Pois e, acontece que a funcao de utilidade coletiva nao existe, e uma aberracao conceitual, uma completa quimera.


Não há necessidade de qualquer função utilidade coletiva. Basta uma função utilidade individual para demonstrar o que eu disse. Num problema muito básico, xi representa a quantidade de mercadoria i e f(x1,..., xn), mede o nível de utilidade com o consumo de x1 unidades do bem 1, x2 unidades do bem 2, e assim por diante. Denotemos o preço das mercadorias por p1x1,..., pnxn. Para maximizar U (x1,..., xn) sujeita à p1x1 + p2x2 + ...+pnxn, obviamente vai existir um número ótimo de bens públicos que o consumidor deseja. Se o bem público for muito caro, indivisível e beneficiar um número gigantesco de pessoas, então é mais provável não haverá comprador deste bem público devido à existência do efeito carona, uma vez que a soma do valor das taxas privadas pagas diminuem com o aumento gradativo do número de caronistas, à medida que as pessoas se dêem conta que carona é a estratégia dominante no “Jogo do Bem Público”. Mas isto não quer dizer que as pessoas não se disporiam a pagar tais taxas que garantiriam a aquisição do bem público se soubessem previamente que todos pagariam (inexistência de “carona”). Devido a isso, é mais provável que um indivíduo diga que maximiza seu bem-estar passando de um “equilíbrio de Nash perverso” para adoção de uma estratégia mais coletivista do que o contrário.
Editado pela última vez por Huxley em 06 Fev 2009, 04:09, em um total de 5 vezes.
“A boa sociedade é aquela em que o número de oportunidades de qualquer pessoa aleatoriamente escolhida tenha probabilidade de ser a maior possível”

Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)

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Huxley
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Huxley »

Herf escreveu:
A única - e irrelevante - diferença é que no caso da sirene o tal "custo" vai diretamente ao comprador da sirene, enquanto no segundo caso as coisas ocorrem de forma mais indireta: aproveitando-se do público do cinema, o comércio circundante deixa de investir em melhorias em seus estabelecimentos. Poderia-se dizer que há um "custo social" aí, de qualquer forma. No primeiro caso, não será adquirida a sirene. No segundo, não haverá investimento em melhorias para o consumidor.

Ademais, não chegaremos a qualquer acordo se você continuar considerando que o ato de não participar da compra de uma sirene é um "custo" imposto pelos que se negam a participar sobre os que adquirem o bem. Obviamente, em termos contábeis tal recusa representará uma despesa a mais aos que adquirem o bem. Mas não estamos falando em termos contábeis, e sim políticos.


Se o bem público for muito caro, indivisível e beneficiar um número gigantesco de pessoas, então é mais provável não haverá comprador deste bem público devido à existência do efeito carona, uma vez que a soma do valor das taxas privadas pagas diminuem com o aumento gradativo do número de caronistas, à medida que as pessoas se dêem conta que carona é a estratégia dominante no “Jogo de Bem Público”. Este pode ser o caso da sirene de tornado. Mas isto não quer dizer que as pessoas não se disporiam a pagar tais taxas que garantiriam a aquisição do bem público se soubessem previamente que todos pagariam (inexistência de “carona”). Enquanto você não entender que exploração de externalidades positivas por caronistas é perda e não apenas não-ganho, não avançará um milímetro no seu argumento.

Herf escreveu:
No final das contas, a provisão privada daquilo que se chama de bem público é justificada tão somente pela liberdade de cada um de não investir naquilo que não é de seu interesse. A melhor alocação dos recursos disponívais apenas decorre logicamente daí, e de outros dois princípios que vêm sendo observados no tópico: (1) a natureza altruísta/egoísta das pessoas é a mesma tanto em um mercado livre como no socialismo e (2) cada um - e não um agente do estado - sabe o que é melhor para si.


Você toma como axioma que uma pessoa jamais sacrificaria sua própria liberdade para maximizar seu bem-estar individual. Isto está errado, porque é justamente porque “cada um sabe o que é melhor para si” que a provisão privada de bens públicos é menos eficiente que a estatal. É justamente pelo fato de a estratégia auto-interessada “carona” ser a dominante em bens públicos que todas as pessoas entram num “equilíbrio de Nash perverso”. Você já ouviu falar em “Jogos de Bem Público” e os resultados das experiências da disciplina chamada Economia Experimental? A sua frase é típica das pessoas que não conhecem as implicações da teoria dos jogos no individualismo metodológico. Como já dizia um teorema de Arrow: “No mundo da economia o todo não só é maior como também pode ser bem diferente da soma das partes. O coletivo têm regras próprias de funcionamento e uma racionalidade diferente das individuais”.

Herf escreveu:
O fato é que se 100% da população se sentir insatisfeita em bancar a pesquisa científica, você continuará prevendo que, mesmo assim, "a coletividade" está sendo beneficiada e está muito bem obrigado. "O povo vai mal, mas o país vai bem". Miserável contradição.


Errado, jamais pensaria isto. Se 100% da população não quer bancar a pesquisa científica, então é claro que ela tem legitimidade em reivindicar a exclusão de P & D do orçamento estatal através de mecanismos democráticos.


Herf escreveu:

Só se pode falar em termos de maiorias e minorias usufruindo de bem-estar e impondo custos umas às outras. Não é como se houvesse um ente chamado "coletividade" cujo bem-estar é independente do dos indivíduos.

Aliás, essa é uma das distorções da linguagem política mais presentes no discurso socialista: fazer as pessoas acreditarem que têm suas liberdades tolhidas para o seu próprio bem. Você tem que abrir mão de tal coisa pelo bem "da sociedade", e como você faz parte "da sociedade", logo é para o seu próprio bem. Quer dizer, é uma armadilha retórica para esconder a realidade dos fatos: umas pessoas sendo sacrificadas para o usufruto de outras. Minorias sendo sacrificadas para o usufruto de maiorias. Mas falando assim não parece tão atraente.


1- No post anterior, eu citei o caso de um infanticídio para justificar que o bem-estar coletivo pode ser independente da vontade de bem-estar de um grupo menor de indivíduos. Ora, se o indivíduo que sofre a coerção estatal é injusto, que se dane a sua liberdade para fazer o que quer. O peso do bem-estar do injusto sempre deve ser considerado menor do que o bem-estar das outras pessoas envolvidas no crime.

2- Vale a pena citar um trecho de “Direito, Legislação e Liberdade”, de Friedrich Hayek:

“Nossas considerações nos levam, pois, a concluir que deveríamos considerar como a ordem social mais desejável aquela que escolheríamos se soubéssemos que nossa posição inicial seria nela decidida exclusivamente pelo acaso. (...) Embora possamos imaginar alguém que, por exemplo, considere o estilo de vida desfrutado pela aristocracia fundiária o mais atraente que se possa ter, e escolher uma sociedade em que essa classe existisse se lhe fosse assegurado que ele ou seus filhos a ela pertenceriam, essa pessoa provavelmente faria outra opção se soubesse que tal posição seria determinada por sorteio, havendo, conseqüentemente, maior probabilidade que ela se tornasse trabalhadora agrícola. É bem provável que, nesse caso, escolheria um tipo de sociedade industrial que não oferecesse tais regalias a uns poucos, mas proporcionasse melhores perspectivas à grande maioria.”

É claro que se a legislação dedicar atenção especial a poucas pessoas, ela pode falar em indivíduos, mas se que tiver que lidar com milhares, fatalmente terá que pensar em termos de “social”. O demagogo que ao fazer uma crítica ao “social” embute uma acusação de falácia nominalista está apenas disfarçando o fato de que crê que não se deve dá atenção alguma à coletividade, e sim a poucos indivíduos notáveis, desprezando todos os demais. É suspeito que alguém assim use a disseminação de sua ideologia para defender seus interesses de classe. Isto porque, embora seja discutível que a doutrina libertária têm princípios de justiça que beneficiam todos os segmentos sociais (é possível, mas é discutível), com certeza seus princípios de justiça beneficiam as pessoas economicamente mais poderosas (grandes capitalistas e grandes consumidores).

Querer a todo custo um estágio onde “só se pode aumentar o bem-estar de uma pessoa sem reduzir o bem-estar de outra pessoa” é esquecer que este estágio existe quando coexistem a miséria e o luxo, pois neste caso, os miseráveis não poderão melhorar suas condições sem que os ricos piorem as suas.


Herf escreveu:

1 - É difícil imaginar uma situação hipotética? Eu até dei a alternativa do condomínio, caso o exemplo do hotel fosse absurdo demais para você. Construa o condomínio, estabeleça-se no contrato de alguel que cada um paga sua água e eletricidade e ponto. Fique sentado em casa vivendo da renda dele. Tem-se um caso equivalente ao da estrada. Vamos proibir a construção de condomínios para aluguel em nome de uma melhor utilização dos recursos da sociedade.

2 - Uma estrada não comporta um número indefinido de usuários.


1- Se os inquilinos pagam as despesas de água, eletricidade, etc., isso é igual ao caso em que o proprietário do imóvel é aquele que paga todas estas despesas e cobra cada valor de aluguel individualmente baseado nas despesas de cada inquilino. Não há free-rider.

2- Uma estrada não-congestionada, POR DEFINIÇÃO, é aquela em que o fluxo diário de veículos é baixo suficiente para classificá-la assim. A propriedade de não-rivalidade significa que o uso do bem por uma pessoa não diminui o bem-estar de outra em usar aquele bem. Nada tem a ver com não comportar “um número indefinido de usuários”. “Condomínio para alugar” não é bem público, já que é um bem rival e excluível. Já a estrada não-congestionada...
“A boa sociedade é aquela em que o número de oportunidades de qualquer pessoa aleatoriamente escolhida tenha probabilidade de ser a maior possível”

Friedrich Hayek. “Direito, legislação e liberdade” (volume II, p.156, 1985, Editora Visão)

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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »

Aranha escreveu:- Eu expliquei anteriormente que qualquer iniciativa privada procuraria limitar o acesso ao alarme apenas aos pagantes, e não é esse o desejo dos potenciais clientes, caso não seja óbvio então demonstre que as pessoas estão mais dispostas a assumir este risco de forma individualizada do que socializá-lo.



Errado.

Iniciativas privadas nem sempre se restringem a pagantes. Quanto voce paga para usar o servico de busca do Google? Ou para receber as noticias e programas da rede Globo? Pois e.

Alem disso, voce e que esta afirmando que as pessoas "naturalemente querem socializar um risco atraves de um Estado". Eu simplesmente duvido dessa afirmativa generalizada, entao o onus da prova e seu.

Eu acho que existem mecanismos de externalizacao de riscos privados, como diversos tipos de seguros, que poderiam dar conta do problema. Voce e que esta afirmando taxativamente que as pessoas manifestam obvia preferencia pelo mecanismo do Estado, o que nao e nem um pouco obvio.

A verdade e que o mecanismo do Estado e imposto e as pessoas se ajustam a ele, e de certa forma tendem a considera-lo parte da realidade objetiva e imutavel que determina as condicoes dentro das quais elas devem operar. Isso quando nao desenvolvem visoes distorcidas acerca do que o Estado realmente faz, acreditando que ele prove magicamente coisas do ceu.

E claro que essa cultura produz um vies na percepcao geral do Estado, introduzindo assim uma dificuldade real para a adocao de uma ordem mais livre. O que de maneira alguma permite concluir que o Estado e a solucao mais conveniente e que as pessoas, na medida que desenvolvam ferramentas para observar com mais acuracia a forma como os incentivos se produzem, nao optarao por uma ordem mais livre baseada no direito a propriedade privada.


Aranha escreveu:- Por vários motivos: 1 - Há alternativas melhores (policiamento, desarmamento, desviar o trânsito, etc.); 2 – Porque o custo ficaria impagável para os contribuintes; 3 – Só os contribuintes com carro seriam beneficiados.


Melhores em relacao ao que? Voce e que esta determinando criterios de optimalidade completamente arbitrarios.

O que eu falo e bastante simples: as pessoas sabem o que querem e por essa razao podem organizar-se voluntariamente, desenvolvendo mecanismos de cobranca que parecerem mais eficazes.

O Google poderia te cobrar um centesimo ou um milesimo de centavo por cada busca que voce faz na internet. Mas ele deixa voce fazer de graca e cobra dos anunciantes.

Uma empresa que anuncia furacoes poderia fazer o mesmo. Ela poderia ser muito bem uma emissora de televisao ou radio, por exemplo, ou um site de previsao do tempo na internet.

Cobrar diretamente por um servico prestado e uma das diversas formas de se lucrar e satisfazer os clientes. E nem sempre e a mais eficaz ou adequada.


Aranha escreveu:- Novos entrantes poderiam se negar a participar da parceria, afinal se a sirene já está lá pra que pagar?


Isso so e um problema no modelo fixo de sirene de tornado que voce acredita que seria instalada.

Se uma empresa grande, ou ONG filantropica resolvesse fornecer o servico de graca, esses free-rides nao seriam problema. Se o servico fosse prestado por meio de pagers distribuidos para assinantes, tambem nao. Ou se a informacao fosse anunciada por um canal de informacao que se financia atraves de publicidade.

O fato de uma solucao livre parecer ruim nao quer dizer que nao existe solucao e que portanto o Estado deve impor algo a todos. Voces e que tem uma visao e imaginacao extremamente curtas para perceber que mecanismos contratuais dos mais diversos podem ser elaborados contornando essas dificuldades particulares.

A unica questao real passa a ser o quanto a tradicao vigente pela solucao estatal compromete as diversas possibilidades de aplicacao de solucoes livres. Esse e um fator que pode variar bastante de sociedade para sociedade, assim como de servico para servico. As telecomunicacoes podem ser privatizadas eficientemente de maneira relativamente simples e pouco dolorosa na maioria dos paises, o mesmo nao pode ser dito dos servicos de saude e previdencia em algumas sociedades, ou das forcas armadas na maioria delas.


Aranha escreveu:- Se você reduz tudo ao indivíduo(eu, eu, eu...), com certeza não existe, um consenso só pode nascer através de interação social (reunião, votação, eleição, aclamação, debate, diálogo, etc.), esses seus exemplos individualizados nem arranham o conceito de consenso.



Errado.

O consenso nasce do reconhecimento mutuo das vantagens individuais de uma colaboracao. Nao se trata de um individuo se submetendo a uma maioria pelo "bem de todos". Sao dois ou mais individuos reconhecendo que unindo suas forcas para buscar um determinado objetivo comum eles podem ser melhor sucedidos (nas suas proprias escalas individuais de valor) do que se agissem solitariamente, ainda que para se unirem admitam alguns pequenos sacrificios necessarios para a existencia da cooperacao.

A democracia pode ate ser estabelecida assim, mediante contrato previo entre os participantes, que determine como a administracao de alguma propriedade comum se dara.

Exemplos: condominios de moradores ou empresas em regime de sociedades anonimas. Qualquer um que tenha fundado o condominio ou tenha comprado um apartamento nele sabe que estara sujeito aos protocolos administrativos definidos, e o mesmo vale para aqueles que fundam ou compram capital votante de uma S.A..

Isso nao elimina o individualismo, ja que foram os individuos que escolheram esses contratos com esse tipo de clausula de decisao coletiva por um mecanismo democratico.


Aranha escreveu:- No caso debatido aqui, que é a sirene de tornados, obviamente todos contribuintes tomam parte do risco, o estado não realoca sinistro algum, apenas obriga a contribuição e garante que todos usufruirão do benefício, inclusive os inadimplentes, turistas, clientes e parentes que estiverem de passagem e nunca contribuíram.



E porque todos os contribuintes devem tomar parte do risco, se eles percebem esse risco diferentemente? Se eu tenho uma casa de concreto armado eu certamente tenho menos a temer com relacao a tornados do que se eu tiver construido minha casa em madeira. Talvez eu nao tenha nada a temer. Porque diabos eu devo comprar um seguro ou um alarme que nao me interessa?

Seguros e alarmes privados nao cobram de quem nao tem interesse. Se turistas, clientes e parentes tiverem interesse, eles procurarao se segurar tambem. Ou voce e favoravel ao governo brasileiro bancar um seguro de saude para turistas apenas porque seria "bom estimular o turismo". Argumento mais fraco esse.
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Herf
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Herf »

Herf escreveu:O fato é que se 100% da população se sentir insatisfeita em bancar a pesquisa científica, você continuará prevendo que, mesmo assim, "a coletividade" está sendo beneficiada e está muito bem obrigado. "O povo vai mal, mas o país vai bem". Miserável contradição.

Errado, jamais pensaria isto. Se 100% da população não quer bancar a pesquisa científica, então é claro que ela tem legitimidade em reivindicar a exclusão de P & D do orçamento estatal através de mecanismos democráticos.

Mas usar dos mesmos mecanismos democráticos para bancar um empreendimento religioso não vale, não é? Mesmo que 100% da população seja de religiosos.

Tanto o monumento religioso quanto a pesquisa científica/sirene são não-rivais e não-excludentes, mas, pelo fato de apenas os dois últimos satisfazerem a condição de "razão pública", é menos antiético tomar recursos das pessoas forçosamente com o fim de bancá-los, ao passo que para bancar o monumento religioso, tal tomada de recursos é injustificável. Tudo de forma completamente independente das preferências individuais.

Antes foi dito que:

Garantir valores religiosos com dinheiro público não é legítimo porque “sua razão não é universal, visto que milhares de anos de teologia nos deixaram claro que é impossível sustentar uma religião em bases puramente racionais e muito menos universais”.

E qual a relevância do caráter racional/científico da religião para o que estamos discutindo?

Tomar recursos das pessoas para garantir "valores científicos" não é, afinal de contas, menos antiético e ilegítimo do que o próprio ato de impedi-las de praticarem suas religiões livremente com seus próprios meios, ou menos ilegítimo do que usar destes recusros tomados para garantir qualquer outro valor que se imagine.

Quanto ao resto, estamos apenas andando em círculos.

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user f.k.a. Cabeção
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »

Aranha escreveu:- Quando se compra um imóvel assina-se apenas o contrato de compra e venda que só cita o condomínio na questão dos pagamentos atrasados, que ficam por conta do vendedor, os limites são definidos em lei, uma vez que existe hierarquia legal (uma regra condominial não pode ferir uma lei municipal, estadual ou federal), mas um comprador pode ler o estatuto do condomínio antes de comprar o imóvel, é claro.



O fato e que a propriedade apartamento encontra-se registrada em vinculo hierarquico a uma propriedade maior. Na pratica, embora existam legislacoes e protocolos especificos para cada caso, logicamente e como se o condominio fosse um "clube" do qual voce entra como socio, tendo direito a um apartamento privado para voce e aceitando respeitar certas normas, dentre elas as convencoes do estatuto que determinam como se darao as assembleias, quais sao os direitos e deveres de cada condomino.

Se esse pequeno detalhe deixa de ser mencionado quando voce compra um imovel dentro de um predio, e porque o vendedor assume que voce nao tenha saido de uma caverna e conheca normas sociais que ja sao bastante antigas.


Aranha escreveu:- Outra coisa é que nunca se estará livre de regras condominiais, mesmo em propriedades individuais, é necessário negociar acessos, usufruto de rios, segurança, galerias pluviais, abastecimento, entre outros, a menos que se decida ser um eremita.


Como eu disse, e possivel que de maneira a lidar com as questoes de externalidades locais, exista de fato uma tendencia natural para a formacao de condominios e meta-condominios (ou "confederacoes de condominios", se voce preferir), e assim haja uma relativa unicidade local da lei comum, devido a praticidade dessa solucao. Em principio, nao ha nada aqui a se questionar, e uma solucao de livre mercado como qualquer outra, analaga como estrutura de direito a um clube privado ou a uma sociedade anonima.

O que eu estou dizendo e que o Estado nao e um prototipo de condominio ou meta-condominio uma vez que ele nao emergiu da associacao de individuos atraves de contratos livres, mas das instituicoes anteriores de roubo e dominacao que o precederam.

Algumas ideias que incorporam a ideologia do "federalismo" podem ser vistas como sendo tentativas de decompor um Estado central em estruturas mas similares a condominios independentes, mas esse ponto e bem discutivel.


Aranha escreveu:- Bem, é fato que estados não constituem condomínios a partir de empreendimentos privados e também é fato que ninguém adere a um estado via livre contrato,


Perfeito, concordamos no fundamental.

Aranha escreveu:mas aí cabem duas considerações, uma é que o estado nasceu antes da propriedade privada como a conhecemos hoje,




Eu tinha comecado a escrever um texto para esse ponto em particular, mas ele acabou ficando enorme, e dificilmente seria lido. Vou tentar ser o mais curto possivel (ainda que isso seja um pouco longo tambem).

O fato e que e bastante erroneo acreditar que as instituicoes de Estado e de propriedade privada como elas existem hoje "surgiram" num dado momento, de maneira a poder assim precisar o que veio antes ou depois.

O principio basico da propriedade privada e o reconhecimento eventual e espontaneo por parte dos membros de uma sociedade de que um conjunto de regras de conduta, que permitem prever comportamentos alheios e limitar certos abusos, sao apropriadas no contexto em que cada individuo busca realizar seus proprios objetivos. Ainda que as pessoas nao compreendam como funcionam todo os intrincados mecanismos que compoem o framework moral e legal da sociedade, e bastante notorio que esses mecanismos nao sao totalmente arbitrarios, e que mesmo em culturas distintas, percebe-se a aparicao de certos elementos tais como reconhecimento cada vez mais amplo de uma esfera individual de decisoes delegada a cada um e que por sua vez permite que a ordem se estabeleca mediante trocas voluntarias entre individuos dotados de direitos de realiza-las.

Essa estrutura de mercado repousa sobre um mecanismo de transmissao de informacao bastante sofisticado: o sistema de precos. Ele traduz e transmite de forma bastante eficaz as necessidades de cada individuo face as disponibilidades de estoque existentes, para todos os bens escassos.

E importante entender que esse mecanismo de precos e algo espontaneo, produto de consideracoes e acoes simples que revelam as preferencias dos agentes individuais. Ele nao foi elaborado por burocratas ou chefes tribais como forma de organizacao eficiente. Ele e um produto da razao humana em geral, mas nao do design de alguem. Ele operava muito antes dos escolasticos espanhois e dos filosofos iluministas britanicos darem os primeiros passos corretos no sentido de desvenda-los, assim como a evolucao das especies atraves da selecao natural ocorria muito antes de Charles Darwin descreve-la pela primeira vez.

E verdade que as trocas de mercado dependem da existencia e reconhecimento de instituicoes que definem as tais regras de conduta social. Algumas destas instituicoes muitas vezes se encontram definidas "oficialmente", na forma de uma constituicao nacional ou de um codigo civil de leis que orientam e servem de base para um sistema juridico e politico. Como sao os Estados os tais responsaveis oficiais pela manutencao dessas leis oficiais, que por sua vez guardam relacao intima com as normas necessarias para a existencia de um mercado, muita gente conclui erradamente que o Estado precede o mercado logica e/ou temporalmente, o que nao e verdadeiro.

O que ocorre na verdade e que essas leis oficiais que descrevem e delimitam a esfera privada necessaria para a existencia do mercado sao na verdade concessoes que os governantes inevitavelmente precisam fazer, uns mais cedo, outros mais tarde. Embora eles tenham herdado seus amplos poderes de outros governantes e de regimes ainda mais autoritarios, e que eles tenham interesse em preservar esse poder, a forma como as pessoas percebem as vantagens de suas livres associacoes e o desenvolvimento de uma tradicao mais individualista e menos dependente da autoridade acaba forcando os governantes a reconhecer "oficialmente" certas garantias de liberdade de praticas que as pessoas ja tinham incorporado as sua cultura.

A propriedade privada e portanto uma instituicao que vem avancando sobre a estrutura primitiva de ordem de comando desempenhada por uma casta mais forte. O antigo Imperio da Violencia aos poucos cede lugar para um Imperio das Leis, mas isso nao se da atraves de revolucoes e erupcoes sociais, o que de um modo geral apenas atrasa esse processo. Isso se da atraves da lenta aquisicao de regras de civilizacao que nao sao arbitrarias, mas evoluem orientadas por uma seta moral absoluta, uma seta que aponta para a Liberdade.

Talvez isso pareca excessivamente metafisico. Mas a hipotese que eu estou fazendo e a de que a moral nao e arbitraria, algo que parece ser confirmado por elementos comuns presentes nos mais diversos grupos sociais que existem ou ja existiram, assim como processos semelhantes ou mesmo analogos de evolucao de normas observados. Essa nao arbitrariedade pode ser compreendida como um escolio do postulado que assumimos de que cada individuo prefere, escolhe e age racionalmente de acordo com valores que sao sentidos apenas por ele (ainda que possam guardar semelhanca forte ou fraca com os sentidos por outros). Dado que instituicoes de liberdade, direito e responsabilidade individuais tendem a ser as mais apropriadas, no longo prazo, para conciliar os eventuais conflitos de interesse que sempre se produzirao quando individuos possuem fins diferentes, a adocao espontanea de instituicoes que aproximam uma ordem livre parece ser viavel se os mecanismos de selecao de normas permitirem isso. Alguns individuos podem considerar momentaneamente vantajoso nao-cooperacao e o desrespeito, e eventualmente a dominacao completa dos outros, mas a manutencao desse tipo de estrategia se torna cada vez mais inviavel do momento em que os individuos racionais que estao sendo prejudicados se ocupam de elaborar por sua vez estrategias mais eficientes para eles proprios. Assim, cedo ou tarde a aparicao e o vigor desses mecanismos de defesa acabara sendo reconhecida pelos dominantes, que precisarao aceitar uma diminuicao de seus poderes.

Evidentemente o processo nao e exclusivamente unidirecional, isso apenas marca uma tendencia geral a ser seguida. Certas condicoes historicas podem favorecer ideologias de dominacao que buscam um retrocesso as ordens primitivas e tribais. O socialismo alemao no seculo XX talvez tenha sido o exemplo mais emblematico e menos disfarcado desse tipo de ocorrencia. Face a uma desilusao geral e a um sentimento de revolta que acabou sendo direcionado contra a razao e a lei, cresceu uma apologia "nostalgica" de retorno as instituicoes marciais espartanas e dos barbaros teutoes. Um culto a violencia emergiu da revolucao hitlerista, enquanto uma nacao inteira se encontrava hipnotizada por um discurso que direcionava todas as magoas acumuladas a uma especie de inimigo comum, invocando um "esforco coletivo de purificacao".

Mas seria um pessimismo muito pouco razoavel acreditar que de um modo geral a civilizacao rumaria na direcao que os nazistas e totalitaristas em geral pretendiam seguir. Aparentemente a direcao e a contraria, o que se pode perceber na Alemanha e nos demais paises socialistas que cedo ou tarde abandonaram suas intencoes coletivistas revolucionarias de destruicao da civilizacao.


Aranha escreveu:outra é que a cidadania é herdada, logo não é que haja coação, na realidade a pessoa herda sua nacionalidade com seus direitos e deveres, o mesmo acontece com um filho de um condómino, ele usufrui o imóvel e cumpre o estatuto independentemente de ter participado das assembléias ou assinado contratos.



O fato da cidadania ser herdada e de pouca importancia.

Nenhuma propriedade ou obrigacao de seus pais e imposta a voce. Se a propriedade herdada estiver vinculada a obrigacoes contratuais a serem cumpridas, e voce nao achar vantajoso cumprir essas obrigacoes, ou vender a propriedade para alguem e com o dinheiro pagar as dividas tranferidas, voce pode deixa-la para os credores.

Em principio existem mecanismos de renuncia de nacionalidade e cidadania, mas eles sao meramente recursos juridicos formais que tambem sao impostos. Em principio, voce e um escravo do governo que possui algumas chances legais, porem custosas, de comprar sua alforria, o que nao quer dizer muita coisa.

A dominacao estatal nao e justificada por hereditariade nas mesmas bases que a heranca patrimonial.

Boa tentativa, mas a natureza distinta das duas coisas e completamente evidente.



Aranha escreveu:- Quanto ao estado ser baseado na dominação e submissão dos outros, também é fato, lógico! Mas é este um dos pontos onde o considero mais necessário, o ser humano tende a se impor sobre seus semelhantes, é a natureza humana, o estado e estipula regras para os grupos se degladiarem e impõe limites para vencedores exercerem dominação sobre os vencidos, não fosse assim viveríamos na barbárie, de turbas armadas lutando ferozmente entre si, usando a força sem limite, sem limites também para a obssessão de dominar.



Como eu afirmei anteriormente, nao sao os burocratas que percebem a necessidade de uma ordem social e de regras de conduta. Sao os governantes os que exercem o tal dominio pela forca, mas mesmo eles precisam se curvar cada vez mais a capacidade dos individuos de elaborar solucoes baseadas em contratos voluntarios eficientes.

De fato, o instinto basico dos seres humanos talvez seja esse, de conquistar o que quiserem mediante o emprego de forca. Mas a razao contrabalanceia esse instinto ao mostrar que empregando estrategias diferentes e estabelecendo normas, os objetivos podem ser conquistados e ampliados. Os governantes, para manter-se ou chegar ao poder, tiveram que reconhecer de tempos em tempos essa organizacao dos individuos, atraves de garantias legais de que o Estado nao interferiria substancialmente numa esfera de decisoes individuais, ou seja a partir do reconhecimento de liberdades fundamentais.


Aranha escreveu:- O estado tem evoluído continuamente, isto você não tem como negar, a CEE, por exemplo, é alguma coisa completamente nova, onde cidadão poderão optar livremente por estados mais livres ou mais sociais na medida de suas ambições e terão a garantia de nunca sofrerem dominação e submissão além do aceitável.



A CEE e apenas a burocracia se adaptando a uma nova realidade social europeia, notadamente mais livre apos o declinio do comunismo. Mas existem varios pontos complicados onde a CEE produz mais centralizacao de poder que, ainda que nao seja excessivo, pode vir a se tornar.
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

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Aranha
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por Aranha »

user f.k.a. Cabeção escreveu:
Aranha escreveu:
- Eu expliquei anteriormente que qualquer iniciativa privada procuraria limitar o acesso ao alarme apenas aos pagantes, e não é esse o desejo dos potenciais clientes, caso não seja óbvio então demonstre que as pessoas estão mais dispostas a assumir este risco de forma individualizada do que socializá-lo.



Errado.

Iniciativas privadas nem sempre se restringem a pagantes. Quanto voce paga para usar o servico de busca do Google? Ou para receber as noticias e programas da rede Globo? Pois e.



- Você propõe que anunciantes paguem o serviço, mas o contrato com o anunciante envolveria apenas disposição da publicidade, e quanto à eficácia e a manutenção que são interesse dos usuários diretos?

– Esses níveis de serviço não são acordáveis com anunciantes e devem ser fiscalizados e avaliados, e não simplesmente utilizados como no Google e Rede Globo.


user f.k.a. Cabeção escreveu:
Alem disso, voce e que esta afirmando que as pessoas "naturalemente querem socializar um risco atraves de um Estado". Eu simplesmente duvido dessa afirmativa generalizada, entao o onus da prova e seu.

Eu acho que existem mecanismos de externalizacao de riscos privados, como diversos tipos de seguros, que poderiam dar conta do problema. Voce e que esta afirmando taxativamente que as pessoas manifestam obvia preferencia pelo mecanismo do Estado, o que nao e nem um pouco obvio.

A verdade e que o mecanismo do Estado e imposto e as pessoas se ajustam a ele, e de certa forma tendem a considera-lo parte da realidade objetiva e imutavel que determina as condicoes dentro das quais elas devem operar. Isso quando nao desenvolvem visoes distorcidas acerca do que o Estado realmente faz, acreditando que ele prove magicamente coisas do ceu.

E claro que essa cultura produz um vies na percepcao geral do Estado, introduzindo assim uma dificuldade real para a adocao de uma ordem mais livre. O que de maneira alguma permite concluir que o Estado e a solucao mais conveniente e que as pessoas, na medida que desenvolvam ferramentas para observar com mais acuracia a forma como os incentivos se produzem, nao optarao por uma ordem mais livre baseada no direito a propriedade privada.


- Assim como também não permite concluir o contrário, o que sabemos é que até hoje nenhuma experiência social viável surgiu da anarquia.

user f.k.a. Cabeção escreveu:
Aranha escreveu:
- Por vários motivos: 1 - Há alternativas melhores (policiamento, desarmamento, desviar o trânsito, etc.); 2 – Porque o custo ficaria impagável para os contribuintes; 3 – Só os contribuintes com carro seriam beneficiados.


Melhores em relacao ao que? Voce e que esta determinando criterios de optimalidade completamente arbitrarios.


- Critérios econômicos, claro!

user f.k.a. Cabeção escreveu:
O que eu falo e bastante simples: as pessoas sabem o que querem e por essa razao podem organizar-se voluntariamente, desenvolvendo mecanismos de cobranca que parecerem mais eficazes.

O Google poderia te cobrar um centesimo ou um milesimo de centavo por cada busca que voce faz na internet. Mas ele deixa voce fazer de graca e cobra dos anunciantes.

Uma empresa que anuncia furacoes poderia fazer o mesmo. Ela poderia ser muito bem uma emissora de televisao ou radio, por exemplo, ou um site de previsao do tempo na internet.

Cobrar diretamente por um servico prestado e uma das diversas formas de se lucrar e satisfazer os clientes. E nem sempre e a mais eficaz ou adequada.


- Nenhuma das alternativas que você colocou funciona melhor que a sirene, a sirene chega a todos independentemente de terem Telefone, TV, Pager, e-mail, etc. ou não, quem está na calçada e até quem está dormindo.

- Logo as alternativas privadas não levam necessariamente a um serviço de melhor qualidade ou mais abrangente ou mais eficiente.

user f.k.a. Cabeção escreveu:
Aranha escreveu:
- Novos entrantes poderiam se negar a participar da parceria, afinal se a sirene já está lá pra que pagar?



Isso so e um problema no modelo fixo de sirene de tornado que voce acredita que seria instalada.

Se uma empresa grande, ou ONG filantropica resolvesse fornecer o servico de graca, esses free-rides nao seriam problema. Se o servico fosse prestado por meio de pagers distribuidos para assinantes, tambem nao. Ou se a informacao fosse anunciada por um canal de informacao que se financia atraves de publicidade.

O fato de uma solucao livre parecer ruim nao quer dizer que nao existe solucao e que portanto o Estado deve impor algo a todos. Voces e que tem uma visao e imaginacao extremamente curtas para perceber que mecanismos contratuais dos mais diversos podem ser elaborados contornando essas dificuldades particulares.

A unica questao real passa a ser o quanto a tradicao vigente pela solucao estatal compromete as diversas possibilidades de aplicacao de solucoes livres. Esse e um fator que pode variar bastante de sociedade para sociedade, assim como de servico para servico. As telecomunicacoes podem ser privatizadas eficientemente de maneira relativamente simples e pouco dolorosa na maioria dos paises, o mesmo nao pode ser dito dos servicos de saude e previdencia em algumas sociedades, ou das forcas armadas na maioria delas.


- E se nenhuma ONG se interessar? – Fica-se sem sirene?

- A mudança do canal de informação não atende as especificações exigidas de atender o maior número de pessoas possível dentro da área da catástrofe, independentemente delas possuírem acesso ao canal ou não, além de levar a outros riscos inerentes ao canal, a sirene é a solução mais simples e correta para o problema, qualquer outra solução não estaria visando a solução do problema em si e sim visando solução para os problemas da solução.

user f.k.a. Cabeção escreveu:
Aranha escreveu:
- Se você reduz tudo ao indivíduo(eu, eu, eu...), com certeza não existe, um consenso só pode nascer através de interação social (reunião, votação, eleição, aclamação, debate, diálogo, etc.), esses seus exemplos individualizados nem arranham o conceito de consenso.


Errado.

O consenso nasce do reconhecimento mutuo das vantagens individuais de uma colaboracao. Nao se trata de um individuo se submetendo a uma maioria pelo "bem de todos". Sao dois ou mais individuos reconhecendo que unindo suas forcas para buscar um determinado objetivo comum eles podem ser melhor sucedidos (nas suas proprias escalas individuais de valor) do que se agissem solitariamente, ainda que para se unirem admitam alguns pequenos sacrificios necessarios para a existencia da cooperacao.

A democracia pode ate ser estabelecida assim, mediante contrato previo entre os participantes, que determine como a administracao de alguma propriedade comum se dara.

Exemplos: condominios de moradores ou empresas em regime de sociedades anonimas. Qualquer um que tenha fundado o condominio ou tenha comprado um apartamento nele sabe que estara sujeito aos protocolos administrativos definidos, e o mesmo vale para aqueles que fundam ou compram capital votante de uma S.A..

Isso nao elimina o individualismo, ja que foram os individuos que escolheram esses contratos com esse tipo de clausula de decisao coletiva por um mecanismo democratico.



- Em que seu conceito de consenso inviabiliza o que eu propus?

user f.k.a. Cabeção escreveu:
Aranha escreveu:
- No caso debatido aqui, que é a sirene de tornados, obviamente todos contribuintes tomam parte do risco, o estado não realoca sinistro algum, apenas obriga a contribuição e garante que todos usufruirão do benefício, inclusive os inadimplentes, turistas, clientes e parentes que estiverem de passagem e nunca contribuíram.



E porque todos os contribuintes devem tomar parte do risco, se eles percebem esse risco diferentemente? Se eu tenho uma casa de concreto armado eu certamente tenho menos a temer com relacao a tornados do que se eu tiver construido minha casa em madeira. Talvez eu nao tenha nada a temer. Porque diabos eu devo comprar um seguro ou um alarme que nao me interessa?


- Simples, porque eu, ou alguém da minha família, ou meu empregado, ou minha visita, ou minha mãe que mora na cidade, podemos estar fora da casa de minha casda de concreto ou de meu carro blindado no momento do tornado.

user f.k.a. Cabeção escreveu:
Seguros e alarmes privados nao cobram de quem nao tem interesse. Se turistas, clientes e parentes tiverem interesse, eles procurarao se segurar tambem. Ou voce e favoravel ao governo brasileiro bancar um seguro de saude para turistas apenas porque seria "bom estimular o turismo". Argumento mais fraco esse.


- Não se trata de um risco de natureza particular e individual como uma doença e sim um risco natural de impacto geral, logo a analogia com seguro saúde não procede.

- Se moro em uma região sujeita a tornados, o mínimo que devo fazer para não desestimular acesso de fornecedores, visitas familiares e até migrantes é oferecer alguma forma de, ao menos, avisar.

Abraços,
"Grandes Poderes Trazem Grandes Responsabilidades"
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Re: O contra-senso do “socialismo de boa índole”

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »

Aranha escreveu:- Você propõe que anunciantes paguem o serviço, mas o contrato com o anunciante envolveria apenas disposição da publicidade, e quanto à eficácia e a manutenção que são interesse dos usuários diretos?

– Esses níveis de serviço não são acordáveis com anunciantes e devem ser fiscalizados e avaliados, e não simplesmente utilizados como no Google e Rede Globo.



Aqui voce apenas balbuciou e gaguejou porque nao estava esperando que um mecanismo tao simples pudesse desmentir o que voce tinha postulado.

Voce tinha afirmado anteriormente que a iniciativa privada procuraria "restringir o acesso ao servico aos pagantes". Nao vejo o Google e a Rede Globo fazendo isso. E tambem nao vejo o Google nem a Rede Globo precisando ser "fiscalizados" e "avaliados" para que o publico saia satisfeito.


Aranha escreveu:- Assim como também não permite concluir o contrário, o que sabemos é que até hoje nenhuma experiência social viável surgiu da anarquia.



Essa afirmacao nao possui nenhum sentido proprio, sem que voce defina o que quer dizer com experiencia social, viabilidade e anarquia.

Se voce pegar o discurso anarquista revolucionario historico e suas insurgencias violentas, por exemplo na Espanha pre-franquista, eu concordo com voce. Aquilo era apenas uma rebeliao comunista mascarada por um ideal libertario.

O meu "anarquismo" nao tem nada a ver com imposicao violenta de algum principio social que procure produzir uma "experiencia estavel".

Ele e o estado das coisas decorrente da percepcao gradual e nao diretamente consciente de que mecanismos de mercado podem desempenhar todas as funcoes dos governos de maneira mais eficiente. E a lenta substituicao da cultura de pura dependencia e submissao por uma cultura de pura liberdade individual e responsabilidade.

Existem varios mecanismos anarquistas operando, de empresas de cartoes de credito a propria Internet (os governos ate tentam restringir certos comportamentos na internet atraves de leis, mas certamente nao e por conta da eficiencia precaria dessas leis que a internet funciona e atende aos seus usuarios).


Aranha escreveu:- Critérios econômicos, claro!



O que e um criterio economico para voce?

Como um criterio economico qualquer poderia justificar do meu ponto de vista a construcao de um aparelho que nao me interessa com o meu dinheiro, por exemplo, o psicinao de ramos?

Seria esse o mesmo criterio economico que absolveria o bandido que rouba a sua televisao pelo fato dele ser mais pobre que voce e nao poder comprar uma televisao propria?



Aranha escreveu:- Nenhuma das alternativas que você colocou funciona melhor que a sirene, a sirene chega a todos independentemente de terem Telefone, TV, Pager, e-mail, etc. ou não, quem está na calçada e até quem está dormindo.

- Logo as alternativas privadas não levam necessariamente a um serviço de melhor qualidade ou mais abrangente ou mais eficiente.



O seu silogismo e completamente desprovido de sentido.

A sirene tem suas limitacoes: pessoas surdas, pessoas que estao dentro de edificios acusticamente isolados.

Voce nao vai conseguir criar um sistema perfeito, tanto publico quanto privado. Eficiencia aqui nao e abrangencia num sentido arbitrario, mais simplesmente do ponto de vista de quem paga e quer o servico.

Quem paga para receber um sms de aviso de tornado sabe o valor que aquele servico tem para ele. Quem e obrigado a comprar a "sirene coletiva" tem uma ideia diferente.

Silogismos falaciosos como esse seu poderiam ser produzidos para virtualmente todos os bens de mercado: afirmamos que o mecanismo de mercado impede que certas pessoas usufruam igualmente do bem em questao, estabelecemos a priori (quase que "por definicao") que o mecanismo governamental nao sofre desse mesmo mal e "shazam!": temos o argumento para o socialismo absoluto definitivo.

E exatamente assim que voce, o Huxley e outros pensam.


Aranha escreveu:- E se nenhuma ONG se interessar? – Fica-se sem sirene?



Pois e. Assim como nenhuma ONG se interessou em me comprar um Porsche e agora eu estou sem. Talvez eu deva procurar pelos politicos para consegui-lo...

Eu acho divertidissima essa patacoada socialista de que certas coisas precisam existir por definicao.

Um alarme nao "precisa existir" simplesmente porque tornados podem ocorrer e causar prejuizos. Muita coisa pode ocorrer. Algumas com alta probabilidade, outras com baixa. O governo nao pode cuidar de tudo isso.

Se os prejuizos potenciais de um tornado forem realmente grandes, isso produzira por si so uma demanda por formas de protecao, dentre elas seguros, alarmes, abrigos e etc. O mecanismo segundo o qual as pessoas comercializarao essas coisas nunca e conhecido a priori. Ele pode ser copiado de outro contrato similar, ou pode ser inventado para acomodar as condicoes especificas daquela situacao.

E claro que se um Estado obriga-las a bancar um alarme coletivo, nenhum outro mecanismo precisara surgir. Mas e uma inferencia tola acreditar que o fato do Estado ter fabricado o alarme com dinheiro dos impostos prova alguma coisa exceto o poder que o Estado tem de fazer esse tipo de coisa arbitrariamente.



Aranha escreveu:- A mudança do canal de informação não atende as especificações exigidas de atender o maior número de pessoas possível dentro da área da catástrofe, independentemente delas possuírem acesso ao canal ou não, além de levar a outros riscos inerentes ao canal, a sirene é a solução mais simples e correta para o problema, qualquer outra solução não estaria visando a solução do problema em si e sim visando solução para os problemas da solução.



Voce faz afirmacoes completamente absurdas e nem percebe.

Isso porque o problema para voce e completamente diferente do problema para mim.

Para voce o problema e completamente alocativo, algo a ser resolvido por um departamento burocratico: qual e o mecanismo mais apropriado que podemos desenvolver para alertar o maior numero possivel de habitantes naquela regiao de um eventual tornado, dadas as atuais restricoes tecnologicas e orcamentarias?

Para esse problema administrativo, a sirene publica pode surgir como solucao "correta".

Mas trata-se de uma obvia peticao de principio, uma vez que voce ja tinha presumido a existencia de uma equipe de burocratas encarregadas de impor uma solucao a todo mundo, e e exatamente isso que eu questiono, e nao o objeto sirene em si.

O meu problema e completamente diferente. Temos individuos que podem sofrer prejuizos de diferentes intensidades com a ocorrencia de um tornado. Que tipo de solucao pode ser desenvolvida para o bem que eles procuram, que e o de receberem alertas de tornado, e que leve em consideracao o interesse de cada um deles por ter ou nao esse bem.

E nesse caso varias coisas podem ser feitas, e a unica forma de julgar a mais correta disponivel e atraves da competicao de mercado. O que nao quer dizer que alguma delas sera a "mais correta possivel".

E como afirmar que existiria um computador ou telefone celular ou automovel mais simples e correto para resolver o problema das pessaos de calcular, conversar e se locomover.

No mercado, existe espaco ate para uma solucao "democratica" competitiva, segundo o mecanismo que eu expliquei de condominios coletivos. Condominios regulados de acordo com contratos previos poderiam determinar, via assembleia ou determinacao do sindico, "impostos" que serviriam, entre outras coisas, para comprar e conservar uma sirene de tornado.

Talvez esses condominios acabassem sendo a forma dominante de contrato, e com eles, as solucoes publicas do tipo "sirene de tornado".

Mas isso e completamente diferente de dizer que existe a priori um conjunto de objetivos coletivos a serem resolvidos burocraticamente. Aqui, individuos decidiram por um mecanismo democratico que vincula as suas propriedades atraves de obrigacoes contratuais mutuas. Nao se trata de alguem sendo extorquido porque a maioria assim decidiu "que era melhor".


Aranha escreveu:- Em que seu conceito de consenso inviabiliza o que eu propus?



O seu conceito de consenso e completamente desprovido de sentido.

No seu mundo, por razoes misticas, duas pessoas podem decidir o destino de uma terceira nao previamente vinculada, pelo simples fato de serem majoritarias naquele conjunto.

No meu mundo, todo consenso deriva de uma unanimidade previa que definiu os termos de um contrato. Se esse contrato, reconhecido pelas tres partes, define um escopo de decisoes que devem ser tomadas por uma maioria simples, ou seja, duas pessoas no exemplo anterior, ainda que a terceira desacorde, ela se encontra vinculada a um contrato prerrogativo que endossa a decisao das outras duas.

Vou exemplificar de maneira concreta.

Eu tenho a firma A, voce B, fulano C. Somos concorrentes. Isso quer dizer que as decisoes que eu tomo podem ate ser copiadas por voce, mas nao precisam ser impostas ao fulano da firma C. Nos dois nao podemos chegar a fulano e obriga-lo a nos seguir apenas porque somos "a maioria". Mas esse e o SEU conceito de consenso.

Mas se um dia nos tres decidirmos formar o conglomerado ABC, e o estatuto assinado no contrato de fusao de empresas determinar que as decisoes tomadas pela maior parte do capital votante serao aplicadas, e eu e voce somados possuirmos mais capital votante que C, nos poderemos entao "obriga-lo" a nos seguir, devido ao dispositivo contratual previo que determinava isso. Esse e o MEU conceito de consenso.

Agora espero que esteja evidente como o meu conceito de consenso inviabiliza o que voce propos. Nao existindo contrato previo entre as partes envolvidas, a simples nao aceitacao de uma delas e o suficiente para a inexistencia de qualquer consenso.


Aranha escreveu:- Simples, porque eu, ou alguém da minha família, ou meu empregado, ou minha visita, ou minha mãe que mora na cidade, podemos estar fora da casa de minha casda de concreto ou de meu carro blindado no momento do tornado.


Pois e.

Um aviao pode cair na cabeca deles tambem, ja parou para pensar nisso?

Isso nao passa de demagogia barata. O Estado nao pode tomar mais precaucoes do que o individuo, ele simplesmente


Aranha escreveu:- Não se trata de um risco de natureza particular e individual como uma doença e sim um risco natural de impacto geral, logo a analogia com seguro saúde não procede.

- Se moro em uma região sujeita a tornados, o mínimo que devo fazer para não desestimular acesso de fornecedores, visitas familiares e até migrantes é oferecer alguma forma de, ao menos, avisar.



Nada de errado com o principio de aumentar os atrativos da regiao oferecendo certas garantias a parceiros comerciais e visitantes.

O que esta errado e achar que o mecanismo de opressao do Estado e a unica forma de se fazer isso, ou que de alguma maneira a mais justificavel ou a mais adequada. De certo, sera mais adequada para alguns, os que nao pagarao pelo que querem ter. Mas isso so se consegue atraves do pagamento feito pelos que nao queriam ter. Sempre.
"Let 'em all go to hell, except cave 76" ~ Cave 76's national anthem

Trancado