Rede de ONGs lança ação mundial por mudanças nas leis antidr

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Mucuna
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Re: Rede de ONGs lança ação mundial por mudanças nas leis antidr

Mensagem por Mucuna »

Ayyavazhi escreveu:Pensei bastante em tudo o que li, antes de responder, e acredito que as soluções não são tão simples quanto uma mera troca de posts sugere. Vi muita lógica em algumas idéias suas, e tenho dúvidas sobre outras. Ainda sou um radical, no que diz respeito às drogas, mas priorizo a lucidez de raciocínio e isso me obriga a andar adiante de paixões arraigadas. É meu passaporte para o aprendizado.


Concordo contigo. Aqui estamos a trocar idéias e tentar fazer uma análise, não me vejo de forma alguma como alguém que propõem soluções. Falamos de nossas idéias e percepções e achamos que a troca é positiva.

Ayyavazhi escreveu:Entendi. Essa estratégia consiste em enfraquecer a estrutura logística do tráfico, através da redução do seu poder econômico. É uma possibilidade. E, possibilidades, costumo dizer, são infinitas. Poderia dar certo, tanto quanto o traficante poderia contra-atacar, colocando em curso uma onda de terror e intimidação. Por exemplo, os pontos de vendas legalizados (seja lá como for isso) e/ou seus proprietários, sofreriam ameaças e ataques, forçando-os a desistir. Os mais recalcitrantes seriam tratados com força letal, constituindo-se em excelente propaganda para os bandidos. Depois de algumas mortes, ninguém mais iria querer competir com eles. Eu vejo isso como uma possibilidade.


Também acho que num primeiro período isso poderia acontecer. Antes, porém, queria deixar claro que não acho que todas as substâncias ilegais devam ser simplesmente legalizadas e industrializadas, vendidas nos mercados, bares e armazéns mais perto de você. Cada substância tem sua particularidade, logo cada uma tem um perfil de consumo, consumo abusivo e vício distintos. Isto tem de ser levado em conta. Por isso vemos as movimentos neste sentido sempre colocando como carro-chefe a cannabis, por ser considerada mais tranqüila, além de ser a mais consumida no mundo.

Bem, voltando a prováveis retaliações do mercado negro frente a comercialização legal de um produto antes exclusivo deles, imagino até que eles pegassem crianças e entupissem da droga em questão e largassem na rua, para "provar" que a legalização está sendo danosa. Chocar, em outras palavras. Coisas que sairiam no jornal, com sentimentalismo (não que não seja terrível). Claro que essas ameaças não são motivos para sermos reféns passivos.

Quanto ao tratamento por força letal, isso já ocorre aos baldes e não parece intimidar ninguém a se tornar um "soldado do tráfico". Acho que isso vem muito de uma espécie de "cultura dos guetos", que vou falar um pouco mais abaixo. Nem estou me posicionando a favor ou contra tal enfrentamento, só estou constatando algo que me parece uma realidade.

Ayyavazhi escreveu:
Mucuna escreveu:É, não sei... downloads de músicas, jogos, programas e filmes são feitos em peso pelos 'gringos', sem falar que é disponibilizados por eles também. Os melhores fora sobre o assunto são com os 'gringos'. Querer "se dar bem" e não pagar não é algo endêmico do Brasil. É um esporte muito bem praticado por todos.


Com certeza. Quando faço minhas críticas aos compatriotas, não estou ignorando que os mesmos erros sejam cometidos mundo afora. Mas, numa amostragem simples, fico inclinado a pensar que o coeficiente de honestidade do nosso país não é dos melhores. O que poderia ser tratado como casos isolados em outras nações mais “civilizadas”, aqui seriam situações corriqueiras. Nessas horas surgem diversos estudos, reportagens, números e tudo o mais, mostrando que nos Estados Unidos, Europa, Japão, etc., existem as mesmas mazelas mas, na prática, observamos o contrário. Muitos amigos que já viajaram para o exterior (eu mesmo posso contar algumas histórias) não tem dúvidas na hora de apontar essa grande diferença. É um fato observável, mesmo que números e estudos (?) digam o contrário.


Também acho. Só coloquei que em algumas práticas, como a pirataria através da internet, não ficamos na frente. Mas até testes ridículos feitos por Fantásticos da vida aos domingos nós falhamos. Muitos sujeitos não são capazes de devolver uma caneta bic que ele viu cair do bolso do ator se fazendo de transeunte. Aqui vemos o Estado (seja congresso, tribunais, receita, policiais etc) como inimigos e não sem razão, convenhamos. Talvez isso ajude a compor um comportamento mais egoísta. Não sei se estou falando besteira, me ocorreu isso agora. Pode ser uma questão do "ovo ou galinha".

Ayyavazhi escreveu:Faz sentido. Você demonstrou que a violência no Rio de Janeiro não pode ser atribuída somente às drogas, uma vez que elas existem no mundo inteiro e não se verifica, em boa parte do planeta, a mesma violência que cultivamos aqui. Então temos um ingrediente mais forte nessa mistura. Nosso tempero é melhor do que os outros. Você tem uma teoria para isso? Há algum estudo sério, confiável, que aponte as causas de tamanha violência associada ao tráfico de drogas no Brasil?


Não sei de nenhum estudo que tente analisar de maneira mais séria a situação. Seria uma boa procura.
Até levanto algumas idéias de como chegamos aqui, mas talvez eu acabe sendo meio que leviano por desconhecer algo que tem vários fatores influenciando. Só sei que apontar uma única causa (tráfico de drogas) não procede como já colocamos.

Eu acho muito "engraçado" ler notícias no jornal como "polícia está atrás de uma quadrilha de traficantes de drogas que rouba motos para usa-las em assaltos, sequestros-relâmpago e homicídios sob encomenda". Cara, cadê o tráfico de drogas que é o que caracteriza uma quadrilha de traficantes de drogas? Não que eu duvide que tal quadrilha também trafique, mas note que nem é mais preciso você traficar drogas para ser chamado de traficante pela polícia, mídia e pessoas em geral. Basta ser um criminoso que se refugia nos guetos (aka "favelas").

Bem, tinha falado acima da "cultura dos guetos". É algo que existe e é bem próximo. Resumidamente, as pessoas que lá crescem são submetidas a uma lei de "quem for mais mau vence" e "quando a polícia vier, corre, sai da frente". Claro que nem todos sucumbem a isso. Se o sujeito cresce numa família pobre mas há responsáveis que olhem por ele e passem valores, ou seja, se ele tem uma família de fato, ele provavelmente não vai se deixar "seduzir" por essa outra cultura presente e seus valores. Alguns mesmo de família mais centrada sucumbem, pois estão no centro da influência deste outro lado. Agora, se vc é o vulgo pivete que nem teve família (ou teve apenas uns parentes que era melhor que nem existissem) e nunca te foram nem apresentados outros valores que nós aqui prezamos (e exigimos), fica difícil.

Não ache que estou dizendo "ah, coitadinho do traficante psicopata, ele foi só uma criança que sofreu abusos e sem chances numa sociedade perversa". Não é por aí também. O cara uma vez transformado em monstrinho, arrisco dizer que dificilmente poderia ser "recuperado". A questão é que essa fábrica de monstrinho existe e vem se tornando eficiente ao longo das décadas.

Como começou e chegou neste ponto? Estou aberto a inputs (no bom sentido) :emoticon16: . Ocorreu uma "política" do deixa rolar quando começaram a formação destes "guetos". O Estado dizia oficialmente que ele não existia (logo ficou um vácuo de estruturas e poderes) e a população em geral que não estava nestes lugares achou ou conveniente, ou romântico ou estava cagando mesmo.

Claro que não dá para jogar nas 'favelas' o peso de serem fornecedores exclusivos de bandidos-monstrinhos. Temos vários exemplares destes vindos do "asfalto" (não gosto de usar essas expressões, mas vamos lá) também. Isso pode ocorrer da mesma falta de um núcleo familiar decente (porém diferente da desestrutura familiar encontrada nos guetos), da percepção da impunidade geral, ainda mais se vc tiver dinheiro e alguma condição social e na total falta de respeito pelos governantes, tribunais, policiais. Este último eu nem reprovo. Alguém aqui tem profundo respeito por estas instituições? Eles não se dão ao respeito. Isso eu acho que influencia, sim. "Eu tenho que me virar pq estou cercado de filhos da puta mesmo e quem quiser andar na linha se ferra". Junta isso com a cultura do "quem for mais mau vence" que alcança a todos nós (é fruto nosso) que começamos a entender algumas coisas.

A questão da educação formal também tem que ser levada em conta. Tava num tópico com o Acauan em que "batiamos boca" sobre esse assunto (viewtopic.php?f=1&t=19434). Acabou que acho que divergimos em muito menos aspectos do que julgavamos no início.

A polícia me preocupa muito também. Tem conhecidos (não sou amigo de gente assim) que eu sei que sempre penderam pro lado da malandragem e da onda de bandidinho. Sabe o que mais de um resolveu ser da vida? PM. Para entrar com que intenção você já imagina, né? Olha só o tipo de gente que a polícia atrái para seus quadros. O Estado tem uma máfia (no sentido clássico da palavra) infiltrada há décadas.

Eu não sei... como eu disse, sinto que eu possa estar sendo leviano em alguns comentários, mas são muitos pontos que devem ser seriamente analisados e que formam o caos vivido. Idéias, pensamentos e informações adicionais, por favor.

Ayyavazhi escreveu:
Mucuna escreveu:O uso de substâncias diversas é atrelado ao desenvolvimento das próprias sociedades, seja por tratamento, religiosidade ou diversão. O tráfico de drogas como vemos hoje foi criado quando os Estados resolveram dar o monopólio para o mercado negro e dizer que era um problema de polícia. Isso criou o tráfico, o alimenta e gera toda a violência e corrupção associadas a isso.


Isso tá mais para um oligopólio. Se olharmos pelo ponto de vista do traficante, não há um monopólio real, pois existem diversas facções lutando pela supremacia do tráfico. Exatamente por isso eu apresentei aquela dúvida sobre o êxito dessa estratégia. Veja, o traficante já está acostumado a lutar pelos seus interesses, ou melhor, acostumado a guerrear. Não sei como se daria essa legalização mas, certamente, teríamos pessoas “normais” cuidando disso, e essas pessoas estariam se metendo em briga de gente grande. Tão logo a renda dos traficantes fosse afetada, eles voltariam seus fuzis para a raiz do problema e, por certo, não encontrariam a menor resistência.


É, acho q vc tem razão no oligopólio. Não tenho conhecimento o suficiente para dizer se, de repente, ocorre um monopólio nos meios de produção de todas ou algumas substâncias e um oligopolio da venda a "varejo".

Sim, com certeza eles não ficariam parados olhando a fonte de renda deles minguar. Atacariam pelas armas mas também infiltrados na polícia, política, mídia, afinal, como eu disse, acho que estão presentes em várias esferas de poder. O responsável pelo tráfico de drogas não é só o cara sem camisa, de chinelo e de fuzil na mão em cima de uma laje. Claro que isso não é motivo para "deixar como está" se acharmos que existem outras estratégias melhores de lidar com a realidade.

Ayyavazhi escreveu:
Mucuna escreveu:Não sei pq um usuário de seja lá o que iria querer anonimato. O desejo de anonimato vem da marginalização e estigmatização. Ninguém tem vergonha e deseja anonimato ao comprar uma cerveja ou um cigarro.

É sempre bom lembrar que "drogas" é um pacote bem heterogêneo e cada substância deve ser analisada separadamente, com critérios práticos e científicos. No caso da Argentina, por exemplo, falou-se só em cannabis.


As drogas estão há muito tempo associadas ao lado mais sombrio do ser humano. Preconceito ou não, tabu ou não, o estigma já está criado. Alguns usuários iriam assumir, escancarar, mas ainda acredito que boa parte, principalmente entre as camadas mais altas da sociedade, procuraria preservar o discurso hipócrita do “eu não faço isso”. Não precisamos ir longe, o homossexualismo não é crime e muitos homossexuais escondem o fato, por vergonha, por medo, não importa. Mas escondem.


Faz sentido.
Acho que isso depende muito da substância. Acredito que mais pessoas falariam abertamente gostarem de fumar um cigarrinho de cannabis num happy hour (como já declaram atualmente) do que se declararem usuários de heroína. Se for dependente químico mesmo, aí se torna mais escondido ainda, pois nem a própria pessoa gosta da sua condição. Depende muito também de como seria o fornecimento da substância em questão. Um cara da "alta sociedade" provavelmente mandaria alguém comprar para ele e iria preferir, imagino, que fosse legal, nem que fosse somente pela qualidade garantida.

Ayyavazhi escreveu:Certo, esses países não observaram aumento no consumo, mas, houve redução? Se não houve, essa estratégia não se mostra falha em sua proposta? Outra questão, ainda mais importante, é a análise do tipo de reação que teríamos aqui. Se, como você mesmo colocou, nesses países a violência nunca foi tão extrema como no Brasil, temos já de início elementos que nos diferenciam deles. Por que os resultados, em cenários tão distintos, seriam os mesmos? Se o Brasil é um país atípico, as soluções igualmente precisarão ser singulares. Tratar desiguais com igualdade nunca dará certo. Como eu disse, são apenas possibilidades. E devemos descartá-las? Quantas mais existirão?


Não sei se houve redução, o único exemplo disso a longo prazo que temos é a Holanda e apenas com cannabis sendo vendida legalmente (apesar da produção ser ilegal ainda - são obrigados a seguir o tratado com a ONU, daí a "hipocrisia"). Se formos analisar somente números, lá se usa percentualente menos cannabis que em outros países vizinhos. Curiosamente se usa menos de outras substâncias ilegais também, apesar de se conseguir de forma tão fácil quanto qualquer outro lugar.

De qualquer forma, se vc tem um cenário que o consumo é X e sua política acaba gerando violência associada a repressão, marginalização e corrupção, não seria melhor vc ter uma política em que seu consumo se mantivesse X mas eliminasse a corrupção, violência e marginalização associada a política anterior?

Bem, se fossemos propor políticas de legalizar alguma substância a mais, com certeza deveria se pensar nas particularidades. Não sei de nenhum país com problemas semelhantes ao nosso que tenha realizado mudanças neste sentido com tempo suficiente para notarmos uma diferença (tanto positiva quanto negativa). Mas também não sei de nenhum país com problemas semelhantes ao nosso (para não falarmos do nosso mesmo) que tenha conseguido resultados positivos nesta política ao longo destes 80 anos. Isso para mim é motivo o suficiente para pararmos e pensarmos "tá legal... que mais podemos fazer? Será que não estamos seguindo moldes equivocados?"

Ayyavazhi escreveu:Colocado dessa forma, sou obrigado a reconhecer meu preconceito e intolerância. Cresci assim, praticamente odiando esse submundo. Tenho verdadeira ojeriza por tudo que esteja relacionado a drogas. Até o cigarro, tão comum e usual, me parece uma grande estupidez (perdoem-me os fumantes). O cara coloca fumaça no pulmão, a troco de quê? Mas não policio ninguém. Meus amigos fumam e nunca ouviram de mim qualquer tipo de reprovação.

Mas admito, jogar um simples usuário na cadeia por 10 anos, é demais, mesmo para intolerantes como eu.


Eu também não sou a favor de droga nenhuma. Seria melhor se eu nunca tivesse sido viciado em tabaco, que eu não bebesse alcool nenhum, que eu só comesse comidas saudáveis, só tivesse comportamntos salutares, etc e tal. Infelizmente as pessoas não são assim em tudo. Temos que reconhecer nossas limitações e entender a dos outros para podermos melhorar/ajudar.

Sabemos que há muitas pessoas que são usuárias de drogas legais e/ou ilegais e que são pessoas produtivas e boas, por assim dizer.


Ayyavazhi escreveu:
Mucuna escreveu:Agora, do viciado eu sinto pena. O cara é doente e precisa de tratamento. Ninguém acha que jogar um alcoólatra na cadeia irá resolver alguma coisa, pq acham q isso funcionaria com cocaína?
Jogam no viciado (e usuário) todo um peso moral sobre ele, que não é jogado em cima de outros doentes. Alguém passa pela ala de doenças cardíacas de um hospital e fala "a grande maioria das doenças cardíacas são evitáveis, mas estes gordos sedentários consumidores de gordura mesmo sabendo disso não estão nem aí. Deveríamos negar tratamento a todos, pois eles são fracos e preguiçosos que não querem evitar uma das maiores causa de morte no país e, por conseguinte, grande absorvedora de recursos públicos! Fizeram pq queriam, que se danem!". Ninguém faz isso com cardíacos, sedentários, diabéticos e nem com quem se ferrou ao bater de carro por estar sem cinto. Tentam justificar esse julgamento falando que "alimentam a violência", mas como coloquei acima, acho isso apenas um bode expiatório.


Esse argumento foi perfeito. Nunca olhei por esse ângulo. Talvez porque o preconceito me impedisse de ser razoável. Nada a dizer, a não ser que essa é uma maneira admirável de compreender os outros. Fico grato por ter tido essa oportunidade.


Que bom que concorda. Não por satisfazer meu ego, mas sim por também ver lógica no pensamento. Eu não pensava assim de primeira, foi depois de conversar, ler, refletir. Depois de ver várias pessoas falando que, mesmo que algumas das drogas consideradas ilegais fossem legalizadas, deveria-se negar atendimento público para estas pessoas e julga-las como imorais e até "suicidas".

Como colocado acima, a mesma linha de pensamento pode ser aplicada a inúmeras doenças e acidentes, já que a maioria deles são evitáveis com o comportamento adequado. É um "cuidado com o que pede!".

Se amanhã eu mudar o pensamento novamente, quanto aos doentes ou substâncias em si, será pelos meios que eu mudei dessa primeira vez, informação e reflexão, e não por moralismos e clichés.
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Ayyavazhi
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Re: Rede de ONGs lança ação mundial por mudanças nas leis antidr

Mensagem por Ayyavazhi »

Nada como uma boa conversa para trazer um pouco de luz à cegueira ideológica. E o mérito é nosso, Mucuna, por conquistarmos a liberdade que dispensa trincheiras, fazendo a coisa mais simples e, paradoxalmente, mais difícil ao ser humano: ouvir.

Não significa que vamos abandonar, de pronto, toda uma identidade, baseada em idéias e concepções próprias e cuidadosamente construídas. Significa que, por esse mesmo cuidado, nos disponibilizamos a rever, remodelar, atualizar, enfim, ampliar o alcance dessas idéias. Elas são nossas ferramentas de interação com o mundo e, quanto menos falíveis e imprecisas, mais poderemos realizar.

Entre esse pequeno passo e eu tornar-me um militante pró-legalização, ainda vai uma grande distância. Mas qualquer decisão a respeito, a exemplo de nossas opiniões, não pode derivar de preconceito e intolerância. A idéia que assombra alguém como eu é que, com a legalização, teríamos postos de venda de cocaína na esquina de casa e, como você demonstrou, isso é um devaneio nascido da ignorância. Cada caso é um caso, cada substância tem suas particularidades e, como tal, seriam individualmente tratadas.

A dúvida se o modelo serviria para o Brasil, permanece. A simples constatação que, aqui, o tráfico de drogas anda de mãos dadas com uma violência que não se verifica em países que optaram pela legalização, dá largas margens à dúvida e um modelo próprio, talvez, se fizesse necessário. Urge aceitar que a política atual não funciona e, se não funciona, não se justifica sua perpetuação. De uma nova política, aliás, é tudo o que esta nação precisa e esse novo cenário deve começar pela educação de nosso povo. É possível que a violência tenha algumas raízes na desinformação, no despreparo do indivíduo para se inserir em um contexto maior: a vida em sociedade. Perceber a tênue linha divisória entre as liberdades individuais e o direito coletivo, transforma gigantescos amontoados em nações civilizadas.

Não adianta tentar mudar de cima para baixo, o Brasil precisa de mudanças radicais na base da pirâmide. É de lá que saem nossos legítimos representantes, nossos governantes, nossos policiais, é lá que encontraremos o DNA da corrupção, da desonestidade e da debilidade moral, farta matéria prima para a formação de um país permissivo e excludente. Essas conclusões, que podem estar erradas, levam-me a pensar que não existe solução a curto ou médio prazo. Cada pessoa, cada cidadão teria que ser contaminado com o desejo de fazer o melhor, de deixar sua melhor marca. Substituiríamos o “se dar bem” por “fazer o bem”. Em um aspecto, essa contaminação já me atingiu. Depois dessa conversa, não posso mais me dar ao luxo de diferenciar os vícios e maus hábitos que enviam multidões aos hospitais. Achar que este vício é moralmente aceitável, enquanto aquele outro é repugnante, é uma discriminação que não sobrevive à razão. Alimentei esse preconceito a vida inteira, e não será fácil livrar-me dele. Mas estou disposto a tentar, leve o tempo que precisar.


Trancado