LULA, UM POUCO DE PSICOLOGIA, UM POUCO DE POLÍTICA
Por Reinaldo Azevedo
Problemas de formação — ou má-formação — de personalidade não escolhem classe social, cor da pele, sexo, nada. Atingem a todos igualmente. Assim é com o complexo de inferioridade, por exemplo. Pode afetar o magnata e o operário — mesmo quando o operário se torna, à sua maneira, um magnata. É o caso de Lula. Toda aquela arrogância, toda aquela jactância, toda aquela bufonaria têm, certamente, uma raiz.
A minha hipótese: como ele se sente inferior — e isso nada tem a ver com a sua origem social, reitero —, não há o que o satisfaça, não há elogio que lhe baste, não há reconhecimento que chegue. E como tudo lhe é e será sempre insuficiente, Lula canta as próprias glórias e não vê mal nenhum em ser injusto ou brutal com a biografia daqueles que o antecederam.
Sim, leitores, esta é outra característica das pessoas com déficit de auto-estima e que conseguem vencer a timidez: não veem nada além do próprio umbigo; não entendem a existência do outro senão na relação consigo mesmas; o mundo externo se define em razão de sua própria existência. No caso de Lula, como se nota, ninguém é poupado: a história do Brasil, o próprio país, FHC e até Barack Obama. Tudo o que há no mundo serve ou para adulá-lo ou para insultá-lo ou para desafiá-lo. Compreendo que o presidente goste, como ele mesmo diz, de uma “branquinha” — na verdade, ele prefere malte escocês. Não deve ser fácil viver assim.
Lula discursou ontem na abertura do 9º Congresso Nacional de Iniciação Científica, na FMU, em São Paulo. Todos já sabemos que “nunca antes na história destepaiz” — expressão que agora tem a versão internacionalmente consagrada pela revista The Economist: “Never before in the history of this country” — houve um presidente como ele. Todos já sabemos que a história do Brasil começou no dia 1º de janeiro de 2003. Antes, o país era aquele misto de Vale de Lágrimas com a Caverna dos Ladrões de que falava o PT. Aí tivemos o advento, e o país nasceu. Do nada. Antes de Lula, eram as trevas (ooops!), o caos primitivo, a desordem… Aí ele surgiu e disse: “Fiat lux” (lux?), e o país passou a existir. E, vocês sabem, sem ladrões… Disso tudo, nós já sabíamos.
Nesta sexta, ele resolveu acrescentar ineditismos à sua biografia. Ao discursar, afirmou:
“Pela primeira vez na história do País, um presidente da República vai torcer para o outro dar certo. Lamentavelmente, a prática histórica desse País é quem perde torcer para outro cair em desgraça. Eu, quando deixar a Presidência, vou ser o primeiro presidente a torcer e rezar todo santo dia para quem me suceder fazer muito mais coisas do que eu, o dobro, o triplo.”
Com a devida vênia, trata-se de um discurso politicamente vigarista. Sejamos elementares: Lula não está e jamais esteve na alma de ex-presidentes para saber o que pensavam. Dou um exemplo: o país passava momentos difíceis no fim de 2002 em razão do chamado “risco PT”, pouco importando se ele existia ou não: os mercados haviam posto um preço alto na chegada de Lula ao poder. E FHC usou o seu prestígio junto a organismos multilaterais para garantir a Lula uma transição tranquila. O PSDB e o então PFL votaram a favor das reformas que o próprio PT havia recusado quando oposição — reformas que, de novo, os tais “mercados” julgavam essenciais para o governo ser considerado “de confiança”. Isso é torcer para dar errado? Lembro que a própria base de Lula o deixou na mão.
É impressionante! Lula se diz um presidente como “nunca antes houve na história destepaiz” e já se prepara para ser um “ex-presidente como nunca antes houve na história destepaiz”. No caso em questão, além daquela prepotência típica dos que têm déficit de amor próprio, há a visão troglodita, mentirosa, da história. Uma revista como a Economist, note-se, faz um especial de capa sobre o Brasil reconhecendo méritos no governo Lula, claro; mas, é óbvio, coloca-o na continuidade de um processo de reformas iniciado em 1994, o que o petista faz questão de negar, contra todas as evidências. Ele usa a soma de seu prestígio com o seu problema de formação de personalidade para distorcer os fatos de modo miserável.
Pessoas com tais características podem ser perigosas, mormente se lideram partidos — mais ainda quando esse partido é o PT, que jamais reconheceu qualquer mérito dos adversários. A fala de Lula não se limita apenas ao auto-elogio; ela traz um componente de ameaça velada que a muitos escapará, mas que faço questão de grifar. Ao afirmar “Eu, quando deixar a Presidência, vou ser o primeiro presidente a torcer e rezar todo santo dia para quem me suceder fazer muito mais coisas do que eu, o dobro, o triplo”, está fazendo uma espécie de desafio, que, naturalmente, só terá validade se seu sucessor for um adversário político.
Dilma, já sabemos, será vendida apenas como a nova cara de Lula. O que o PT promete é um governo de continuidade, um terceiro mandato — e, assim, não há algo como “fazer mais ou fazer menos”. Trata-se de um conjunto. E não seria Lula, obviamente, a anunciar caso faça a sua sucessora: “Essa Dilma aí não é de nada!” Essa história de fazer o dobro, de fazer o triplo, é desafio que ele lança ao adversário. Agora pensem: Lula, de tal sorte mitifica e mistifica seu governo que não é possível haver quem faça mais do que ele pela simples e óbvia razão que seria necessário alguém que dissesse mais inverdades do que ele, que mistificasse mais do que ele, que vendesse castelos de ar mais do que ele. E NÃO EXISTE ESSA PESSOA.