Os Polígamos
Uma visita ao mundo dos mórmons fundamentalistas americanos.
Por Scott Anderson
Foto de Stephanie Sinclair

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Colorado City é uma cidadezinha com especial significado para os que compartilham a fé de Foneta. Junto com a comunidade-irmã de Hildale, no estado de Utah, é o berço da Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (FLDS, na sigla em inglês), uma dissidência poligâmica da Igreja Mórmon, ou dos Santos dos Últimos Dias (LDS, em inglês). Nos anos 1920-30, um punhado de famílias poligâmicas se estabeleceu nos dois lados da divisa entre os estados de Utah e Arizona depois que a liderança da Igreja Mórmon se tornou determinada a descartar seu passado poligâmico e buscar a aceitação da sociedade americana.
Em 1935, a igreja deu um ultimato aos residentes do assentamento: ou renunciavam ao casamento plural, ou seriam excomungados. Praticamente todos se recusaram, sendo expulsos da LDS.
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Joyce é um notável exemplo dessa harmonia. Ela não apenas aceitou outra esposa, Marcia, na família como também ficou entusiasmada com esse acréscimo. Marcia, que saiu de um casamento infeliz nos anos 1980, é também irmã biológica de Joyce. "Eu sabia que meu marido é um bom homem", explica uma sorridente Joyce ao se sentar com Marcia e Heber, o marido comum. "Queria que minha irmã pudesse partilhar da mesma felicidade que eu desfruto."
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O choque entre tradição e modernidade no âmbito comunitário pode ser desorientador. Apesar de seus trajes antiquados, a maioria dos adultos na FLDS dispõe de telefones celulares e aprecia picapes esportivas do último tipo.
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Melinda Fischer, uma expansiva mulher de 37 anos, mãe de três filhos, solta uma risada incrédula ao descrever as coisas que lê na imprensa sobre os fundamentalistas. "Sempre sugerem que a gente é mantida aqui contra a nossa vontade", exclama ela. Melinda se acha em posição privilegiada para compreender as visões conflitantes acerca de sua comunidade. Ela é uma das esposas plurais de Jim Jeffs, decano fundamentalista e um dos sobrinhos do profeta Warren Jeffs. Mas ela é também filha de Dan Fischer, antigo membro da igreja que se tornou um de seus mais ruidosos críticos - encabeça uma organização que trabalha com pessoas expulsas de lá. Ao romper com a igreja, nos anos 1990, Fischer viu sua família se desmembrar também. Hoje, 13 de seus filhos abandonaram o fundamentalismo mórmon, enquanto que Melinda e dois de seus meios-irmãos renunciaram ao pai. "Isso não é algo fácil", diz Melinda, "porque, obviamente, eu ainda amo meu pai. Rezo para que ele veja seus erros. Ou, pelo menos, pare de nos atacar."
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Foi a polêmica do casamento de menores de idade dentro da igreja que atraiu a maior parte das atenções negativas da mídia, mas Dan Fischer encampou outra causa, a dos chamados Garotos Perdidos, que abandonaram ou foram forçados a abandonar a comunidade e acabaram vagando pelas ruas das cidades de Las Vegas, Salt Lake City e St. George. A fundação de Fischer já trabalhou com 300 desses garotos nos últimos sete anos. Fischer reconhece que a maioria deles foi apenas "desencorajada a ficar", mas cita casos de meninos que foram expulsos, "prática que só fez aumentar sob Warren Jeffs", acusa ele.
Fischer atribui esse êxodo, em parte, a um frio cálculo feito pelos líderes da igreja visando a limitar a competição masculina pelo estoque de jovens mulheres casadoiras. "Se você tem homens se casando com 20, 30 ou mais de 80 mulheres", diz ele, "rezam a biologia e a simples matemática que haverá muitos outros homens que não conseguirão arrumar esposas.
A igreja afirma que está mandando esses garotos embora por mau comportamento, mas, se você reparar, eles raramente expulsam meninas."
Igualmente conflituosa tem sido a restauração, por parte da FLDS, de uma antiga política mórmon de transferir mulheres e filhos de um membro da igreja para outro. De acordo com a tradição, isso era feito quando da morte de um patriarca, de modo que suas viúvas fossem amparadas, ou, então, para resgatar uma mulher de uma relação abusiva. Mas os críticos argumentam que, sob o domínio de Jeffs, essa "realocação" tornou-se mais uma arma de controle contra aqueles que ousam sair da linha.
Determinar quem não presta virou uma atribuição exclusiva do profeta. Quando, em janeiro de 2004, Jeffs ordenou a expulsão de 21 homens e a realocação de suas famílias, a comunidade aquiesceu. O diário de Jeffs, também apreendido durante a operação policial no Texas, revela um homem que gerenciava nos mínimos detalhes as decisões comunitárias - tudo de acordo com as revelações que ele recebia durante o sono. Jeffs asseverava que Deus lhe ditava cada uma de suas ações, por ínfimas que fossem. Em uma passagem do diário pode-se ler: "O Senhor mandou que eu fosse até a clínica de bronzeamento artificial e me bronzeasse de modo mais uniforme".
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