‘‘Pensei que não fosse sobreviver’’ - Drauzio Varella

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O ENCOSTO
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‘‘Pensei que não fosse sobreviver’’ - Drauzio Varella

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Drauzio Varella ‘‘Pensei que não fosse sobreviver’’

O médico mais famoso do Brasil
conta sua experiência à beira da
morte por causa da febre amarela,
contraída na Amazônia

Juliana Vilas

http://www.terra.com.br/istoe/1846/1846 ... has_01.htm

O oncologista Drauzio Varella não se contenta em fazer uma coisa só. Já foi professor de cursinho, voluntário em casa de detenção e começou a virar celebridade com programas de rádio nos anos 80. Hoje, tem espaço cativo na maior emissora de tevê do Brasil – está desde 2000 na Globo – e frequenta as prateleiras das grandes livrarias. Mas jamais deixou de lado a medicina, ofício pelo qual não esconde a paixão. Apesar de toda a sua experiência, correu sério risco de morte. Em novembro passado, numa visita rotineira à Amazônia (para onde se dirige todos os anos para orientar trabalhos de pesquisa), contraiu a febre amarela, doença transmitida pela picada do Aedes aegypti e que compromete o funcionamento do fígado. Não teria caído doente se tivesse tomado a vacina. Admite que errou ao ter se descuidado e confessa ter sido ainda mais irresponsável por ter levado a família e amigos à região sem atentar para a prevenção.

O episódio foi marcante também porque ele se viu cobrado pela população. Afinal, Varella criou para si a imagem de médico-educador. É por isso que hoje, volta e meia, ouve gracejos na rua sobre seu descuido, que também virou piada na boca de um conhecido que ia para Mato Grosso e respondeu, quando alertado por um amigo para não se esquecer da vacina contra febre amarela: “Está achando que sou o Drauzio Varella?” Recuperado da doença, Varella retomou seu quadro dominical e está atento a um novo projeto. O livro Estação Carandiru, que conta histórias de presidiários no outrora maior complexo penitenciário da América Latina, em São Paulo, já virou filme e agora inspira uma série para tevê com estréia prevista na
Rede Globo neste semestre. Foi numa pausa em seu consultório, em São Paulo, que o médico falou a ISTOÉ.

ISTOÉ – O sr. ficou muito doente por causa da febre amarela adquirida durante uma viagem à Amazônia. Como foi essa experiência?
Drauzio Varella – Fui para a mesma área da Amazônia pela primeira vez em 1992 e desde então tenho ido com regularidade. Nunca ouvi falar de febre amarela lá. Tinha tomado a vacina havia mais de 20 anos e não renovei. Fui ainda mais irresponsável porque levei minhas filhas e amigos. A gente se estrepa na vida quando repete uma experiência muitas vezes. Na primeira vez que você pega estrada, não há chance de bater o carro porque você nem pisca. Você bate quando ganha autoconfiança.

ISTOÉ – Qual é a sensação de ser o paciente e não o médico?
Varella – Fiquei bem tranquilo. Tinha noção da realidade e, em dado momento, tive chance grande de morrer. Pensei que não fosse escapar. É uma sensação pavorosa. Você sente um enjôo forte. Não pode pôr nada na boca porque volta imediatamente. Fiquei três semanas sem comer nada, tomando soro. Dá dor muscular, febre, frio, fraqueza. A doença vem devagar e te exaure a um ponto que você não tem como reagir. O que ia fazer? Você pensa: “Seja o que Deus quiser.”

ISTOÉ – O sr. pensou em Deus?
Varella – Não. Estou brincando. Essa questão de fé... É engraçado! Sempre me perguntam isso e se ofendem com a resposta. As pessoas não aceitam que você não seja religioso. É preciso respeitar o católico, o evangélico, o espírita. Mas, quando você diz que não tem religião, ninguém respeita. É como se você fosse imoral. As pessoas ficam muito decepcionadas. Como se descobrissem que seu médico cheira cocaína.

ISTOÉ – O sr. confiou nos médicos?
Varella – Tive a felicidade de ser tratado por colegas que conheço há anos, inclusive dois dos maiores especialistas em fígado no Brasil. Fizemos um acordo. Eu saberia tudo, teria acesso aos exames. O interessante é o que você decifra pelo que não é falado. Quando as coisas estavam graves, pela expressão eu notava que eles estavam mortos de medo. Eles não diziam nada nem eu perguntava. Há momentos em que as palavras são inúteis. Mas não me desesperei. Quando se tem chance de escapar, você se agarra a essa esperança. Ao “pode ser que não aconteça”.

ISTOÉ – A experiência mudou sua forma de encarar a vida?
Varella – Não. Sabia da possibilidade de perder a vida, mas sempre vivi de acordo com essa realidade. Sei que a vida é frágil.

ISTOÉ – Mas o sr. nem mudou hábitos para, por exemplo, ter mais tempo
para a vida pessoal?
Varella – Não. Isso geralmente acontece com quem acha que esse tipo de coisa tem pouca chance de acontecer com ele.

ISTOÉ – E a sua relação com os pacientes? Mudou?
Varella – Em nada. Retomei a convivência do ponto onde havia parado.

ISTOÉ – Seus pacientes e telespectadores cobraram o sr. por não ter se protegido contra a doença?
Varella – Muito. Na rua tem gente que me diz: “Ô doutor! E a vacina, hein?”
E isso não foi uma vez nem duas, foram umas 20. Qualquer vagabundo que passa tira sarro. Um amigo me contou que estava conversando com uma pessoa que ia pescar em Mato Grosso. Esse amigo disse para o sujeito: “Não esquece de tomar a vacina contra febre amarela.” Aí o outro respondeu: “Está pensando que sou o Drauzio Varella?”

ISTOÉ – Alguma vez o sr. viu pacientes “condenados” que, ao ganhar mais tempo de vida do que o previsto, atribuíram isso à força da mente?
Varella – Isso são crendices. É como pensar que o basquete deixa as pessoas altas. Se você pega alguém com um prognóstico de evolução grave a curto prazo e ele vive mais tempo, dizem: “Está vivo, mas também tem uma força de vida!” É a mesma lógica do basquete. Se jogar, a pessoa fica alta porque todos são altos. E quanto aos que tinham vontade de viver e morreram? Com esse raciocínio você joga no paciente a culpa pela evolução da doença. Se ele não reage porque não tem forças, a culpa é dele. Quando estava doente, fiquei três semanas sem comer nada, vomitava tudo. A nutricionista entrava no meu quarto todos os dias e me oferecia comida. Cada prato que ela falava me dava mais enjôo. Uma hora eu falei “Pára, por favor. Quando puder comer, eu peço.”
O ENCOSTO


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Onde houver fé, levarei a dúvida.

"Ora, a fé é o firme fundamento das coisas infundadas, e a certeza da existência das coisas que não existem.”

Trancado