Os Idiotas
WALTER SALLES
Praia de Lopes Mendes, Ilha Grande, domingo de manhã. Como é uma área de proteção ambiental, não há carros. Chega-se até ali caminhando por uma longa e bem-preservada trilha através da mata atlântica ou pelo mar, de barco.
Por que o cinema brasileiro fala tão pouco de suas elites? Porque não é fácil falar de classes dominantes tão caricatas
Por causa das férias escolares, há muitas crianças na areia. De repente, o cenário se transforma numa cena de "Apocalypse Now", de Francis Ford Coppola. Um helicóptero dá um rasante na praia. Depois chega outro, e logo mais um terceiro. Ferindo a lei, pousam ao lado da areia, perto de uma pequena igreja construída pelos pescadores da região -uma das únicas edificações da praia.
Os passageiros saltam. Você já os viu naquelas revistas que glorificam "celebridades". Caminham pela praia, dão um rápido mergulho, mas não ficam. Logo partem para atazanar uma outra freguesia, não sem antes darem novos rasantes na praia. O negócio não é desaparecer na geografia de um lugar. O negócio é ser visto.
Não interessam as tradições do local. Interessa, ao contrário, trazer consigo o mundo em que essas pessoas vivem. É um pouco como George Bush, da primeira vez que foi a Roma, já na Presidência do país mais poderoso do mundo. Levou toda sua comitiva para comer no McDonald's. Em Roma, como os americanos.
Ir à praia de helicóptero, no Brasil de hoje, não é uma exclusividade do litoral fluminense. Em Trancoso, na Bahia, um helicóptero pousou na semana retrasada em plena praia do Espelho, lançando areia sobre os banhistas que lá estavam. Saudável reação: foi apedrejado. Até na distante Barra Grande, península de Maraú, Bahia, helicópteros também começaram a pousar em área pública -as praias- pela primeira vez.
Num país em que o próprio presidente fala de leis que "pegam ou não pegam", pousar de helicóptero em locais proibidos pela lei pegou. Não é à toa, aliás, que helicópteros são expostos na Daslu, ao lado de calcinhas subfaturadas. Estão na moda.
Há algo de sintomático nisso. Em primeiro lugar, a já cansativa confusão entre o público e o privado, que, no Brasil, a cada ano se acentua. Hoje, o que é privado é defendido a unhas e dentes, atrás de vidros blindados, em ruas com cancelas e seguranças. O que é público é constantemente conspurcado. Não importa se uma praia é área de proteção ambiental. Pousa-se ali porque se quer e (não) se pode.
Sintomática, também, é a ausência de fiscalização por parte das autoridades competentes. Retrato de um país em que alguém vai preso por roubar um alicate em um supermercado, mas um ex-governador de São Paulo com centenas de milhões de dólares em contas-fantasmas no exterior está solto, comendo pastel em Campos do Jordão.
Houve um tempo em que se falava do Brasil como a Belíndia. De um lado, a Bélgica; do outro, a Índia. A Índia continua aí, a cada esquina. Ou, talvez, não mais, já que aquele país tem crescido a taxas duas vezes maiores do que as nossas. Investe pesadamente em educação, o que não fazemos. Por outro lado, também não faz mais sentido falar de Bélgica, cuja elite é certamente mais responsável do que a nossa. Na falta da Belíndia, talvez seja o caso de se falar hoje de Bahriti. De um lado, o Bahrein -com toda a sua exibição de riqueza. Do outro, o Haiti. Convenientemente, as nossas forças armadas já estão por lá.
Um economista do MIT, Lester Thurow, sustenta a tese de que "o que falta na América Latina é elite. O que existe é oligarquia. As oligarquias desfrutam ou herdam o poder, mas não entendem as responsabilidades públicas inerentes a ele". Ou seja: querem os privilégios, mas não os ônus. Querem a gravata da Gucci, mas não os impostos de importação, que se convertem em saúde, educação etc. Depois, reclamam da falta de segurança, da inoperância dos governos, apadrinham uma creche para apaziguar a consciência e, ato final, compram um helicóptero para sobrevoar os nossos Haitis.
São Paulo já é a segunda cidade com o maior número de helicópteros em operação no mundo, perdendo apenas para Tóquio, no Japão. Em parte, essa estatística se deve ao transito caótico das duas cidades, à extensão geográfica que ocupam, à falta de planejamento urbano. Presume-se, também, que muitos desses aparelhos sejam utilizados de forma correta -o que não elimina o problema criado pelos usuários que não agem dessa maneira.
Para finalizar: muitas vezes me perguntam por que o cinema brasileiro fala tão pouco de suas elites. A resposta é simples: porque não é fácil falar de classes dominantes tão caricatas. Pena que Buñuel não esteja mais entre nós. Nem Tomas Gutierrez Alea, cujo olhar cáustico também teria dado conta do recado. Sobra Lars von Trier, que fez um filme sobre um bando de pessoas que fazem de tudo para chamar a atenção. Chama-se "Os Idiotas".
Os idiotas
Os idiotas
"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma." (Joseph Pulitzer).
- Poindexter
- Mensagens: 5894
- Registrado em: 18 Nov 2005, 12:59
Re.: Os idiotas
Aquela velha ladainha que procura isentar quase toda a população brasileira de toda e qualquer culpa pelos problemas nacionais. A culpa nunca é "nossa", mas sim sempre "deles". "Eu venci, nós empatamos, eles perderam". Que ridículo...
Si Pelé es rey, Maradona es D10S.
Ciertas cosas no tienen precio.
¿Dónde está el Hexa?
Retrato não romantizado sobre o Comun*smo no século XX.
A child, not a choice.
Quem Henry por último Henry melhor.
O grito liberalista em favor da prostituição já chegou à este fórum.
Lamentável...
O que vem de baixo, além de não me atingir, reforça ainda mais as minhas idéias.
The Only Difference Between Suicide And Martyrdom Is Press Coverage
Ciertas cosas no tienen precio.
¿Dónde está el Hexa?
Retrato não romantizado sobre o Comun*smo no século XX.
A child, not a choice.
Quem Henry por último Henry melhor.
O grito liberalista em favor da prostituição já chegou à este fórum.
Lamentável...
O que vem de baixo, além de não me atingir, reforça ainda mais as minhas idéias.
The Only Difference Between Suicide And Martyrdom Is Press Coverage
A dúvida que temos ao ver gente como Walter Salles falando mal das elites brasileiras é que não sabemos se está dizendo "veja como nós somos ruins" ou "veja como as elites brasileiras são ruins, menos eu".
Salles é herdeiro do Unibanco, o que dá uma idéia sobre de que ângulo ele olha para as elites de que fala.
Somente um egocentrismo extremado pode justificar análise tão simplista da questão por parte de alguém que deveria ser informado do assunto pela própria condição de nascença.
O sujeito se põe tão acima dos fatos e pessoas de quem fala, que termina por ver apenas pontos e nuvens de uma realidade complexa e rica em variantes e detalhes.
Não é preciso ir longe para desmenti-lo, basta pegar o trecho citado por ele próprio em que o helicóptero que desceu na praia foi apedrejado, prova de que tais atos são tratados por aqui exatamente como são, atos de vandalismo que recebem o repúdio de todos.
As palavras de Salles seriam verdadeiras se estes abusos se dessem sob o silêncio submisso dos prejudicados, o que não ocorrre.
Walter Salles representa o que há de pior na intelectualidade brasileira do momento.
Não passa de um filhilho de papai milionário, que nascido e criado, ele sim, numa elite que se afastou demais de qualquer coisa que se poderia chamar de povo brasileiro, hoje enxerga este mesmo povo a partir dos piores estereótipos colhidos de sua própria casta, que vê o Brasil com os olhos dos outros, como prova sua citação completamente equivocada de Lester Thurow.
O país que Salles mostra em Central do Brasil é o retrato perfeito do que americanos querem ver sobre países do terceiro mundo. Uma terra cinzenta e sem esperança.
Que isto aqui não é o paraíso todo mundo sabe.
Mas o Brasil é muito maior e melhor do que o filme mostra.
Só que falar bem do Brasil em certos meios "cultos" não é fashion e muito menos rende indicações ao Oscar.
O que o cineasta chama de elites brasileiras é um imenso e heterogêneo grupo de pessoas, das quais a grande maioria controla fortunas recentes, de primeira ou segunda geração.
O Brasil é um país de alta mobilidade social.
A prova pode ser tirada da simples comparação entre quem detinha as maiores fortunas do país no início do século XX e em que mãos estas fortunas estavam no final daquele século.
Em muitos casos, os milionários do ano 2000 eram os netos ou bisnetos dos colonos ou operários que serviam os milionários de cem anos atrás.
Quem duvidar que se pergunte onde estão os tais Barões do Café, símbolos máximos da riqueza e opulência paulista.
A perversão escondida atrás das aparentes boas intenções de Salles são notoriamente nocivas para o Brasil e os brasileiros.
Segundo a visão que comunicadores como ele passam, empresários que deram duro e construíram grandes fortunas com trabalho, inteligência e senso de oportunidade são apenas uma oligarquia bufa, que merece desprezo e ridículo.
Bons e dignos de nota seriam os traficantes das favelas, os assassinos retratados pelo irmão do dito cujo, João Moreira Salles, mais ou menos como se fossem Emilianos Zapatas cariocas, enfrentando com seus fuzis a perversa elite que sua própria família lidera.
Se você percebeu o absurdo é porque o absurdo é óbvio.
Como diria Cícero, ó tempora, ó mores!
Salles é herdeiro do Unibanco, o que dá uma idéia sobre de que ângulo ele olha para as elites de que fala.
Somente um egocentrismo extremado pode justificar análise tão simplista da questão por parte de alguém que deveria ser informado do assunto pela própria condição de nascença.
O sujeito se põe tão acima dos fatos e pessoas de quem fala, que termina por ver apenas pontos e nuvens de uma realidade complexa e rica em variantes e detalhes.
Não é preciso ir longe para desmenti-lo, basta pegar o trecho citado por ele próprio em que o helicóptero que desceu na praia foi apedrejado, prova de que tais atos são tratados por aqui exatamente como são, atos de vandalismo que recebem o repúdio de todos.
As palavras de Salles seriam verdadeiras se estes abusos se dessem sob o silêncio submisso dos prejudicados, o que não ocorrre.
Walter Salles representa o que há de pior na intelectualidade brasileira do momento.
Não passa de um filhilho de papai milionário, que nascido e criado, ele sim, numa elite que se afastou demais de qualquer coisa que se poderia chamar de povo brasileiro, hoje enxerga este mesmo povo a partir dos piores estereótipos colhidos de sua própria casta, que vê o Brasil com os olhos dos outros, como prova sua citação completamente equivocada de Lester Thurow.
O país que Salles mostra em Central do Brasil é o retrato perfeito do que americanos querem ver sobre países do terceiro mundo. Uma terra cinzenta e sem esperança.
Que isto aqui não é o paraíso todo mundo sabe.
Mas o Brasil é muito maior e melhor do que o filme mostra.
Só que falar bem do Brasil em certos meios "cultos" não é fashion e muito menos rende indicações ao Oscar.
O que o cineasta chama de elites brasileiras é um imenso e heterogêneo grupo de pessoas, das quais a grande maioria controla fortunas recentes, de primeira ou segunda geração.
O Brasil é um país de alta mobilidade social.
A prova pode ser tirada da simples comparação entre quem detinha as maiores fortunas do país no início do século XX e em que mãos estas fortunas estavam no final daquele século.
Em muitos casos, os milionários do ano 2000 eram os netos ou bisnetos dos colonos ou operários que serviam os milionários de cem anos atrás.
Quem duvidar que se pergunte onde estão os tais Barões do Café, símbolos máximos da riqueza e opulência paulista.
A perversão escondida atrás das aparentes boas intenções de Salles são notoriamente nocivas para o Brasil e os brasileiros.
Segundo a visão que comunicadores como ele passam, empresários que deram duro e construíram grandes fortunas com trabalho, inteligência e senso de oportunidade são apenas uma oligarquia bufa, que merece desprezo e ridículo.
Bons e dignos de nota seriam os traficantes das favelas, os assassinos retratados pelo irmão do dito cujo, João Moreira Salles, mais ou menos como se fossem Emilianos Zapatas cariocas, enfrentando com seus fuzis a perversa elite que sua própria família lidera.
Se você percebeu o absurdo é porque o absurdo é óbvio.
Como diria Cícero, ó tempora, ó mores!
Nós, Índios.
Acauan Guajajara
ACAUAN DOS TUPIS, o gavião que caminha
Lutar com bravura, morrer com honra.
Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!
Acauan Guajajara
ACAUAN DOS TUPIS, o gavião que caminha
Lutar com bravura, morrer com honra.
Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!