A Cura de Schopenhauer

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Res Cogitans
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A Cura de Schopenhauer

Mensagem por Res Cogitans »

Julius é um psiquiatra que descobre que tem câncer.

"Dias após a fatídica consulta com o dermatologista, Julius sentiu um sabor de ligação ao encontrar seu grupo de apoio formado por colegas médicos. Todos ficaram pasmos quando ele contou do melanoma. Depois de incentivá-lo a falar, cada um demonstrou seu choque e tristeza. Julius não conseguiu dizer mais nada, nem ninguém. Por duas vezes, alguém começou a falar e parou, depois foi como se o grupo concordasse tacitamente que as palavras eram desnecessárias. Nos vinte minutos finais, ficaram todos em silêncio. Esses silêncios prolongados em grupo costumam ser estranhos, mas aquele foi diferente, quase consolador. Julius não conseguia admitir, ainda que para si mesmo, que o silêncio parecia sagrado. Mais tare, achou que as pessoas estavam demonstrando não só tristeza, mas também tirando seus capacetes, atentos, participando e homenageando a vida dele.

E talvez fosse uma forma de homenagear a vida deles mesmos, pensou Julius. O que mais temos? O que mais senão aquele abençoado e milagroso intervalo de ser e estar consciente? Se algo deve ser homenageado e abençoado, deveria ser apenas isso, a incalculável dádiva do mero existir. Viver desesperado porque a vida acaba ou porque não tem outra finalidade maior ou desígnio intrínseco é pura ingratidão. Pensar num criador onisciente e dedicar a vida a um ajoelhar-se sem-fim parece sem sentido. Além de um desperdício: por que dar todo esse amor a um fantasma, quando há tão pouco amor em volta da Terra? Melhor aceitar a solução de Einstein e Spinoza: apenas inclinar a cabeça e bater no chapéu para as elegantes leis e mistérios da natureza, mas tratar de viver."
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.

*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.

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Flavio Costa
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Mensagem por Flavio Costa »

De onde saiu esse texto?
The world's mine oyster, which I with sword will open.
- William Shakespeare
Grande parte das pessoas pensam que elas estão pensando quando estão meramente reorganizando seus preconceitos.
- William James
Agora já aprendemos, estamos mais calejados...
os companheiros petistas certamente não vão fazer as burrices que fizeram neste primeiro mandato.
- Luis Inácio, 20/10/2006

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Luis Dantas
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Re.: A Cura de Schopenhauer

Mensagem por Luis Dantas »

Provavelmente do livro de mesmo nome, que chegou recentemente às livrarias.
"Faça da tua vida um reflexo da sociedade que desejas." - Mahatma Ghandi
"First they ignore you, then they laugh at you, then they fight you, then you win." - describing the stages of establishment resistance to a winning strategy of nonviolent activism


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Res Cogitans
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Re.: A Cura de Schopenhauer

Mensagem por Res Cogitans »

exato, minha namorada achou interessante a passagem, digitou e me mandou.
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.

*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.

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Flavio Costa
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Re: Re.: A Cura de Schopenhauer

Mensagem por Flavio Costa »

Luis Dantas escreveu:Provavelmente do livro de mesmo nome, que chegou recentemente às livrarias.

Hum...

http://veja.abril.com.br/idade/estacao/ ... /cura.html
A Cura de Schopenhauer, de Irvin D. Yalom (tradução de Beatriz Horta; Ediouro; 336 páginas; 44,90 reais) – Psicoterapeuta e professor da Universidade Stanford, o americano Irvin Yalom fez sucesso com Quando Nietzsche Chorou, romance sobre o encontro fictício entre o filósofo Friedrich Nietzsche e o médico Josef Breuer, parceiro de Freud nos primórdios da psicanálise. No novo livro, o protagonista é um terapeuta que entra em crise ao descobrir-se com uma doença terminal. Ele reencontra um ex-paciente que tinha compulsão por sexo, e que não foi curado pela terapia. Para sua surpresa, o sujeito diz ter achado a cura na obra pessimista do filósofo alemão Arthur Schopenhauer.

Leia trecho

– Todo mundo tem uma vida sexual sombria – disse Tony. – Quem não tem? Talvez os machos estejam apenas sendo machos. Olha, passei um tempo na cadeia, só por exagerar um pouco, querendo que Lizzie me chupasse. Conheço muitos caras que fizeram pior e não sofreram nada, pensa no Schwarzenegger.

– Tony, você está sendo agressivo com as mulheres presentes ou pelo menos com essa que vos fala – disse Rebecca. – Mas não quero sair do assunto. Philip, continue, você ainda não contou.

– Primeiro – prosseguiu Philip, sem titubear – , em vez de criticar esse comportamento perverso, há duzentos anos Schopenhauer entendeu a realidade que estava por trás: a simples e enorme força do sexo. O sexo é nosso maior impulso (o de viver e se reproduzir), não pode ser reprimido. Não pode ser afastado com argumentos. Já falei como Schopenhauer observa que o sexo se infiltra em tudo. Vejam o escândalo dos padres católicos pedófilos, pensem em todas as áreas de atuação humana, todas as profissões, todas as culturas, todas as épocas. Perceber isso foi muito importante para mim, assim que conheci a obra de Schopenhauer: ele, uma das grandes inteligências do mundo fez com que, pela primeira vez na vida, eu me sentisse totalmente compreendido.

– Então? – perguntou Pam, que esteve calada.

– Então o quê? – devolveu Philip, sensivelmente nervoso, como sempre que Pam se dirigia a ele.

– O que mais? Foi só isso? Melhorou porque Schopenhauer lhe compreendeu?

Philip pareceu não entender a ironia de Pam e respondeu com calma e sinceridade. – Foi muito mais. Schopenhauer me fez ver que estamos condenados a girar sempre na roda da vontade: desejamos uma coisa, conseguimos, desfrutamos um instante de satisfação que logo passa a tédio e seguimos para o próximo "eu quero". O desejo não acaba, seria preciso pular da roda da vontade. Foi o que fez Schopenhauer e o que eu fiz.

– Pular da roda? O que quer dizer isso? – perguntou Pam.


– Quer dizer anular completamente a vontade. Aceitar que nossa natureza mais íntima é uma luta implacável, que esse sofrimento está em nós desde o começo, e que somos condenados por nossa própria natureza. Quer dizer que precisamos primeiro entender o nada essencial desse mundo de ilusão e depois procurar uma forma de negar a vontade. Como todos os grandes artistas, temos de procurar viver no mundo das idéias platônicas. Algumas pessoas fazem isso através da arte; outras, do ascetismo religioso. Schopenhauer fez evitando o mundo do desejo, comungando com os grandes pensadores e praticando a contemplação estética; tocava flauta uma ou duas horas por dia. Quer dizer que, além de atores, precisamos ser platéia. Precisamos admitir a força vital que existe na natureza e que se manifesta na vida de cada um e que acabará sendo recuperada quando a pessoa deixar de existir.

– É o modelo que sigo. Minha maior relação é com os grandes pensadores, que leio diariamente. Procuro não encher minha cabeça com coisas corriqueiras e pratico a contemplação jogando xadrez ou ouvindo música, também diariamente. Ao contrário de Schopenhauer, não tenho talento para tocar um instrumento.

Julius ficou encantado com o diálogo. Será que Philip não percebia o rancor de Pam? Nem tinha medo da raiva dela? E o que dizer da solução que ele encontrou para seu vício? Julius se encantou com aquilo e também achou graça. O comentário de Philip de que, ao ler Schopenhaur, sentiu-se compreendido pela primeira vez na vida, foi como um tapa na cara de Julius. "Será que eu não sou nada?", pensou. Trabalhei três anos com ele, tentei compreendê-lo e ter empatia por ele. Mas Julius não disse nada. Aos poucos, Philip mudava. Às vezes, é melhor guardar as coisas e voltar a elas na hora certa, um dia.

Semanas depois, o grupo tocou nesses assuntos por ele, na sessão que começou com Rebecca e Bonnie dizendo a Pam que ela havia mudado (para pior) desde que Philip chegou. Bonnie reclamou que Pam tinha perdido a gentileza, o afeto e a generosidade e, embora tivesse menos raiva dele que nas primeiras discussões, o ódio continuava, congelado de forma dura e implacável.

– Acho que Philip mudou muito nos últimos meses – constatou Rebecca. – Mas você é tão dura com ele quanto foi com seu ex-marido e com seu ex-amante. Quer odiar pelo resto da vida?

Outros observaram que Philip tinha sido gentil, respondeu a tudo o que Pam quis saber, mesmo quando foi muito irônica.

– Seja gentil, assim poderá manipular os outros, como se aquece a cera para depois usá-la – disse Pam.

– O quê? – perguntou Stuart. Outras pessoas também pareceram não entender o que ela disse.

– Estou só citando o guru de Philip. Esse é um dos conselhos de Schopenhauer e é também o que acho da gentileza de Philip. Nunca falei isso aqui, mas pensei em me especializar em Schopenhauer, desisti depois de estudar semanas a vida e a obra dele. Passei a desprezar tanto a pessoa que mudei de idéia.

– Então, você identifica Philip com Schopenhauer? – perguntou Bonnie.

– Identificar? Philip é Schopenhauer, uma alma gêmea, encarnação viva daquele maldito homem. Posso contar coisas da filosofia e da vida dele que gelará o sangue de vocês. E acho que Philip manipula as pessoas, ao invés de relatar. Digo mais: me arrepia pensar nele doutrinando outras pessoas com o mesmo ódio à vida que tinha Schopenhauer.

– Você não consegue ver Philip como é hoje? – perguntou Stuart. – Não é a mesma pessoa que você conheceu há quinze anos. O que houve entre vocês muda tudo, você não consegue esquecer nem perdoar.

– Você chama de fato, como se fosse uma cutícula de unha? É mais que um fato. Quanto a perdoar, não acha que há coisas que não se perdoam?

– Se você não consegue perdoar, não significa que as coisas não possam ser perdoadas – disse Philip numa voz emocionada, que não era comum nele. – Anos atrás, você e eu fizemos um contrato social de curta duração. Nós nos oferecemos excitação sexual e alívio. Cumpri minha parte. Garanti que você ficasse sexualmente satisfeita e não achei que tivesse outras obrigações. A verdade é que obtive algo e você também: alívio sexual. Não devo nada a você. Quando conversamos depois, avisei que a noite tinha sido agradável, mas eu não queria continuar o relacionamento. Podia ser mais claro?

– Não estou falando de clareza, estou falando de afeto, isto é, amor, caritas, preocupação com os outros.

– Você quer que eu tenha a mesma visão que você das coisas, que viva como você.

– Só queria que tivesse sofrido o que eu sofri.
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Trancado