Oi Pessoal,
Eu fui durante anos leitor ávido de Sagan, e chego mesmo a ver nele uma quase figura paterna para mim, especialmente na área da ciência. Possuo enorme carinho mesmo por ele.
Sei também de fatos da vida privada dele que muitos não conhecem (apesar de serem informações relativamente fáceis de serem encontradas na internet) que me levam a ter uma grande sensibilidade e empatia para com a condição humana dele. Sagan era alcoólatra, e ao que parece arruinou os seus dois primeiros casamentos em grande parte devido a isso (seu primeiro casamento foi com a brilhante e revolucionária microbióloga Lynn Margulis, principal responsável pelo estabelecimento da teoria da origem das novidades evolutivas através da endossimbiose, que estabeleceu que cloroplastos e mitocôndrias, dentre outras estruturas intracelulares, são resquícios de endossimbiose entre células nucleadas e antigas bactérias. Lynn Margulis acabou sendo incluída entre o seletíssimo grupo da National Academy of Sciences dos EUA. Sagan nunca foi...). Sagan possuía uma enorme habilidade para fazer amigos, de grande solidez, e também para fazer inimigos, de igual solidez... (pelos livros dele nem dá pra desconfiar dessas coisas...). Ele possuía um péssimo (talvez mesmo traumático) relacionamento com seu primeiro filho, Dorian Sagan, e isso apesar dos fortíssimos laços que ele tinha com seus próprios pais (quem leu o livro "O Mundo Assombrado pelos Demônios" sabe que a última coisa que Sagan disse ao pai no leito de morte deste último foi: "Te cuida, Pai" - provavelmente "Take Care" em inglês, sem dúvida a mais estranha das afirmações vinda de alguém que se acreditava materialista...).
Eu possuo uma resenha, em inglês, ao livro de Sagan "O Mundo Assombrado pelos Demônios". Postei ela no site da
http://www.amazon.com. No meu site também a incluí, no link abaixo:
http://geocities.yahoo.com.br/criticand ... .htm#sagan
Nessa resenha, eu desço a lenha no Sagan...
A princípio, o texto do dragão na garagem não é de fato tão negativo quanto o crítico (indicado por Vitor) parece crer. Há, igualmente "a princípio", um forte aspecto positivo no texto em si. Contudo, para quem conhece a obra de Sagan, justifica-se o pé atrás com que tal texto foi acolhido pelo crítico. O crítico foi, a meu ver, cem por cento pertinente ao incluir o seguinte comentário: "Carl Sagan - um homem cientificamente tão culto que dificilmente poderia ser filosoficamente _tão_ inculto.".
Sagan sempre foi inimaginavelmente (e decepcionantemente) simplório ao combater as alegações de paranormalidade. Ele simplesmente não conhecia do assunto. Ao escrever o livro "O Mundo Assombrado Pelos Demônios", acabou falando falando e não dizendo nada. Ele não analisou a fundo as alegações. O livro tem alguns pontos de imenso valor. Mas como crítica às alegações extraordinárias, ele se constitui em obra vergonhosamente pífia, imatura filosoficamente (especialmente em filosofia da ciência), e infantil em diversos pontos, inclusive em aspectos sociais e políticos. O conhecimento de Sagan é tão questionável nessa área que eu não rejeito apenas as _condenações_ dele à paranormalidade. Eu rejeito também o _aval_ dele à paranormalidade. Nesse livro há o trecho famoso onde ele alega que há base empírica em três áreas da parapsicologia:
"No momento em que escrevo, acho que três alegações no campo da percepção extra-sensorial (ESP) merecem estudo sério: (1) que os seres humanos conseguem (mal) influir nos geradores de números aleatórios em computadores usando apenas o pensamento; (2) que as pessoas sob privação sensorial branda conseguem receber pensamentos ou imagens que foram nelas “projetados”; e (3) que as crianças pequenas às vezes relatam detalhes de uma vida anterior que se revelam precisos ao serem verificados, e que não poderiam ser conhecidos exceto pela reencarnação. Não apresento essas afirmações por achar provável que sejam válidas (não acho), mas como exemplos de afirmações que poderiam ser verdade. Elas têm, pelo menos, um fundamento experimental, embora ainda dúbio."
[Obrigado Hammond... Você é um anjo caído do céu]
Agora, observem que absurdo de desinformação: Sagan está colocando em um patamar relativamente similar os estudos Ganzfeld (telepatia) e os estudos CORT (casos de lembranças de vidas passadas estudados por Ian Stevenson e outros pesquisadores). Ora, nesse exato momento estamos quebrando um pau medonho aqui mesmo no RV eu, Vitor, e Zangari justamente devido à imensa diferença no peso empírico entre esses dois grupos de fenômenos. Eu, por exemplo, admito que a diferença é imensa. Wellington alega que ela é quase infinita (o peso empírico de CORT, para ele, é NULO). Já Sagan... acha que é similar... Ou seja, nesse quisito Sagan é menos cético do que o Vitor Moura...!!! (não posso no momento quantificar a visão do Vitor nisso, mas acredito que ou ela é igual à minha, ou seja, que ele considera a diferença como _imensa_, ou então que a visão dele é um pouco mais favorável à CORT do que a minha, e que ele considere a diferença como apenas "grande" ou "muito grande"; Sagan, nosso grande "cético", considera essa diferença desprezível para todos os efeitos práticos... Pode uma coisa dessa??!! Que Mundo mais Mucho Loco esse, sô!).
Alguns problemas específicos do texto dos dragões:
- Esse texto possui sim um forte aspecto que leva (ou que pode fatalmente levar) a uma injustificada ridicularização de idéias acalantadas por alguns grupos sociais, como a idéia do Deus católico, ou qualquer outra, independente das bases reais para a crença de tais grupos sociais em tais entidades.
- Esse texto do Sagan mostra como o cético errou no mais básico da sua tarefa, ou seja, errou ao tentar adquirir os detalhes a respeito da alegação. Observem que o aparecimento de ad hocs pode não ter sido fruto de tentativa esquiva por parte do crente, e sim meramente fruto da falência do cético em identificar os detalhes da alegação. Quando o cético (que por definição é metade de um cientista: "Um bom cético é metade de um mau cientista, já que o cientista tem que, por definição, se constituir de duas características: ceticismo + investigação") faz um levantamento pífio das características da alegação, ele acaba montando experimentos pífios, que só depois ele fica sabendo que não se adequavam a investigar o fenômemo. É o que ocorreu no caso da menina russa Natasha Demkina, a menina da "visão de Raio-X", pifiamente testada pelo CSICOP com ajuda do maluco meu arqui-inimigo Andrew Skolnick do CSMMH. Notem o seguinte: a pergunta mais básica sequer foi feita pelo cético: "Como você sabe, Sr. Crente, que há um Dragão nesta garagem? Como você o percebe, ou seja, por que meios?".
Dá pra levar a sério um cético desses?
Alguns comentários sobre afirmações de colegas aqui do RV:
Cyrix, eu acredito que a frase "ausência de evidência não é evidência de ausência" não seja original do Sagan. Assim como não é a "Alegações extraordinárias demandam evidências extraordinárias" (essa última data pelo menos da virada do século XIX para XX).
Hammond disse que o método científico não nos permite afirmar ou negar que qualquer deus exista. Eu acho, Hammond, que o problema de Deus é mais com relação à _definição_ do que seria deus. Pessoalmente, eu considero qualquer ser humano como um deus (ou seja, o problema tá mais ligado à exigência do freguês do que à disponibilidade da mercadoria :-) ). Agora, sugiro que você dê uma olhada atenta nos links sugeridos pelo Vitor, que foram passados por mim pra ele há algum tempo atrás. Tem bastante Deus por aí, e de vários tipos. De repente até você acha um que te sirva... :-) (sério mesmo; incluindo o "One Mind Model", e o universo paralelo platônico hiperconsciente do físico Roger Penrose, etc, etc, etc, ou o pampsiquismo hiperconsciencialista do Julinho Siqueira...).
Cyrix disse que a ausência de evidências não é justificativa para a rejeição. Aí eu já não sei, Cyrix, porque rejeição pode ocorrer em diversos níveis. Sem dúvida não é justificado dizermos "O treco não existe". Contudo pode ser plenamente justificado dizer-se "Penso que o treco não existe", ou, "rejeito o estudo do treco em face da ausência de evidências", etc.
Flávio costa disse: "Bem, você sabe que o Todo-poderoso nunca falou com você. Nunca foi visto por ninguém (exceto por alguns relatos obscuros do Antigo Testamento).". Esse é exatamente o problema final do texto dos dragões, Flávio. Na verdade, muita gente já viu ou percebeu Deus (e até outras coisas, como sacis, duendes, E.T.s, França, etc) de diversas maneiras. Há que se estudar e relatar tais coisas. E evitar ridicularizações que possam ser contraproducentes. Por exemplo, eu sou fortemente espiritualista. Em termos de definição simples, sou quase kardecista. Isso é crença. Em termos de lógica e ciência, sou pampsiquista do tipo hiperconsciencialista. Acho, atualmente, que a consciência (experiência subjetiva) é uma propriedade básica do Universo, assim como pensava no passado o físico Erwin Schroedinger (baloarte da mecânica quântica), e atualmente o badalado filósofo David Chalmers, e o matemático Stan Franklin (recém convertido a esse pensamento ainda), e talvez o neurocientista da cognição (uma lenda viva...) Benjamin Libet. Todos podemos estar errados nisso. Mas sem dúvida temos motivos para pensarmos do modo que pensamos. Eu até tenho uns textos bem longuinhos onde esmiúço meus motivos pra pensar de tal modo:
http://geocities.yahoo.com.br/criticand ... anasia.htm
http://geocities.yahoo.com.br/criticand ... apples.htm
Principalmente, passei a achar que quase todos os pontos de vista nessa área são imensamente respeitáveis, incluindo o materialismo (que vejo com imenso respeito e mesmo admiração).
Abraços,
Julio Siqueira
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