user f.k.a. Cabeção escreveu:
Uma coisa e constatar que a ordem social depende da existencia, reconhecimento e preservacao da lei, outra coisa e voce dizer a unica forma possivel de se produzir tal fenomeno e atraves da designacao de poderes arbitrarios a certas pessoas sobre outras pessoas, que consiste na definicao usual de Estado.
Do ponto de vista teorico, essa posicao e amplamente problematica, pois se para existir ordem e preciso que certos vigilantes dominem e imponham a sua lei sobre os vigiados, resta saber quem e que vigia os vigilantes, de maneira a garantir que suas deliberacoes nao sejam apenas outra forma de caos?
E qual seria a alternativa, para se ter lei e ordem, ao mesmo tempo em que não se tem os famigerados vigilantes arbitrários?
user f.k.a. Cabeção escreveu:
Onde quer que o ser humano observe ordem complexa ele observara design inteligente. E exatamente o mesmo argumento do relogio de Paley: o seu intrincado mecanismo induz a conclusao da existencia de um relojoeiro mecanico, assim como a complexidade evidente de um organismo vivo implica na existencia de um "relojoeiro cosmico" ou o sofisticado funcionamento das leis na sociedade induz a conclusao de que elas derivam de algum "relojoeiro social".
Ainda que seja evidente que a explicacao da existencia de certa complexidade a partir da pre-existencia de uma racionalidade criativa ainda mais complexa e insatisfatoria, resta mostrar como estruturas complicadas de ordem podem emergir espontaneamente. Trata-se de um comum engano atribuir a Charles Darwin o pioneirismo no desmonte dessa falacia, mas o exemplo que ele produziu de um mecanismo de ordem espontanea (a "selecao natural") na evolucao biologica e sem duvida alguma de simplicidade e elegancia impares. Mas mesmo assim muitas pessoas ainda resistem a um argumento tao bem construido e tao consistente com os fatos.
Eu especulo (embora nunca tenha lido nada serio a respeito) que isso talvez seja algum condicionamento evolutivo do nosso intelecto, que provavelmente e util para entender coisas simples e com finalidades claras, como uma ferramenta ou uma casa, mas que dificulta bastante a compreensao do comportamento sofisticado emergentes de sistemas de informacao onde existem muitos agentes individuais (que de modo algum fazia parte dos problemas com os quais nossos primitivos ancestrais lidavam quando nosso cerebro evoluiu).
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Sim, provavelmente uma "aposta instintiva" ou intuitivamente aprendida, e pouco arriscada, para um animal tão social como o ser humano é que algo é de tal forma porque alguém assim fez. E devem tender a generalizar mais do que deviam nessa resposta.
Mas o mais importante de tudo é que, ainda que existam processos que façam a ordem emergir espontâneamente, não significa que eles sejam superiores ao planejamento propriamente dito. Não é com os próprios seres vivos em praticamente todos sentidos, talvez com exceção da parte bioquímica, algo que ainda não se tem conhecimento ou tecnologia para inventar algo significativamente melhor ou igual. Mas para isso e para todo o resto, podem existir coisas tão abaixo do ótimo quanto for possível para que os seres se reproduzam.
Transpor isso para o nível de organização social (se é realmente o que você está sugerindo, não sei, espero que não) seria essencialmente o mesmo. Cada um faz o que quer, e vamos ver no que dá. Se houver uma próxima geração, façam o que fizerem, está bom.
Sem falar no ponto que o próprio estado é uma emergência espontânea de organização. Não houve de fato um momento onde alguém disse "pára tudo, está tudo errado... vamos fazer algo... chamemos isso de contrato social... então... agora, vou determinar alguns poderes arbitrários a algumas pessoas e vamos então continuar mais ou menos de onde paramos, mas a partir dessa hierarquia arbitrária que eu inventei".
E os problemas que critica no estado podem muito bem ser vistos como análogos aos problemas resultantes da falta de planejamento da seleção natural. Preservações de estruturas que podem até ter servido a alguma função, mas deixaram de servir. Parasitas, que também originam-se espontaneamente e compõem a maior parte dos seres.
user f.k.a. Cabeção escreveu:[color=#0080ff][b]Alias, isso nao e apenas teorica mas tambem factualmente questionavel. Se as experiencias socialistas recentes provaram alguma coisa foi que a despeito da crenca generalizada nesse sentido, a lei nao e uma massa de modelar das elites dominantes, sejam elas bem ou mal intencionadas. Que as tentativas do Estado de reformar o Homem sao fadadas ao fracasso porque a lei nao e uma emanacao da burocracia superior, mas que e algo mais intrinseco a realidade humana.
Então o fato das sociedades ditas "mais desenvolvidas" serem menos violentas, mais prósperas e até mais "humanas" do que as selvagens, em estágio mais próximo a uma anarquia, ou a emergências espontâneas de organização social inevitáveis, é na verdade uma coincidência estranha, ou até mesmo um erro? Que na verdade o "nobre selvagem" não é um mito?
Steven Pinker faz um bom caso a favor da noção de que as instituições foram ao longo da história "humanizando" o homem, não o tornando mais violento.
http://www.ted.com/index.php/talks/stev ... lence.html
user f.k.a. Cabeção escreveu:[...]
Ainda apegado a algum tipo de animismo criacionista moral, o minarquista e apenas um tipo de socialista que acredita que tais poderes arbitrarios devem ser designados, mas discorda desse ultimo com relacao a extensao desses poderes. Contudo, ambos concordam com relacao ao criterio legitimo para decidir a extensao desses poderes, e o minarquista fica em maus lencois quando tenta questionar a etica socialista com base na sua propria, pois ambas sao equivalentes.
A etica anarquista, por outro lado, e diferente. Ao negar a legitimidade de qualquer iniciativa coerciva, ela nao esta sujeita a cair na mesma armadilha. A lei emerge naturalmente a partir da interacao voluntaria das pessoas, tal qual os mecanismos que preservam essa lei. O Estado nao e a origem da civilizacao mas um legado da barbarie.
Pode até ser eticamente melhor simplesmente propor que ninguém use coerção contra ninguém, mas é uma fantasia ainda maior do que o mais delirante sonho de organização top-down comunista esperar que as pessoas simplesmente ajam assim, sem que ninguém nunca fosse usar de coerção. Também é de se perguntar se pode realmente ser melhor, se não lida com o mundo real?
Crítica comum ao comunismo/socialismo/esquerdismo que é uma linha de pensamento ou política que vai contra a natureza humana, mas esperar que pudesse existir uma anarquia livre de qualquer coerção consegue ser ainda mais contrário à natureza humana, de animal social.
Se essa "anarquia" não é realmente uma anarquia, mas algo não-utópico, meramente uma emergência espontânea de hierarquias não-arbitrárias, o estado já pode ser visto dessa forma, ou, pode-se dizer que viria a existir "algo" que fosse na prática muito parecido com o estado naquilo que faz, de qualquer forma.
Mas ainda assim, me parece bastante defensável que estados não surgiram arbitrariamente, com todos vivendo numa anarquia perfeita, quando de repente decidiram acatar designações arbitrárias de poderes que um cara começou a gritar de cima de um banco.
Hierarquias surgiram espontaneamente, e evoluíram também com uma certa espontâneidade, com emergências naturais, históricas, e é argumentável que é a falta de planejamento, e não a de espontaneidade, o fator mais responsável por arbitraridades criticáveis que existam em qualquer organização.
E eticamente apenas, também não sei se essa "anarquia-não-coerciva" é lá essas coisas. Talvez seja melhor aceitar a coerção como mecanismo válido para evitar a coerção, do que simplesmente esperar que isso deixe de existir por si só, ou lavar as mãos para qualquer forma de coerção que emergir espontâneamente, como se fosse eticamente superior a omissão nesses casos. Quero dizer, se fosse possível algo assim, se dissesse para os presos, "pessoal, o negócio é seguinte: de agora em diante ninguém pode usar coerção, então vocês podem ir embora se assim quiserem; mas se forem, lembrem-se que não não podem mais usar de coerção para obter nada, hein... está combinado..." e isso funcionasse, beleza. Mas a realidade não é essa. E a não-aceitação de coerção seria simplesmente aceitar a posição de vítima de quem quer que se colocasse como agressor. Não me parece muito ético.