Carlos Castelo escreveu:Ontem (28/12), no jornal da BAND, tinha uma reportagem sobre paranormalidade, no qual passou uns manés que se diziam paranormais.
Um deles que foi denominado como a maior autoridade em paranormalidade do momento (não me recordo o nome), estava fazendo comentários sobre as críticas feitas à paranormalidade e ao mesmo tempo dando exemplo desses fenômenos.
Um desses, era sobre objetos que de repente sem ter uma causa aparente começa a pegar fogo.
Ele afirmou que esse fenômeno realmente já acontecera, estória que me lembrou muito o Quevedo falando sobre assunto semelhante e dando a mesma explicação chula.
Bem, já que estamos no tópico Perguntando ao ZANGARI, gostaria de fazer uma pergunta (sem o estilo videomaker) ao mesmo:
O que você como pesquisador cético (suponho que diferente do Quevedo), tem a dizer sobre isso?
Olá, Carlos!
Bom, a mídia está repleta de auto-intitulados "dotados", cujo objetivo é reafirmar a existência de fenômenos paranormais para, por conseguinte, ter um mercado garantido. Final de ano... as aparições aumentam, sobretudo por abertura da própria mídia que sabe ter êxito nos índices de audiência com os videntes fazendo suas previsões vazias.
Minha posição a respeito do que essas pessoas alegam é cética, ou seja, duvido do que dizem, ainda que, como cientista, não possa negar aprioristicamente a existência de fenômenos que as teorias científicas não prevêem a existência. O que me parece certo é que NENHUMA alegação feita por essas pessoas deve ser tomada como evidência da existência de fenômenos paranormais. Apenas SE e QUANDO se fala de estudos empíricos, de tipo experimental, é que podemos falar de evidências científicas. Obviamente, a pergunta seguinte seria: há evidências empíricas da existência de fenômenos paranormais? Eu responderia, revendo muito do que já estudei: há evidências empíricas (experimentais) para a existência de anomalias científicas na área da interação entre os seres humanos e o meio ambiente. Dizer que algo é "anômalo", não é explicar algo, mas é reconhecer a impossibilidade momentânea de que as teorias científicas vigentes o expliquem.
A POLÊMICA
O fato é que existem duas posições diante dos dados obtidos empíricos: a dos proponentes de psi e dos não-proponentes de psi. Não faço a distinção entre céticos e não-céticos porque essa seria artificial, já que há pessoas que se disseram céticas e não céticas no passado, que atualmente estão "do lado de lá"! (Casos clássicos: Susan Blackmore era "parapsicóloga" e "tornou-se "cética", enquanto Daryl J. Bem era "cético" e tornou-se "parapsicólogo"...) Da mesma forma, essa divisão é artificial porque há parapsicólogos que alegam nunca obter resultados experimentais favoráveis à existência de anomalias, enquanto há céticos, sobretudo nos últimos 5 anos, que têm obtido resultados que oferecem evidências pró-anomalias!!! A questão é que existe uma massa de dados que apontam para a existência de anomalias e cada um dos membros de cada um dos grupos os INTERPRETA de modo distinto. Membros dos não-proponentes de psi alegam que os resultados favoráveis à existência de anomalias PODERIAM ser interpretados como resultado de falhas experimentais (no procedimento metodológico, no uso da estatística, na aleatorização dos alvos, file drawer effect, fraude...) enquanto os proponentes de psi sustentam que os dados PODERIAM apontar para a existência real de processos ainda não compreensíveis pela ciência, além de refutarem, por argumentos empíricos, cada uma das interpretações dos não-proponentes de psi. Dou um exemplo, dentre vários que poderia oferecer, o file drawer effect, que poderíamos traduzir como o efeito de "engavetamento", ou seja, apenas seriam publicados os resultados favoráveis aos fenômenos anômalos, enquanto que os desfavoráveis seriam sumariamente... eliminados, engavetados. A questão é que há instrumentos estatísticos que permitem conhecer o número de estudos desfavoráveis necessários para invalidar os dados favoráveis publicados. Há caso em que o número de estudos desfavoráveis seria tão aburdamente alto que não haveria tempo, dinheiro, número de pesquisadores disponíveis... para viabilizar a existência desses estudos! Um outro exemplo, a fraude: a maior parte dos estudos experimentais realizados nos últimos 30 anos, são praticamente à prova de fraude e, geralmente, mágicos e metodólogos são chamados para avaliar o procedimento todo e, em muitos casos, acompanharem o estudo. (Foi numa dessas que Daryl Bem - psicólogo social norte-americano da Univ. de Cornell - tornou-se, de metodólogo e ilusionista não-proponente de psi, em parapsicólogo, por não ter encontrado possibilidade de fraude nos estudos que avaliou e por ter obtido resultados favoráveis em seus próprios estudos).
O que noto na maioria dos discursos dos não-proponentes de psi é uma quase completa desinformação a respeito do campo e o uso de premissas nada céticas/científicas, visto que se atêm à negação do que desconhecem! Por outro lado, noto na maioria dos que se auto-intitulam parapsicólogos (sobretudo no Brasil) a tendência, nada cética/científica, de assumir a existência de fenômenos paranormais. Eu prefiro manter um certo distanciamento de ambas as tendências, mantendo-me exclusivamente na avaliação dos dados que foram obtidos em estudos controlados. Assim, prefiro sempre afirmar que há evidências de anomalias, mas que, como qualquer evidência científica, elas podem ser modificadas pelos dados de estudos futuros. Até esse momento, eu interpreto os dados de modo favorável à existência de alguns (poucos) efeitos anômalos, mas estou, não apenas aberto a modificar essa interpretação, como estou realizando meus próprios estudos no sentido de aumentar o banco de dados disponível nessa área.
Mas, novamente, para retornar à sua pergunta, apenas considero como evidências dignas de serem levadas em conta aquelas oriundas da pesquisa experimental e NENHUMA dos estudos de caso, ou dos assim chamados "fenômenos espontâneos". Esses servem como alegações a serem avaliadas experimentalmente. Como me dedico, além das atividades de pesquisa que me obrigam a estar a par das discussões entorno da metodologia de pesquisa, ao estudo do ilusionismo, trato de ter um olhar ainda mais crítico daquilo que se alega poder realizar de "paranormal". Já estive envolvido no estudo de pessoas que realizavma efeitos maravilhosos, mas que eram produto claro do uso de técnicas nada desconhecidas dos mágicos! Por outro lado, já presenciei efeitos que simplesmente não posso explicar por meio da Arte Mágica, o que, nem por isso me obrigam a recorrer ao experiente da aceitação da realidade dos "fenômenos paranormais". A discussão deve ser empírica, portanto feita a partir do desenvolvimento de um longo e sistemático programa de pesqusia, e não dependente de "impressões" ou "interpretações" de casos isolados e não suficientemente controlados.
Caso queira, posso oferecer referências de quaisquer de minhas afirmações acima a que lhe interesse o aprofundamento.
Um fraternal abraço,
Zangari
Estudo científico de alegações paranormais? Laboratório de Psicologia Anomalística no Instituto de Psicologia da USP.