Gente, quanta viagem! Vocês estão confundindo alhos com bugalhos.
Eu compreendo as razões pessoais do Acauan, e assino embaixo. Também não nutro nenhuma simpatia por idéias separatistas, pelos mesmos exatos motivos que o Acauan apontou.
Porém, está havendo uma confusão gigantesca aqui.
Acauan escreveu:Você pode ser tudo isto e o que mais quiser, desde que não faça propaganda separatista neste fórum, o que não será admitido em hipótese alguma.
Notem com bastante atenção o que o Acauan proibiu:
fazer propaganda separatista.
A moderação pode alegar as razões que quiser para interditar o debate sobre separatismo neste fórum, MAS NÃO ILEGALIDADE.
Abmael escreveu:É crime divulgar idéias separatistas?
Não. Não é.
Abmael escreveu:- Também acho coisa de gentinha da pior espécie, mas creio que não seja crime.
Concordamos.
Vejam a ironia: divulgar idéias nazistas é crime no Brasil. Sim, a mera difusão do ideário nazista, como, por exemplo, a publicação de livros de lavra própria defendendo idéias nazistas já é suficiente para levar seu autor à Justiça. Então percebam que o escritor não precisa praticar coisa alguma do que defende, ele já estará praticando crime apenas por defender suas teses. Porque se entende que essas doutrinas infringem a lei ao atentar contra valores resguardados pela Constituição e pela Lei.
E, no entanto,
este fórum já abriu espaço para que as idéias nazistas fossem discutidas. E não era para serem discutidas apenas entre seus delatores, mas entre delatores e partidários. Não sei se conseguirei provar, pois não me lembro se foi neste fórum ou no anterior, mas vocês se lembram desse episódio.
Outro ponto: apesar de ser crime no Brasil a divulgação de ideário nazista, o que faz com que livros desse teor sejam proibidos, apreendidos e destruídos, essa proibição não se estende, por exemplo, ao Mein Kampf, de Hitler.
Não é interessante?
Posso estar redondamente enganado quanto a isso. Todos sabemos que pirataria é crime e mesmo assim nossas cidades estão repletas de camelôs e seus produtos. Alguém poderia esclarecer esse ponto. Talvez seja proibida sua publicação hoje, após 1988, mas sua comercialização em sebos não me parece proibida. Eu tenho em casa um exemplar do Minha Luta, impresso no Brasil. E ele é encontrado livremente em sites de download de e-books de literatura clássica, sem que esses sites sofram qualquer repressão.
Seja como for, Minha Luta pode até ser uma obra ilegal. Mas o ponto em que quero chegar é que em Direito tudo tem um limite. Valor nenhum, amparado pelo Direito, é absoluto. Nenhum.
Repito: NENHUM.
Tudo no Direito é relativo, e depende de aplicações, interpretações, regulamentações, exceções e jurisprudências. O Direito é refratário a simplismos.
Isso inclui até o direito à vida. Muitos podem achar que o direito à vida humana é absoluto perante nossa Constituição. Mas não é. Nossa Constituição não permite a pena de morte, é certo. Mas isso EM TEMPOS DE PAZ. Estando em guerra, o Estado pode aplicar a pena de morte por meio de uma corte marcial. Outra exceção, infraconstitucional, creio eu, consiste no direito da mulher estuprada em abortar, assim como a gestante em risco de vida.
Aliás, a essência do Direito é arbitrar conflitos entre direitos e valores em conflito. O grande trabalho do Direito como ciência nem é tanto a briga entre o bem e o mal, que é café pequeno, mas arbitrar a muito mais complexa briga entre o bem e o bem.
Dito isso, reparemos no fato óbvio de que existe grande diferença entre defender uma idéia e praticar atos. Uma vez que nossa Constituição estabelece que é livre o direito de expressão, crimes de pensamento só podem ocorrer quando a Lei criminaliza a própria expressão de um pensamento específico, dispensando sua prática. Então é o caso de descobrir se a defesa do separatismo se inclui nessa lista de exceções ao direito à livre expressão. E esse problema não se resolve pela simples leitura de um artigo na Constituição. (Adianto que não tenho a resposta para essa pergunta.)
Exploremos alguns exemplos para que o espírito da lei fique mais claro.
No Brasil não é permitido matar. Nem mesmo ao Estado. Nem mesmo criminosos. (Em tempos de paz.) Mas não há a menor proibição para que se defenda a pena de morte. Você pode fazê-lo tão publicamente quanto queira. Pode escrever livros sobre o assunto, dar entrevistas na televisão, fundar um partido político com nome Partido da Pena de Morte, etc. Este último exemplo é duvidoso, mas certamente você pode se eleger tendo a legalização da pena de morte como plataforma política.
No entanto, se um taxista é assaltado na sua frente, se o assaltante dá azar e é capturado pelo taxista e seus colegas, e começa a ser linchado, você não tem o direito legal de gritar: mata! mata! Muito menos o de matá-lo. Aliás, não tem nem mesmo o direito de assistir sem fazer nada. Se estiver ao seu alcance, chamar a polícia é sua obrigação.
Perceberam a diferença? Ela é grande. O mesmo se aplica à legalização das drogas, da prostituição, dos cassinos, da eutanásia, do aborto, da não obrigatoriedade de votar, e etc, etc, etc.
Você também não pode discriminar um homossexual, nem persegui-lo, mas você pode ensinar, até na TV, que ele é um pecador que precisa se arrepender. (Por enquanto. Existe um projeto aprovado na Câmara querendo complicar isso.)
Também não se pode usar palavras ofensivas contra negros, de uma forma que possa ser interpretada como racismo. Você só proferiu palavras, mas irá para a cadeia por crime inafiançável. Mas se você escrever um livro tentando provar que os negros são menos inteligentes que os brancos, usando testes de QI, por exemplo, seu livro será publicado. Como se vê, o Direito é muito contextual.
Finalmente chegando à questão do separatismo, analisemos agora os textos legais citados.
Constituição Brasileira escreveu:Art. 1º da Constituição Brasileira - A República Federativa do Brasil, formada pela União INDISSOLÚVEL dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - A SOBERANIA;
II - A CIDADANIA;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Nada há, NESTE ARTIGO, que resolva a questão se é crime ou não divulgar idéias separatistas. O próprio inciso V, ao estabelecer o pluralismo político como fundamento da República, vai contra essa idéia.
O que este artigo estabelece é que é impossível fazer a separação
de forma legal. Não existe mecanismo que possa ser acionado, por decreto, plebiscito, sentença judicial, votação, etc, que resulte numa separação.
A coisa é diferente, por exemplo, do caso de fusão entre Estados. A Constituição prevê todo um detalhado roteiro a ser seguido para o caso improvável de dois Estados membros desejarem se fundir.
Mas a Constituição prevê a possibilidade de emendas. E mesmo que esta seja uma cláusula pétrea, (e é) resta garantido o direito dos objetores espernearem livremente. Porque a CF não estabelece, não neste artigo, que defender a separação seja crime.
E mesmo crimes podem ser livremente defendidos, como é o caso do aborto. NÃO PODEM SER APOIADOS EM CONCRETO, MAS PODEM SER DEBATIDOS.
Esse é o grande ponto. Se uma gestante vier até você pedindo sua ajuda para praticar um aborto ilegal você não pode ajudá-la. E se ajudar estará sendo cúmplice. Mas pode ir ao Senado, ou às ruas, e gritar a plenos pulmões que aquilo está errado.
Prossigamos.
DIG escreveu:propagação do separatismo tipifica os crimes previstos no art. 11 da Lei de Segurança nacional combinado com o art. 22, inciso IV, in verbis:
Art. 11 - Tentar desmembrar parte do território nacional para constituir país independente.
Pena: reclusão, de 4 a 12 anos.
Aqui cabe uma pergunta: a Lei de Segurança Nacional (a única lei com este nome que conheço é do tempo do regime militar) foi recepcionada pela Constituição de 1988? Essa é uma pergunta importante.
Quando uma nova constituição é promulgada, ela prevalece sobre todo o ordenamento jurídico anterior. As leis anteriores, por absoluta falta de alternativa, continuam valendo, mas apenas as cláusulas que não conflitem com a nova constituição vigente.
Se a lei não foi recepcionada, e se nenhuma nova lei foi promulgada sobre o assunto, morto está o caso. Mas acho mais provável que tenha sido recepcionada, pois a indissolubilidade da União é um princípio constitucional.
Mesmo assim, devemos atentar para o que diz a lei: "Tentar desmembrar parte do território nacional para constituir país independente." É isso o que a lei diz. O alcance da lei dependerá fundamentalmente do sentido da palavra "tentar".
Já as palavras "propagação do separatismo" são do post do DIG, e não do texto da lei. É a interpretação dele.
Mas a expressão "tentar desmembrar" pode ser entendida de outras formas. Só um especialista em Direito Constitucional saberia responder qual a forma correta de interpretarmos essa expressão à luz da CF-88. Isso se elas ainda fizerem parte do nosso ordenamento legal.
DIG escreveu:Art. 286. Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, ou multa.
De onde veio isso? Do Código Penal?
Novamente, entra em questão a interpretação que se deve dar a um verbo. O que quer dizer incitar?
O conceito de incitação é mais ligado a atitudes puramente verbais. Mas o crime de incitação ao separatismo só existirá se a defesa de idéias separatistas estiver incluída no rol de idéias indefensáveis. E isso não ficou claro.
Se não estiver incluída neste rol, você não poderá promover, por exemplo, campanhas de desobediência civil, de sonegação de impostos federais, de boicotes, fechamento de fronteiras, expulsão de compatriotas ou restrição a sua locomoção, ou mesmo incitação pura e simples à desobediência de leis federais. Mas defender a idéia da separação e suas vantagens isso você poderia fazer livremente.