Postado em 5/3/2003 09:03:33
Cmte_Euclides,
Creio que foi você que certa vez postou um comentário sobre graus de consciência, citando as formigas como exemplo - insetos incapazes de distinguir o universo Humano a sua volta, mesmo quando morando no seu açucareiro ou escalando o seu nariz.
Entretanto as formigas são um sucesso evolutivo, animais extremamente aptos que desenvolveram sociedades altamente complexas, onde cada indivíduo tem papéis estritamente definidos.
O caso das formigas reafirma um princípio básico da evolução, milhões de anos de aprimoramento tem por efeito gerar espécimes aptos - uma vez vencida a corrida pela aptidão o processo se estabiliza, chega-se ao topo do monte Improvável, como disse Richard Dawkins.
Com os computadores não seria diferente, uma vez que caracterizados por uma lógica extremamente veloz - se imaginados num ambiente regido pela seleção natural - teriam tal recurso como vantagem competitiva e se tornariam entidades lógicas cada vez mais eficientes.
O problema é que lógica não significa inteligência - um computador processa operações a partir de premissas, mas não sabe identificar se uma premissa é correta ou não. Se programarmos um computador para avaliar premissas e aprender, criando a chamada inteligência artificial, na verdade apenas estaremos definindo novas premissas que permitem avaliar as premissas antigas, sem alterar a limitação inicial da máquina.
Os Humanos se destacam dos animais ou dos computadores não apenas por suas capacidades lógicas, mas pela sua habilidade exclusiva de unificar lógica, criatividade e intuição de modo consciente num único exercício de raciocínio.
Esta foi a razão pela qual foi preciso décadas de aperfeiçoamento dos computadores para se chegar a uma conjunto de hardware e software capaz de vencer um grande mestre de xadrez. Mesmo os programas mais primitivos eram capazes de calcular as possibilidades do jogo milhares de vezes mais rápido do que qualquer campeão humano. A diferença é que qualquer jogador humano sabe intuitivamente quais possibilidades de jogo deve considerar e quais pode descartar da análise - coisa que o computador não sabe fazer.
Os computadores teriam que evoluir muito para adquirir tal capacidade e ainda muito, realmente muito mais, para terem consciência de que estão jogando xadrez com alguém.
Antes de tudo precisamos definir claramente o que é “lógica” e “raciocínio lógico”.
Uso o termo lógica para me referir ao processo mental que partindo de uma premissa estabelece conclusões coerentes através de inferência.
Um exemplo de lógica elementar neste sentido é o enunciado da propriedade reflexiva da matemática: Se a = b então b = a, por definição.
No caso acima temos uma premissa (a = b) e uma conclusão (b = a) justificada pela própria definição de igualdade, que resume a inferência (a = b porque “a” e “b” tem atributos idênticos, logo b = a pela mesma razão)
Da proposição a = b, a lógica pode inferir conclusões, MAS NÃO PODE AVALIAR A PREMISSA, aceitamos a = b como verdade, mas não temos como saber se a igualdade proposta realmente existe.
Transposto do universo conceitual para o universo físico, esta limitação da lógica torna-se evidente. No cado da inferência se a = b então b = a, o problema é que no universo físico não existem duas entidades iguais - este é um dos muitos conceitos que só existem no universo do pensamento, pois mesmo dois átomos de hidrogênio apresentam cada um particularidades que não são encontradas no outro.
Se igualdade não existe no mundo físico, todas as inferências decorrentes desta premissa estão incorretas, já que não podemos tirar conclusões verdadeiras de premissas falsas.
Apesar disto, nossa lógica é evidentemente bem sucedida, pois valendo-nos dela nos tornamos a espécie dominante do planeta, construímos a civilização e iniciamos a exploração do espaço, cabe perguntar por que uma lógica deficiente é eficaz?
Uma resposta é que desenvolvemos a capacidade do pensamento abstrato, que é conceitual, e aprendemos à aplicar este pensamento abstrato e conceitual às situações reais.
Isto advem de nossa capacidade de avaliar a magnitude do erro lógico e prever seu impacto em nosso objetivo, desconsiderando o erro quando ele não prejudica ou prejudica de modo desprezível o atingimento do objetivo.
Assim, aprendemos que uma lança pode atingir maiores distâncias se lançada para cima, descrevendo uma parábola, do que se atirada em linha reta, direto contra o alvo.
Parábola e reta são conceitos, as trajetórias descritas pela lança na realidade não são nem retas e nem parabólicas, mas valendo-se da capacidade acima citada de correlacionar conceito e real, ADMITIMOS IDEALMENTE que as trajetórias se enquadrem nestas definições geométricas, sem as quais seria impossível analisá-las logicamente. Note que as premissas são incorretas, mas o erro é conhecido e desprezado por uma avaliação consciente focada em um objetivo - atingir um alvo com uma lança.
A observação indica o fato real, mas é o pensamento abstrato que nos permite concluir que a trajetória parabólica é mais eficiente que a trajetória reta. A partir daí estabelecemos a premissa de que a trajetória influencia na eficiência do lançamento da lança - premissa conceitual - extrapolando a premissa real observada de que a trajetória parabólica - especificamente - melhora a eficácia do lançamento.
Partindo desta nova premissa, é possível estabelecer novas inferências e novas premissas não diretamente ligadas à observação inicialmente feita, ou seja se a trajetória em forma de parábola é boa para arremessar a lança, TALVEZ variando-se o ângulo de lançamento tenhamos resultados ainda melhores. Esta percepção da possibilidade motiva o experimento, que por sua vez define uma nova premissa real e observada.
Note que a experiência real, percebida através de observação estabeleceu uma premissa - mas não existe um vínculo lógico entre o fato observado e a percepção das novas possibilidades advindas da experiência real. Lógica elementar infere usando as ferramentas mentais “se” e “então” - premissa e conclusão. O componente “talvez” não se encaixa neste mecanismo, uma vez que antes de testada a hipótese, não existe premissa que a valide. Isto é evidente na proposição se a = b talvez c = a. Não existe coerência lógica na proposição. Ela é uma hipótese, que pode ser testada e provada correta, estabelecendo assim uma nova premissa.
Hipótese por definição não é conclusão e nem premissa, portanto não é elemento constituinte da sequencia lógica linear. A esta capacidade humana de estabelecer hipóteses não advindas diretamente de premissas autoevidentes ou de inferências lógicas chamamos de INTUIÇÃO.
A intuição define uma ponte: realidade - conceito - realidade, que é pilar do pensamento criativo. CRIATIVIDADE sempre se origina do abstrato, mesmo quando inspirada pelo concreto.
O que pretendo demonstrar de tudo isto é que a lógica pode tirar conclusões a partir de premissas obtidas diretamente da realidade - ou seja de proposições auto-evidentes, o que de certa forma as formigas também fazem: se esta trilha conduz do formigueiro ao açúcar, então conduzirá do açúcar ao formigueiro.
O que a formiga não pode fazer e a lógica por si só também não, é CRIAR HIPÓTESES para novas premissas, pois isto é INTUITIVO. As formigas farão sempre o mesmo trajeto até que eventos físicos as motivem a mudar. Isto porque não podem formular a hipótese do caminho “B” talvez ser melhor que o caminho “A”. A lógica conclui que se o caminho “A” leva ao alimento, que é o objetivo, e o caminho “B” é desconhecido então a realização certa do objetivo está em manter-se no caminho “A”.
Seres Humanos não seguem esta lógica. Algo em nossa natureza nos impele a explorar, descobrir, ir além, saber o que existe lá fora. Enquanto animais migram por necessidades fisiológicas, somos os únicos seres exploradores, capazes de abandonar um território de recursos abundantes em razão da simples expectativa de outros territórios ainda melhores.
Biólogos evolucionistas como Stephen Jay Gould e Richard Dawkins defendem ampla argumentação para provar que tais características intrínsecas dos Humanos é resultado da seleção natural. Não vou entrar neste mérito aqui, mas considero estas teses reducionistas.
Com base no que expus acima, entendo que lógica mais seleção natural explicam satisfatoriamente a inteligência coletiva dos formigueiros, mas são insuficientes para explicar porque os Homens são seres conscientes.
Se desenvolvermos computadores extremamente avançados e incluirmos em seus bancos de dados toda a experiência e conhecimento humanos, todas as premissas lógicas e conceitos, programas capazes de transformar estímulos externos em inputs, proceder análise combinatória que extraia do banco de dados a melhor resposta ao input recebido e se ainda, o capacitarmos a analisar inputs e conclusões e melhorar o próprio programa sempre que um dado novo tornar um premissa programada obsoleta, ainda assim faltará o TALVEZ.
A inteligência artificial se tornou uma possibilidade da tecnologia porque podemos decodificar nossa lógica em linguagem matemática na forma algoritmos.
Estamos muito longe de fazer o mesmo com nossa intuição, criatividade, abstração, instinto explorador e essência consciente. Sem estes elementos dificilmente teríamos ido muito além do domínio da savana africana onde surgimos.
ANAUÊ!