Mas Dantas, se alguém quer ler os trabalhos da Codificação como um evangélico lê a Bíblia, isso é problema de quem lê e que agüente as decepções que isso causa![/quote]
Infelizmente não é bem assim. Quando uma pessoa erra (principalmente nessa campo das convicções religiosas) não é só ela que paga o preço. Isso é verdade para cristãos, espíritas, ateus, para quem quer que seja. Responsabilidade pela nossas crenças não é algo trivial.
Sabe, Dantas, a questão do erro é algo complicado e de responsabilidade variada. Qual a responsabilidade ou culpa de Kardec? O mais sério que se levantou contra ele até agora são esses textos politicamente incorretos sobre questão racial, mas como eu já coloquei em outro tópico por aqui, esses textos não tiveram repercussão alguma. Estão lá, esquecidos nos livros e só vocês céticos estão fazendo muito cavalo de batalha em cima deles. A convicção religiosa passou batido por aqui.
O mesmo já não aconteceu com a convicção CIENTÍFICA. Em nome do que diziam postulados científicos _ EUGENIA, foi determinada a política de esterelização forçada de pessoas consideradas racialmente indesejáveis, com antecedentes criminais, eventualmente as que tivessem alguma doença geneticamente transmissível (hemofilia, miopia hereditária, daltonismo, etc). Isso quando não vieram os massacres nazistas, que tanta inveja causou nos eugenistas americanos. ISTO TUDO FOI EM NOME DA CIÊNCIA! Concordo com você que convicções podem ser muito perigosas, principalmente as científicas.
É possível que eu tenha entendido mal, mas me parece que não é bem assim, ou pelo menos na prática não se costuma enfatizar muito a falibilidade humana dessas fontes. Ou, por falar nisso, do próprio Kardec.
Mesmo alguns espíritas que conheço frequentemente estranham que a Codificação não tenha sido corrigida até hoje (coisa que, me garantem, seria perfeitamente aceitável segundo a própria DE). E não é também verdade que aceita-se que a Codificação foi ditada por espíritos particularmente evoluídos? Inclusive, se bem me lembro, um certo "Espírito da Verdade"?
Reconheço que quem realmente quer tem, por assim dizer, "autorização" para questionar esses pontos sem deixar automaticamente de ser considerado espírita. Infelizmente isso acaba fazendo pouca diferença real. A natureza humana é tal que os espíritas sentem tanta falta de certeza e segurança quanto quaisquer outros, e acabam discutindo não se, mas QUAIS PARTES da Codificação devem ser tratadas como dogma imutável e quais são "obviamente" superadas e devem ser atualizadas ou desconsideradas.
O que, sinceramente, em nada é diferente da situação do protestantismo. Só que este último grupo tem menos inclinação a se considerar a palavra última e definitiva de todas as ciências e religiões. As armadilhas são diferentes, mas não posso de boa fé dizer que há menos ou menos sérias para vocês espíritas.
O que eu acho bom no Espiritismo é a INEXISTÊNCIA DE UM COMANDO CENTRAL. Até porque isso não garante segurança doutrinária e fecha ainda mais as mentes. Sempre lembro aqui os Testemunhas de Jeová, que têm um CORPO GOVERNANTE, com poder de vida e morte sobre seus governados. Houve tempo que proibiram vacinas (depois permitiram) e houve tempo também que proibiram transplantes (alegavam antrofopagia, mas depois passaram a permiti-los). Esses casos não tiveram muita repercussão, pois não há dados de quais TJs que tenham morrido ou tido seqüelas por falta de vacina ou transplante. Mas o mesmo já não se pode dizer das transfusões de sangue. Houve várias mortes por causa disso e por essa razão o tal Corpo Governante NÃO PODE SUSPENDER A PROIBIÇÃO DE TRANSFUSÕES, pois se o fizer, os parentes da vítimas passarão a questionar:
_ Como? Neguei sangue à minha filha e ela morreu por causa disso. Fi-lo baseado nas ordenanças de Jeová e agora Jeová mudou de idéia? Por que era proibido antes e agora não é mais?
Que será do Corpo Governante se os desmiolados começarem a pensar?
Mas felizmente isso não existe no Espiritismo. Daí então a coisa fica do jeito que está. Quem sabe um dia apareça de fato um líder dos bons que garanta melhor a reformulação da coisa. Chico Xavier poderia ter sido um assim, mas ele era de uma personalidade fraca, incapaz de batalhar como polemista e se fazer firme. De acordo com Wilson Garcia, a FEB fazia mudanças em seus livros, para introduzir a fé rustenguista. Até que chegou uma hora que Emmanuel perdeu a paciência e determinou a Chico que usasse outras editoras.
Querer mudar exige coragem, mas uma coisa que jamais apostaria é num revisor perfeito.
No entanto continuamos vendo tantas racionalizações ingênuas, e até mesmo espíritas convictos que realmente acreditam mesmo hoje que ser negro é "castigo cármico"... segundo uma parenta minha que foi espírita por muitos anos, até mesmo palestrantes convidados em negação (que falam de como se sentiriam "se fossem negros") existem.
E o que quer que eu diga? Se há quem caia nesse simplismo só porque muitos que são negros têm vida difícil, só posso lamentar.
Por outro lado, se o Espiritismo não consegue encorajá-los a ter outra atitude mais madura, isso não deixa de ser uma falha real dele, que é legítimo apontar e criticar.
Nada é perfeito neste mundo, Dantas. A ciência aponta uma série de coisas que, se fossem devidamente bem seguidas, melhoraria muito os padrões de vida e qualidade neste mundo. Mas os governantes querem? Os detentores do poder econômico querem? Enfim, o problema está no homem e de como ele encara sua situação.
No livro O Céu e o Inferno, Kardec transcreve a comunicação de um espírito sofredor:
_ Quem foste na Terra?
_ Um frade sem fé.
_ A descrença foi a sua única falta?
_ ELA FOI O BASTANTE PARA CAUSAR A OUTRAS.
Veja só então a situação, Dantas. O tal frade tinha livros, tinha educação, tinha luzes para se guiar. Mas isso não foi o bastante para lhe dar força na fé. Sem a fé, ele ficou livre em seu coração para praticar os outros crimes que cometeu. Não se pode culpar a Igreja, a Bíblia e os outros livros e mestres com os quais pôde se instruir.
É isso.