PESQUISA RETIRADA DE UMA PÁGINA HOSPEDADA NA USP : ÓRGÃO OFICIAL DO DEPARTAMENTO E INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DA FACULDADE DE MEDICINA.
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol30/n1/21.html
Charles Tart (2000, pp. 33-50) enfatiza que o
preconceito de que nosso estado ordinário de consciência é algo natural e o único modo de lidar corretamente com a realidade, é um grande obstáculo à compreensão da natureza da mente e dos estados de consciência.
Nossas percepções do mundo e de nós mesmos, bem como nossas reações a eles, são construções semi-arbitrárias. Apesar de terem uma base na realidade física, são dependentes dos recursos da nossa aparelhagem biológica e moldados pelo ambiente cultural onde nos desenvolvemos. Pelo fato de sermos humanos, um grande (mas finito) leque de potenciais nos são disponíveis.
Pelo fato de nascermos em uma cultura particular, somente uma pequena porção desses potenciais se realizarão. Cada cultura valoriza e desenvolve um determinado repertório de capacidades e condena, suprime, outros. Cada um de nós é o beneficiário dessa herança cultural e vítima e escravo dessa estreiteza de nossa própria cultura.
Assim como quase todas as pessoas, de todas as culturas, em todas as épocas, pensamos que nossa cultura local é a melhor e que as outras são selvagens e atrasadas.
Geralmente não percebemos que nosso estado ordinário de consciência é apenas um dentre os muitos possíveis de interpretar e interagir com o ambiente, com suas vantagens e limitações. Cada estado de consciência pode trazer informações adicionais, ajudando-nos a ter uma compreensão mais global de nós mesmos e do mundo em que vivemos. Então, o autor faz um desafio: O método científico será expandido para a investigação dos estados de consciência ou o imenso poder dos EAC ( Estados Alterados de Consciência ) continuará a ser deixado nas mãos dos diversos cultos e seitas ? (Tart, 1972).
O repertório oferecido pelo vocabulário ocidental para a descrição de vivências espirituais é extremamente deficitário (Hufford, 1992). A linguagem que usamos para nos comunicar sobre questões da vida diária não é adequada para a descrição das vivências em um EAC, que muitas vezes é tida como inefável. As palavras e as estruturas da nossa língua são ferramentas muito inapropriadas para descrever sua natureza e dimensões, particularmente para aqueles que não as vivenciaram (Grof, 2000).
A atitude do investigador pode ter sérias implicações sobre os dados obtidos e sobre o indivíduo que relata suas experiências. Um risco é este “incrementar” seu relato ou então omiti-lo, dependendo se o pesquisador assume uma postura entusiástica ou hostil (Stevenson e Greyson, 1979; Owens et al., 1991).
Como as pessoas de um modo geral sabem que os “cientistas” tendem a desqualificar os EA ou considerá-las sinais de instabilidade mental, grande parte dessas vivências são dissimuladas (Hufford, 1992).
Tanto pela sua formação (que tende a fornecer uma visão pejorativa das dimensões religiosas e místicas da vida), como pelo fato de os profissionais de saúde mental serem bem menos religiosos que a população geral, estes têm uma grande dificuldade de empatizar com tais vivências (Lukoff et al., 1992). Uma postura hostil e/ou “psiquiatrizante” diante de muitas experiências e crenças pode trazer graves conseqüências para aquele que as vivencia. (Lu et al., 1994; APA, 1990).
Os EA, inúmeras vezes, desafiarão nossos conhecimentos e engenhosidade científica. Freqüentemente, elas poderão não ser adequadamente investigadas pelos desenhos tradicionais de estudos (Berenbaum, 2000). Sem perder o rigor científico e o senso crítico, será necessário desenvolver novas abordagens.
A tarefa de criar novos paradigmas metodológicos é a empreitada daqueles que se aventuram por um caminho ainda pouco trilhado.
Referências :
TART, C.T. – States of Consciousness and State-Specific Sciences. Science 176: 1203-10, 1972
TART, C.T. – States of Consciousness. Lincoln, Authors Guild Backprint.com Edition, 2000 (1983).
GROF, S. – Psychology of the Future – Lessons form Modern Consciousness Research – New York. State University of New York Press, pp. 276-7, 2000.
HUFFORD, D.J. – Commentary. Paranormal Experiences in the General Population. J Nerv Ment Dis 180: 362-8, 1992.
STEVENSON, I.; GREYSON, BRUCE. – Near-Death Experience: Relevance to the Question of Survival after Death. JAMA 242: 265-7, 1979.
GREYSON, BRUCE.; STEVENSON, I. – The Phenomenology of Near-Death Experiences. Am J Psychiatry 137: 1193-6, 1980.
BERENBAUM, H.; KERNS, J.; RAGHAVAN, C. – Anomalous Experiences, Peculiarity and Psychopathology. CARDEÑA, E.; LYINN, S. J. & KRIPPNER, S. Varieties of Anomalous Experience: Examining the Scientific Evidence, Washington DC, American Psychological Association, 2000.