Najma escreveu:Então diga você o que é melhor - neste mesmo quesito forma de proceder - para todas entidades racionais, em "qualquer contexto"?
Um exemplo. Você se auto-flagela e fotografa sua auto-flagelação... é bom e certo pra você? Ótimo. Seu procedimento é correto? Quem você acha que tem o direito de dizer que você está errado? Pelo visto ninguém... e não quero ser eu a dizer isso.
É ético auto-flagelar-se? Não sei... mas para MIM, não é certo nem bom e jamais me passaria pela cabeça fazer algo assim por N razões... Você tem o direito de indagar: "E daí?"... E eu continuar pensando comigo mesmo que não é certo nem bom. Fará alguma diferença pra você? Não, porque eu não posso impedir que você faça isso... Mas e se eu pudesse ficar criticando você e o que o faz feliz, apurrinhando sua paciência em toda a parte só pra poder "provar" pra você que o que você faz não é certo nem bom, mediante um contexto X, determinado por um grupo Y do qual você pretensamente faz parte, só porque eu quero "escorraçar" você de lá sob o meu pretexto de que o que você faz não é certo nem bom?
A ética acaba funcionando assim em mãos inescrupulosas, ao gerar condutas de moral na base das rédeas e cabrestos... e aí eu volto ao princípio: diga você o que é melhor - neste quesito forma de proceder - para todas entidades racionais, em "qualquer contexto"?
tsctsctsc... relativistas morais sempre vem com exemplos banais do tipo "índios andavam pelados e europeus achavam isto uma abominação", "o Dante enfia agulhas no corpo e acha isto legal"...
Eu já falei alguns posts acima que ética não consiste meramente num conjunto de orações na voz imperativa, tais como "Não andarás pelado", "enfiarás agulhas no corpo".
O fato é que nós, entidades racionais, podemos muito bem indagarmos coisas do tipo "Como todos do grupo X podem agir de forma tal a visar o bem comum para sí próprios?". Oras, o que impede de extendermos esta indagação para algo como "Como toda entidade racional pode agir visando o bem comum?".
A ética é absoluta e universal porque deriva da razão, que é absoluta e universal. Uma verdade acessível pela razão é uma verdade em qualquer tempo, lugar e contexto, por isso é absoluta; e é universal porque toda entidade racional é capaz de ter acesso a ela.
A ética está para a antropologia prática assim como a metafísica da natureza está para a física propriamente dita. Por isso a distinção. Para a ética é irrelevante o que estes ou aqueles homens fizeram, mas o que a razão ordena para as entidades providas desta.
A única resposta que a razão dá à pergunta "Como toda entidade racional pode agir visando o bem comum?" é a seguinte:
"age só segundo máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal".
De cada ação deve-se extrair a máxima que a prescreve e julgar se esta consiste ou não numa lei universalmente válida. Ilustrarei como isto é feito com um exemplo banal e outro mais sério:
Compartilhamento de música pela internet: Digamos que um usuário do soulseek baixe músicas indiscriminadamente em relação aos usuário, mas para não perder velocidade de download, não compartilhe músicas para upload. Se ele parasse para refletir a máxima que prescreve sua ação, concluiria que esta seria:
"Extrai deste recurso o que você quiser, mas por benefício pessoal, não colabore em coisa alguma com este".
Se julgarmos a possibilidade de todos agirem segundo esta máxima, chegaríamos à conclusão de que ela cairia em contradição. Oras, se ninguém colaborar em disponibilizar recursos, não haverá recursos a serem usufruídos, sendo, portanto, inútil a ação de não disponibilizar recursos para maximizar a velocidade de extração destes. A máxima, portanto, não é universalmente aplicável, o que a torna desprovida de valor moral.
Estupro: Qual a máxima que prescreve a ação de um estuprador? Não vejo outra senão esta:
"Busca o prazer para ti mesmo que a custo do sofrimento alheio"
Mais uma vez, se julgarmos a possibilidade de todos agirem segundo esta máxima, chegaríamos à conclusão de que ela cairia em contradição. Se todos buscassem o prazer a custo do sofrimento alheio, o segundo predominaria sobre o primeiro na vida de todas pessoas. Ninguém teria sucesso em se aprazer, pois mesmo que conseguisse por um instante, no seguinte o sofrimento ofuscaria esta conquista.
Proselitismo: Um religioso aspira pelo domínio absoluto de sua religião. Para tal, esforça-se em propagá-la, mesmo que desrespeitando a religião alheia. Se por um breve momento de lucidez ele fosse capaz de julgar corretamente a validade moral da sua ação, o primeiro passo seria encontrar a máxima que a prescreve, que é:
"Tendo certeza de seu ideal, divulgue-o, mesmo que inconvenientemente".
O segundo passo seria julgar a validade universal da máxima. Oras, se todos se esforçassem em impor uns aos outros aquilo que acreditam, ninguém teria sucesso algum neste empreendimento. Mesmo que arrebanha-se novos prosélitos para sua religião, também teria mais apostatas, o que faria deste empreendimento um martírio anállogo ao de Tântalo.