Conversando com o Comandante Euclides
Enviado: 28 Fev 2007, 22:09
Conversando com o Comandante Euclides
Postado originalmente em 5/3/2003 09:03:33
Por Acauan e Comandante Euclides
Participação Especial: Menashe Yehudi
Olá Cmte_Euclides,
Em meu entender o tema origens do Homem e demais seres vivos é geralmente abordado aqui e em outros espaços de discussão dentro de uma polarização simplista entre evolução e criação. Digo simplista porque raramente são considerados as extrapolações requeridas para uma visão mais abrangente do tema.
Uma exclusão recorrente é o fato de que “vida” é conceito primitivo em ciência, algo que podemos vislumbrar mas não podemos definir. Em outras palavras, não sabemos – ainda – o que a vida é.
A ciência define e estuda os “seres vivos”, estes sim objetos do método científico.
Esta diferenciação entre “vida” como conceito primitivo e de “seres vivos” como objeto cientificamente definido é o ponto de partida de minha crítica às abordagens usuais que chamei de limitadas por nunca estabelecerem uma diferenciação conceitual entre “origem da vida” e “origem dos seres vivos” – questão que considero fundamental para estabelecer julgamentos sobre a teoria da evolução.
As críticas mais pretensiosas à teoria da evolução e da origem aleatória dos seres vivos fundamentam-se sempre em duas argumentações – o da improbabilidade estatística e o do design inteligente.
Ambos os argumentos se ressentem de (pelo menos) um erro conceitual dado que:
A evolução e a origem aleatória dos seres vivos só seria um improbabilidade estatística se fosse o caso delas representarem como modelo, a tentativa de obter-se aleatoriamente um resultado determinado entre infinitos resultados possíveis.
Esta afirmação somente seria correta se houvesse certeza de que a vida somente pode manifestar-se em organismos com base na química do carbono tetraédrico – O QUE ABSOLUTAMENTE NÃO PODEMOS AFIRMAR. Se não sabemos o que é a vida, não sabemos como ela pode manifestar-se, o que desmonta logicamente a tese da “improbabilidade estatística da evolução”, uma vez que ela só seria válida se houvesse certeza de que apenas um único caminho conduz à manifestação da vida. Como isto não ocorre temos que a equação da probabilidade pode ser reformulada de “buscar um resultado determinado entre infinitos resultados possíveis” para buscar “UM NÚMERO DESCONHECIDO DE RESULTADOS INDETERMINADOS entre infinitos resultados possíveis”.
Se o número de caminhos que podem conduzir à vida são desconhecidos então se torna matematicamente absurdo falar-se em probabilidade estatística para contestar a teoria da evolução, uma vez que, em sendo desconhecido, a quantidade de tais caminhos pode variar do um ao infinito.
A proposição do design inteligente não possui sustentação muito melhor. Consideramos os seres vivos orgânicos como estruturas “maravilhosas” simplesmente porque somos seres vivos orgânicos. Outras formas de vida, se houver, talvez considerem nossos designes extremamente grosseiros, o que para eles explicaria nossa mortalidade e efemeridade como entidades vivas.
Antes que comecem a pensar que toda esta dissertação visa fugir a uma resposta direta às questões colocadas (com endereço certo) por Cmte_Euclides, devo dizer que acho a teoria da evolução plausível, possível, provável e viável para explicar a origem dos seres vivos atuais a partir de modificações promovidas numa cadeia que se inicia em organismos primitivos, que podem ter sido aleatoriamente gerados.
Como ressalva lembro o que disse sobre origem dos seres vivos e origem da vida serem coisas diferentes, cabendo a cada um interpretar os desdobramentos e possibilidades advindos desta diferenciação.
Comentarei minhas posições específicas sobre a origem do Homem e do Universo e sobre a existência de Deus nas postagens seguintes.
Continuando, agora sobre a origem do Homem.
Vejo esta questão por três ângulos: o da organicidade, da racionalidade e da consciência.
O primeiro – da organicidade – já foi respondido na postagem anterior. Somos seres vivos orgânicos, baseados na química do carbono. Do ponto de vista das estruturas constituintes não somos em nada diferentes de qualquer outro organismo vivo conhecido neste planeta, sejam eles bonobos ou amebas.
O segundo, da racionalidade, é outro tema que eu acho um tanto mistificado. Nos autodenominamos seres superiores por sermos criaturas racionais, no todo distintas das demais criaturas “irracionais” do planeta. A racionalidade – entendida aqui exclusivamente como a capacidade de pensar logicamente – é elevada a uma dimensão quase mística, o que abre caminho para as explicações religiosas.
Particularmente não acho que apenas racionalidade seja suficiente para nos classificar como seres superiores. Estou digitando num computador que gerencia inputs eletrônicos de forma lógica – e portanto racional. Isto não faz deste amontoado de plástico e metal no qual estou teclando um ser superior.
A observação dos animais evidencia que eles são dotados de uma lógica rudimentar – do tipo “se – então”, lógica esta que pode ser tanto instintiva quanto aprendida – como o macaco que bebe água num determinado ponto do rio por ser menos perigoso do que outro. Este conhecimento não pode ter sido herdado como instinto uma vez que seus antepassados não vivenciaram esta experiência específica, assim, o animal aprende com base numa racionalidade primitiva, porem não menos racional por ser primitiva.
Se assim é, a racionalidade humana é apenas mais potente que a dos outros animais, consequência de cérebros proporcionalmente maiores. Por si só, nada definível como milagroso.
O terceiro e definitivo aspecto da questão humana para mim é o da consciência. Em minha opinião nosso único atributo que nos torna especiais.
Um computador é lógico, de certa forma racional pois consegue extrair resultados coerentes a partir das premissas estabelecidas em seu programa (esta analogia foi proposta pelo filósofo Olavo de Carvalho).
Agora um computador não é consciente, ele não sabe que é um computador, que está sobre minha escrivaninha ou que eu estou digitando nele.
Já eu sei de tudo isto e mais algumas coisas – e mais – invertendo Sócrates – sei que sei.
O que não sei é porque somos conscientes.
A evolução pode ter gerado nossos corpos e moldado nossos cérebros, dando-nos racionalidade mais potente que a das demais espécies.
Mas não tenho a mais mínima idéia de porque compostos químicos baseados em carbono (nossos cérebros) deveriam se tornar entidades com consciência ou de como (ou porque) mecanismos evolucionários produziriam seres conscientes – uma vez que consciência não é uma vantagem do ponto de vista da seleção natural.
De minha parte, se há uma essência no Homem que talvez esteja além de nossas explicações mais concretas, ela reside justamente na questão colocada acima.
Sobre o Universo e sua origem:
Penso que algumas interpretações sobre a origem do Universo estão contaminadas pela mesma emotividade antropocêntrica que leva alguns a considerarem os organismos vivos como “maravilhas”, apenas porque nós somos organismos vivos.
Com frequencia ouvimos a argumentação de que o Universo “com toda a sua harmonia” não pode ser obra do caso.
Minha visão é oposta. O Universo não é harmônico coisa nenhuma – a condição de, até onde sabemos, o cosmos obedecer às leis da Física não muda o fato de que ao observá-lo encontramos muito mais caos do que ordem: estrelas que explodem (supernovas) ou que se contraem ao infinito (buracos negros), corpos errantes (cometas e asteróides) sempre prontos para se chocar com o primeiro astro incauto que cruzar a sua órbita e as próprias estrelas em si, associadas a muitas interpretações românticas, nada mais são do que explosões nucleares resultantes da fusão do Hidrogênio.
Um conceito da Física que por si só desmente as visões deslumbradas do Universo é a Entropia – conceito associado ao Segundo Princípio da Termodinâmica.
Sem entrar nas considerações matemáticas, a Entropia é a propriedade de um sistema que determina a redução da capacidade de uma determinada porção de energia produzir trabalho (trabalho no sentido mecânico).
Entropia total do Universo sempre aumenta, implicando que na ausência de outros fatores não descobertos, num futuro distante, porém finito, todas as estrelas se apagarão e o Universo morrerá.
As visões românticas dificilmente levam este dado em consideração.
A teoria atual predominante sobre a origem do Universo – a do Big Bang – é baseada na observação de que todas as galáxias estão se afastando uma das outras, ou seja o Universo está se expandindo – o que sugere que teve um princípio.
Se a Física nos indica que o Universo teve um princípio e terá um fim, o cosmos passa a ser uma entidade perfeitamente enquadrada numa realidade material.
As especulações surgem quando se levantam as questões sobre o que havia antes do princípio e o que haverá depois do fim – paradoxo que não pode ser respondido pela Ciência ou pela lógica.
Se querem saber o que eu penso que havia antes do princípio e o que haverá depois do fim do Universo, minha resposta é: Não tenho a mais mínima idéia.
E finalmente: a existência de Deus.
Antes de iniciar esta abordagem cabe conceituar o que entendo por Deus, palavra que para mim define um ser consciente que em si só é infinito em TODOS os seus atributos.
A partir daí podemos situar a existência de Deus em três contextos: físico, conceitual e da fé.
No contexto físico a existência de Deus é improvável – o universo físico é uma realidade regida por leis naturais. Tudo que nele existe está sujeito a esta restrição. Se Deus, por definição, não está sujeito a nenhum tipo de restrição, então ele não pode existir como parte do Universo físico. Se correta, esta inferência por si só invalida qualquer tentativa de demonstração científica da existência de Deus.
No contexto conceitual Deus é um axioma, melhor dizendo, o axioma primordial, que justifica todos os outros e não é justificado por nenhum. Como a realidade conceitual não está sujeita a restrições, nela a existência de Deus é possível – embora não possa dizer até que ponto provável, uma vez que esta proposição não explica como uma entidade consciente pode existir numa realidade conceitual.
E por fim o contexto mais óbvio que é o da Fé, onde Deus existe para aqueles que creem nele. O problema aí reside em que para cada crente existiria um Deus, tornando múltiplo um conceito que deveria se único.
Bem Cmte_Euclides, não sei se era isto que tinha em mente quando perguntou, mas espero que minhas respostas lhe tenham sido satisfatórias
Menasheh,
Minha proposição é que se nada é real então nos não somos seres conscientes.
A consciência se manifesta em nossa capacidade de sabermos quem somos, que existe uma realidade externa a nos mesmos e onde nos situamos nesta realidade externa.
Esta capacidade está sujeita a diversos graus de falhas, uma vez que temos que interpretar uma percepção da realidade que não necessariamente é a realidade em si.
O fato de termos que interpretar nossas percepções ou de nossos sentidos serem instrumentos deficientes não altera o real. É como dizer que a estrelas não existem porque você as observou com um telescópio defeituoso.
Se nada é real, então não somos reais e não existe uma realidade externa, portanto, por definição não somos seres conscientes - só que até onde eu sei, toda a moral judaica se baseia na premissa de que o Homem é um ser consciente e portanto senhor de suas escolhas.
O que você me diz a respeito?
Cmte_Euclides,
Creio que foi você que certa vez postou um comentário sobre graus de consciência, citando as formigas como exemplo - insetos incapazes de distinguir o universo Humano a sua volta, mesmo quando morando no seu açucareiro ou escalando o seu nariz.
Entretanto as formigas são um sucesso evolutivo, animais extremamente aptos que desenvolveram sociedades altamente complexas, onde cada indivíduo tem papéis estritamente definidos.
O caso das formigas reafirma um princípio básico da evolução, milhões de anos de aprimoramento tem por efeito gerar espécimes aptos - uma vez vencida a corrida pela aptidão o processo se estabiliza, chega-se ao topo do monte Improvável, como diria Richard Dawkins.
Com os computadores não seria diferente, uma vez que caracterizados por uma lógica extremamente veloz - se imaginados num ambiente regido pela seleção natural - teriam tal recurso como vantagem competitiva e se tornariam entidades lógicas cada vez mais eficientes.
O problema é que lógica não significa inteligência - um computador processa operações a partir de premissas, mas não sabe identificar se uma premissa é correta ou não. Se programarmos um computador para avaliar premissas e aprender, criando a chamada inteligência artificial, na verdade apenas estaremos definindo novas premissas que permitem avaliar as premissas antigas, sem alterar a limitação inicial da máquina.
Os Humanos se destacam dos animais ou dos computadores não apenas por suas capacidades lógicas, mas pela sua habilidade exclusiva de unificar lógica, criatividade e intuição de modo consciente num único exercício de raciocínio.
Esta foi a razão pela qual foi preciso décadas de aperfeiçoamento dos computadores para se chegar a uma conjunto de hardware e software capaz de vencer um grande mestre de xadrez. Mesmo os programas mais primitivos eram capazes de calcular as possibilidades do jogo milhares de vezes mais rápido do que qualquer campeão humano. A diferença é que qualquer jogador humano sabe intuitivamente quais possibilidades de jogo deve considerar e quais pode descartar da análise - coisa que o computador não sabe fazer.
Os computadores teriam que evoluir muito para adquirir tal capacidade e ainda muito, realmente muito mais, para terem consciência de que estão jogando xadrez com alguém.
Antes de mais nada precisamos definir claramente o que é “lógica” e “raciocínio lógico”.
Uso o termo lógica para me referir ao processo mental que partindo de uma premissa estabelece conclusões coerentes através de inferência.
Um exemplo de lógica elementar neste sentido é o enunciado da propriedade reflexiva da matemática: Se a = b então b = a, por definição.
No caso acima temos uma premissa (a = b) e uma conclusão (b = a) justificada pela própria definição de igualdade, que resume a inferência (a = b porque “a” e “b” tem atributos idênticos, logo b = a pela mesma razão)
Da proposição a = b, a lógica pode inferir conclusões, MAS NÃO PODE AVALIAR A PREMISSA, aceitamos a = b como verdade, mas não temos como saber se a igualdade proposta realmente existe.
Transposto do universo conceitual para o universo físico, esta limitação da lógica torna-se evidente. No cado da inferência se a = b então b = a, o problema é que no universo físico não existem duas entidades iguais - este é um dos muitos conceitos que só existem no universo do pensamento, pois mesmo dois átomos de hidrogênio apresentam cada um particularidades que não são encontradas no outro.
Se igualdade não existe no mundo físico, todas as inferências decorrentes desta premissa estão incorretas, já que não podemos tirar conclusões verdadeiras de premissas falsas.
Apesar disto, nossa lógica é evidentemente bem sucedida, pois valendo-nos dela nos tornamos a espécie dominante do planeta, construímos a civilização e iniciamos a exploração do espaço, cabe perguntar por que uma lógica deficiente é eficaz?
Uma resposta é que desenvolvemos a capacidade do pensamento abstrato, que é conceitual, e aprendemos à aplicar este pensamento abstrato e conceitual às situações reais.
Isto advem de nossa capacidade de avaliar a magnitude do erro lógico e prever seu impacto em nosso objetivo, desconsiderando o erro quando ele não prejudica ou prejudica de modo desprezível o atingimento do objetivo.
Assim, aprendemos que uma lança pode atingir maiores distâncias se lançada para cima, descrevendo uma parábola, do que se atirada em linha reta, direto contra o alvo.
Parábola e reta são conceitos, as trajetórias descritas pela lança na realidade não são nem retas e nem parabólicas, mas valendo-se da capacidade acima citada de correlacionar conceito e real, ADMITIMOS IDEALMENTE que as trajetórias se enquadrem nestas definições geométricas, sem as quais seria impossível analisá-las logicamente. Note que as premissas são incorretas, mas o erro é conhecido e desprezado por uma avaliação consciente focada em um objetivo - atingir um alvo com uma lança.
A observação indica o fato real, mas é o pensamento abstrato que nos permite concluir que a trajetória parabólica é mais eficiente que a trajetória reta. A partir daí estabelecemos a premissa de que a trajetória influencia na eficiência do lançamento da lança - premissa conceitual - extrapolando a premissa real observada de que a trajetória parabólica - especificamente - melhora a eficácia do lançamento.
Partindo desta nova premissa, é possível estabelecer novas inferências e novas premissas não diretamente ligadas à observação inicialmente feita, ou seja se a trajetória em forma de parábola é boa para arremessar a lança, TALVEZ variando-se o ângulo de lançamento tenhamos resultados ainda melhores. Esta percepção da possibilidade motiva o experimento, que por sua vez define uma nova premissa real e observada.
Note que a experiência real, percebida através de observação estabeleceu uma premissa - mas não existe um vínculo lógico entre o fato observado e a percepção das novas possibilidades advindas da experiência real. Lógica elementar infere usando as ferramentas mentais “se” e “então” - premissa e conclusão. O componente “talvez” não se encaixa neste mecanismo, uma vez que antes de testada a hipótese, não existe premissa que a valide. Isto é evidente na proposição se a = b talvez c = a. Não existe coerência lógica na proposição. Ela é uma hipótese, que pode ser testada e provada correta, estabelecendo assim uma nova premissa.
Hipótese por definição não é conclusão e nem premissa, portanto não é elemento constituinte da sequencia lógica linear. A esta capacidade humana de estabelecer hipóteses não advindas diretamente de premissas autoevidentes ou de inferências lógicas chamamos de INTUIÇÃO.
A intuição define uma ponte: realidade - conceito - realidade, que é pilar do pensamento criativo. CRIATIVIDADE sempre se origina do abstrato, mesmo quando inspirada pelo concreto.
O que pretendo demonstrar de tudo isto é que a lógica pode tirar conclusões a partir de premissas obtidas diretamente da realidade - ou seja de proposições auto-evidentes, o que de certa forma as formigas também fazem: se esta trilha conduz do formigueiro ao açucar, então conduzirá do açucar ao formigueiro.
O que a formiga não pode fazer e a lógica por si só também não, é CRIAR HIPÓTESES para novas premissas, pois isto é INTUITIVO. As formigas farão sempre o mesmo trajeto até que eventos físicos as motivem a mudar. Isto porque não podem formular a hipótese do caminho “B” talvez ser melhor que o caminho “A”. A lógica conclui que se o caminho “A” leva ao alimento, que é o objetivo, e o caminho “B” é desconhecido então a realização certa do objetivo está em manter-se no caminho “A”.
Seres Humanos não seguem esta lógica. Algo em nossa natureza nos impele a explorar, descobrir, ir além, saber o que existe lá fora. Enquanto animais migram por necessidades fisiológicas, somos os únicos seres exploradores, capazes de abandonar um território de recursos abundantes em razão da simples expectativa de outros territórios ainda melhores.
Biólogos evolucionistas como Stephen Jay Gould e Richard Dawkins defendem ampla argumentação para provar que tais características intrínsecas dos Humanos é resultado da seleção natural. Não vou entrar neste mérito aqui, mas considero estas teses reducionistas.
Com base no que expus acima, entendo que lógica mais seleção natural explicam satisfatoriamente a inteligência coletiva dos formigueiros, mas são insuficientes para explicar porque os Homens são seres conscientes.
Se desenvolvermos computadores extremamente avançados e incluirmos em seus bancos de dados toda a experiência e conhecimento humanos, todas as premissas lógicas e conceitos, programas capazes de transformar estímulos externos em inputs, proceder análise combinatória que extraia do banco de dados a melhor resposta ao input recebido e se ainda, o capacitarmos a analisar inputs e conclusões e melhorar o próprio programa sempre que um dado novo tornar um premissa programada obsoleta, ainda assim faltará o TALVEZ.
A inteligência artificial se tornou uma possibilidade da tecnologia porque podemos decodificar nossa lógica em linguagem matemática na forma algoritmos.
Estamos muito longe de fazer o mesmo com nossa intuição, criatividade, abstração, instinto explorador e essência consciente. Sem estes elementos dificilmente teríamos ido muito além do domínio da savana africana onde surgimos.
Apesar disto, nossa lógica é evidentemente bem sucedida, pois valendo-nos dela nos tornamos a espécie dominante do planeta, construímos a civilização e iniciamos a exploração do espaço, cabe perguntar por que uma lógica deficiente é eficaz?
Quanto a esta questão eu só posso especular. A tese da Seleção Natural como motor da evolução ao meu ver precisa ser complementada. É nesta necessidade de complementação que os fundamentalistas cristãos encontram espaço para apregoar suas doutrinas pseudo-científicas.
A seleção natural tem por objetivo produzir espécimes aptos ao ambiente em que vivem. Atingida a aptidão o design evolutivo sofre ajustes finos, mas não mais modificações significativas. Exemplos vivos deste princípio são os tubarões, crocodilos e celacantos que não apresentam mudanças significativas em seu design básico há dezenas de milhões de anos.
Este fato e outros sugere que a curva evolutiva seja exponencial e não reta.
Se aceitamos que a seleção natural é o motor da evolução, direcionando a curva exponencial das modificações num sentido definido rumo à aptidão, um outro elemento, ainda desconhecido, define o ponto de inflexão do processo.
O ponto ao qual eu quero chegar é que inteligência não tem nada que ver com aptidão. Criaturas extremamente estúpidas são sucessos evolucionários há várias eras e a evolução não vê porque modificá-las mais.
No caso dos Humanos a história é diferente. Mesmo após termos garantido supremacia adaptativa em relação às demais espécies, nossos cérebros continuaram aumentando de tamanho. Por algum motivo ainda não definitivamente demonstrado, a evolução conduziu conosco um experimento completamente novo e que portanto pode ser associado a uma variante dos mecanismos evolutivos observados nas outras espécies. O que não fica evidente é o que teria causado esta variação. Existem várias teorias a respeito, como as exigências cerebrais do andar ereto, mas é pouco provável que o assunto se esgote em justificativas tão simples.
Isto é vivência. Vivência os animais também possuem. Um macaco mordido por uma piranha (entenda-se o peixe) vai aprender a tomar mais cuidado na hora de beber água em qualquer lugar.
Já os homens podem observar a piranha, perceber seus dentes grandes e afiados e CONCLUIR que precisa tomar cuidado com aquele peixe, MESMO SEM NUNCA TER SIDO MORDIDO.
Isto é pensamento abstrato. CRIAR num universo mental uma realidade que não existe no universo físico, comparar realidade e abstração e identificar sob que condições a abstração pode se tornar real.
Até aí nos mantemos no domínio da lógica: premissa - inferência - conclusão.
Se dentes grandes e afiados podem cortar a pele e se a piranha possui dentes grandes e afiados, então a mordedura da piranha pode causar ferimentos.
A lógica no caso apenas trabalhou conceitos concretos para chegar a uma conclusão coerente.
No caso do arremesso da lança, o pensamento abstrato precisa valer-se de conceitos geométricos como formato da trajetória e ângulo de lançamento. Tais conceitos não existem na natureza. Não podem ser simplesmente observados e processados como dados de input. Eles tem que ser mentalmente concebidos. Aí voltamos à diferenciação entre inteligência abstrata criativa e raciocínio lógico concreto.
Muito do nosso aprendizado como espécie provém do exemplo e imitação de ações. Esta é uma característica de todos os primatas. O que nos diferencia dos demais primatas é nossa capacidade de aprender com COISAS QUE NÃO EXISTEM CONCRETAMENTE.
Note que se aprendizado humano se restringisse a aprender a partir de exemplos e imitações de ações, nós jamais teríamos desenvolvido a linguagem - alguém, em alguma época teve que apontar alguma coisa, fazer um determinado som, fazer com que os outros compreendessem que aquele som representava aquela coisa e fazer com que todos reproduzissem sempre aquele mesmo som quando quisessem se referir à coisa que o som representava. Depois de feito isto com algumas centenas de sons e coisas, aí sim as crianças passaram a aprender a linguagem por vivência, apenas ouvindo os humanos próximos falando e vendo o que os sons representavam. Só que antes disto, um processo extremamente complexo teve que ser CRIADO em nível mental e disseminado de modo físico, para que os demais envolvidos pudessem captar por meio dos sentidos. O que temos aí é o oposto do aprendizado por vivência, onde o real produz a idéia - no caso a idéia produziu o real, e apenas humanos podem fazer isto.
O que nos caracteriza como “racionais” é justamente nossa capacidade de aprender coisas que não existiam antes de nos próprios a desenvolvermos por meio da inteligência.
Quanto à exploração, ela também tem de ser vista na abrangência do seu significado para os humanos. Muitos animais são curiosos e diante de situações novas procuram entender do que se trata aquela novidade.
A diferença é que os animais NÃO PROCURAM POR NOVIDADES, eles se interessam por elas quando estas se apresentam diante deles, mas nada na natureza dos animais sugere que exista neles A NECESSIDADE DO NOVO. Esta necessidade do novo é essencialmente humana. Não olhamos as estrela apenas para tentar prever as chuvas, mas imaginando COMO PODERÍAMOS TOCÁ-LAS. Isto não nos tráz alimento ou abrigo, mas é sem dúvida uma necessidade inerente a todos nós.
Isto é Química Experimental. Antes de chegar a ela havia a alquimia e antes da alquimia havia a crença no poder místico oculto na essência das substâncias. Paradoxalmente a ciência se origina de crenças supersticiosas. Os astrônomos podem hoje, com razão, desprezar a pseudo-ciência da astrologia como atualmente praticada. Mas a astronomia nasceu da astrologia - olhavamos o céu com intenções místicas e não científicas. De novo motivações abstratas nos conduziram à experimentação concreta e não o contrário.
Espero que sim.
ANAUÊ Comandante!
Postado originalmente em 5/3/2003 09:03:33
Por Acauan e Comandante Euclides
Participação Especial: Menashe Yehudi
Comandante Euclides escreveu:Gostaria de saber a opinião de vocês no que se diz em relação a origens do homem/seres vivos, universo além de existência divina.
Sei que ja devem ter falado sobre isso em outros tópicos.......mas é que vcs todos escrevem bastante :-D e eu não teria tempo para ler o forum inteiro.
Não sei se vão querer responder, mas eu gostaria bastante de ler.
Pediria que fossem específicos.
Abraço
Olá Cmte_Euclides,
Em meu entender o tema origens do Homem e demais seres vivos é geralmente abordado aqui e em outros espaços de discussão dentro de uma polarização simplista entre evolução e criação. Digo simplista porque raramente são considerados as extrapolações requeridas para uma visão mais abrangente do tema.
Uma exclusão recorrente é o fato de que “vida” é conceito primitivo em ciência, algo que podemos vislumbrar mas não podemos definir. Em outras palavras, não sabemos – ainda – o que a vida é.
A ciência define e estuda os “seres vivos”, estes sim objetos do método científico.
Esta diferenciação entre “vida” como conceito primitivo e de “seres vivos” como objeto cientificamente definido é o ponto de partida de minha crítica às abordagens usuais que chamei de limitadas por nunca estabelecerem uma diferenciação conceitual entre “origem da vida” e “origem dos seres vivos” – questão que considero fundamental para estabelecer julgamentos sobre a teoria da evolução.
As críticas mais pretensiosas à teoria da evolução e da origem aleatória dos seres vivos fundamentam-se sempre em duas argumentações – o da improbabilidade estatística e o do design inteligente.
Ambos os argumentos se ressentem de (pelo menos) um erro conceitual dado que:
A evolução e a origem aleatória dos seres vivos só seria um improbabilidade estatística se fosse o caso delas representarem como modelo, a tentativa de obter-se aleatoriamente um resultado determinado entre infinitos resultados possíveis.
Esta afirmação somente seria correta se houvesse certeza de que a vida somente pode manifestar-se em organismos com base na química do carbono tetraédrico – O QUE ABSOLUTAMENTE NÃO PODEMOS AFIRMAR. Se não sabemos o que é a vida, não sabemos como ela pode manifestar-se, o que desmonta logicamente a tese da “improbabilidade estatística da evolução”, uma vez que ela só seria válida se houvesse certeza de que apenas um único caminho conduz à manifestação da vida. Como isto não ocorre temos que a equação da probabilidade pode ser reformulada de “buscar um resultado determinado entre infinitos resultados possíveis” para buscar “UM NÚMERO DESCONHECIDO DE RESULTADOS INDETERMINADOS entre infinitos resultados possíveis”.
Se o número de caminhos que podem conduzir à vida são desconhecidos então se torna matematicamente absurdo falar-se em probabilidade estatística para contestar a teoria da evolução, uma vez que, em sendo desconhecido, a quantidade de tais caminhos pode variar do um ao infinito.
A proposição do design inteligente não possui sustentação muito melhor. Consideramos os seres vivos orgânicos como estruturas “maravilhosas” simplesmente porque somos seres vivos orgânicos. Outras formas de vida, se houver, talvez considerem nossos designes extremamente grosseiros, o que para eles explicaria nossa mortalidade e efemeridade como entidades vivas.
Antes que comecem a pensar que toda esta dissertação visa fugir a uma resposta direta às questões colocadas (com endereço certo) por Cmte_Euclides, devo dizer que acho a teoria da evolução plausível, possível, provável e viável para explicar a origem dos seres vivos atuais a partir de modificações promovidas numa cadeia que se inicia em organismos primitivos, que podem ter sido aleatoriamente gerados.
Como ressalva lembro o que disse sobre origem dos seres vivos e origem da vida serem coisas diferentes, cabendo a cada um interpretar os desdobramentos e possibilidades advindos desta diferenciação.
Comentarei minhas posições específicas sobre a origem do Homem e do Universo e sobre a existência de Deus nas postagens seguintes.
Continuando, agora sobre a origem do Homem.
Vejo esta questão por três ângulos: o da organicidade, da racionalidade e da consciência.
O primeiro – da organicidade – já foi respondido na postagem anterior. Somos seres vivos orgânicos, baseados na química do carbono. Do ponto de vista das estruturas constituintes não somos em nada diferentes de qualquer outro organismo vivo conhecido neste planeta, sejam eles bonobos ou amebas.
O segundo, da racionalidade, é outro tema que eu acho um tanto mistificado. Nos autodenominamos seres superiores por sermos criaturas racionais, no todo distintas das demais criaturas “irracionais” do planeta. A racionalidade – entendida aqui exclusivamente como a capacidade de pensar logicamente – é elevada a uma dimensão quase mística, o que abre caminho para as explicações religiosas.
Particularmente não acho que apenas racionalidade seja suficiente para nos classificar como seres superiores. Estou digitando num computador que gerencia inputs eletrônicos de forma lógica – e portanto racional. Isto não faz deste amontoado de plástico e metal no qual estou teclando um ser superior.
A observação dos animais evidencia que eles são dotados de uma lógica rudimentar – do tipo “se – então”, lógica esta que pode ser tanto instintiva quanto aprendida – como o macaco que bebe água num determinado ponto do rio por ser menos perigoso do que outro. Este conhecimento não pode ter sido herdado como instinto uma vez que seus antepassados não vivenciaram esta experiência específica, assim, o animal aprende com base numa racionalidade primitiva, porem não menos racional por ser primitiva.
Se assim é, a racionalidade humana é apenas mais potente que a dos outros animais, consequência de cérebros proporcionalmente maiores. Por si só, nada definível como milagroso.
O terceiro e definitivo aspecto da questão humana para mim é o da consciência. Em minha opinião nosso único atributo que nos torna especiais.
Um computador é lógico, de certa forma racional pois consegue extrair resultados coerentes a partir das premissas estabelecidas em seu programa (esta analogia foi proposta pelo filósofo Olavo de Carvalho).
Agora um computador não é consciente, ele não sabe que é um computador, que está sobre minha escrivaninha ou que eu estou digitando nele.
Já eu sei de tudo isto e mais algumas coisas – e mais – invertendo Sócrates – sei que sei.
O que não sei é porque somos conscientes.
A evolução pode ter gerado nossos corpos e moldado nossos cérebros, dando-nos racionalidade mais potente que a das demais espécies.
Mas não tenho a mais mínima idéia de porque compostos químicos baseados em carbono (nossos cérebros) deveriam se tornar entidades com consciência ou de como (ou porque) mecanismos evolucionários produziriam seres conscientes – uma vez que consciência não é uma vantagem do ponto de vista da seleção natural.
De minha parte, se há uma essência no Homem que talvez esteja além de nossas explicações mais concretas, ela reside justamente na questão colocada acima.
Sobre o Universo e sua origem:
Penso que algumas interpretações sobre a origem do Universo estão contaminadas pela mesma emotividade antropocêntrica que leva alguns a considerarem os organismos vivos como “maravilhas”, apenas porque nós somos organismos vivos.
Com frequencia ouvimos a argumentação de que o Universo “com toda a sua harmonia” não pode ser obra do caso.
Minha visão é oposta. O Universo não é harmônico coisa nenhuma – a condição de, até onde sabemos, o cosmos obedecer às leis da Física não muda o fato de que ao observá-lo encontramos muito mais caos do que ordem: estrelas que explodem (supernovas) ou que se contraem ao infinito (buracos negros), corpos errantes (cometas e asteróides) sempre prontos para se chocar com o primeiro astro incauto que cruzar a sua órbita e as próprias estrelas em si, associadas a muitas interpretações românticas, nada mais são do que explosões nucleares resultantes da fusão do Hidrogênio.
Um conceito da Física que por si só desmente as visões deslumbradas do Universo é a Entropia – conceito associado ao Segundo Princípio da Termodinâmica.
Sem entrar nas considerações matemáticas, a Entropia é a propriedade de um sistema que determina a redução da capacidade de uma determinada porção de energia produzir trabalho (trabalho no sentido mecânico).
Entropia total do Universo sempre aumenta, implicando que na ausência de outros fatores não descobertos, num futuro distante, porém finito, todas as estrelas se apagarão e o Universo morrerá.
As visões românticas dificilmente levam este dado em consideração.
A teoria atual predominante sobre a origem do Universo – a do Big Bang – é baseada na observação de que todas as galáxias estão se afastando uma das outras, ou seja o Universo está se expandindo – o que sugere que teve um princípio.
Se a Física nos indica que o Universo teve um princípio e terá um fim, o cosmos passa a ser uma entidade perfeitamente enquadrada numa realidade material.
As especulações surgem quando se levantam as questões sobre o que havia antes do princípio e o que haverá depois do fim – paradoxo que não pode ser respondido pela Ciência ou pela lógica.
Se querem saber o que eu penso que havia antes do princípio e o que haverá depois do fim do Universo, minha resposta é: Não tenho a mais mínima idéia.
E finalmente: a existência de Deus.
Antes de iniciar esta abordagem cabe conceituar o que entendo por Deus, palavra que para mim define um ser consciente que em si só é infinito em TODOS os seus atributos.
A partir daí podemos situar a existência de Deus em três contextos: físico, conceitual e da fé.
No contexto físico a existência de Deus é improvável – o universo físico é uma realidade regida por leis naturais. Tudo que nele existe está sujeito a esta restrição. Se Deus, por definição, não está sujeito a nenhum tipo de restrição, então ele não pode existir como parte do Universo físico. Se correta, esta inferência por si só invalida qualquer tentativa de demonstração científica da existência de Deus.
No contexto conceitual Deus é um axioma, melhor dizendo, o axioma primordial, que justifica todos os outros e não é justificado por nenhum. Como a realidade conceitual não está sujeita a restrições, nela a existência de Deus é possível – embora não possa dizer até que ponto provável, uma vez que esta proposição não explica como uma entidade consciente pode existir numa realidade conceitual.
E por fim o contexto mais óbvio que é o da Fé, onde Deus existe para aqueles que creem nele. O problema aí reside em que para cada crente existiria um Deus, tornando múltiplo um conceito que deveria se único.
Bem Cmte_Euclides, não sei se era isto que tinha em mente quando perguntou, mas espero que minhas respostas lhe tenham sido satisfatórias
Menasheh Yehudi escreveu:Mensagem original postada por Menasheh@Yehudi:
do ponto de vista racional... eu concordo com o Acauan...
...
A realidade do ponto de vista rel/cabalistico, é de que nada é real, nada pode ser realmente considerado definitivo, nossos cinco sentidos captam uma realidade/reflexo algo como um mundo projetado, (como o filme matrix, que foi feito por 2 judeus usando esse conceito), onde nos podemos coexistir com essa pseudo realidade e interagir com ela...
Menasheh,
Minha proposição é que se nada é real então nos não somos seres conscientes.
A consciência se manifesta em nossa capacidade de sabermos quem somos, que existe uma realidade externa a nos mesmos e onde nos situamos nesta realidade externa.
Esta capacidade está sujeita a diversos graus de falhas, uma vez que temos que interpretar uma percepção da realidade que não necessariamente é a realidade em si.
O fato de termos que interpretar nossas percepções ou de nossos sentidos serem instrumentos deficientes não altera o real. É como dizer que a estrelas não existem porque você as observou com um telescópio defeituoso.
Se nada é real, então não somos reais e não existe uma realidade externa, portanto, por definição não somos seres conscientes - só que até onde eu sei, toda a moral judaica se baseia na premissa de que o Homem é um ser consciente e portanto senhor de suas escolhas.
O que você me diz a respeito?
Cmte_Euclides,
Creio que foi você que certa vez postou um comentário sobre graus de consciência, citando as formigas como exemplo - insetos incapazes de distinguir o universo Humano a sua volta, mesmo quando morando no seu açucareiro ou escalando o seu nariz.
Entretanto as formigas são um sucesso evolutivo, animais extremamente aptos que desenvolveram sociedades altamente complexas, onde cada indivíduo tem papéis estritamente definidos.
O caso das formigas reafirma um princípio básico da evolução, milhões de anos de aprimoramento tem por efeito gerar espécimes aptos - uma vez vencida a corrida pela aptidão o processo se estabiliza, chega-se ao topo do monte Improvável, como diria Richard Dawkins.
Com os computadores não seria diferente, uma vez que caracterizados por uma lógica extremamente veloz - se imaginados num ambiente regido pela seleção natural - teriam tal recurso como vantagem competitiva e se tornariam entidades lógicas cada vez mais eficientes.
O problema é que lógica não significa inteligência - um computador processa operações a partir de premissas, mas não sabe identificar se uma premissa é correta ou não. Se programarmos um computador para avaliar premissas e aprender, criando a chamada inteligência artificial, na verdade apenas estaremos definindo novas premissas que permitem avaliar as premissas antigas, sem alterar a limitação inicial da máquina.
Os Humanos se destacam dos animais ou dos computadores não apenas por suas capacidades lógicas, mas pela sua habilidade exclusiva de unificar lógica, criatividade e intuição de modo consciente num único exercício de raciocínio.
Esta foi a razão pela qual foi preciso décadas de aperfeiçoamento dos computadores para se chegar a uma conjunto de hardware e software capaz de vencer um grande mestre de xadrez. Mesmo os programas mais primitivos eram capazes de calcular as possibilidades do jogo milhares de vezes mais rápido do que qualquer campeão humano. A diferença é que qualquer jogador humano sabe intuitivamente quais possibilidades de jogo deve considerar e quais pode descartar da análise - coisa que o computador não sabe fazer.
Os computadores teriam que evoluir muito para adquirir tal capacidade e ainda muito, realmente muito mais, para terem consciência de que estão jogando xadrez com alguém.
Antes de mais nada precisamos definir claramente o que é “lógica” e “raciocínio lógico”.
Uso o termo lógica para me referir ao processo mental que partindo de uma premissa estabelece conclusões coerentes através de inferência.
Um exemplo de lógica elementar neste sentido é o enunciado da propriedade reflexiva da matemática: Se a = b então b = a, por definição.
No caso acima temos uma premissa (a = b) e uma conclusão (b = a) justificada pela própria definição de igualdade, que resume a inferência (a = b porque “a” e “b” tem atributos idênticos, logo b = a pela mesma razão)
Da proposição a = b, a lógica pode inferir conclusões, MAS NÃO PODE AVALIAR A PREMISSA, aceitamos a = b como verdade, mas não temos como saber se a igualdade proposta realmente existe.
Transposto do universo conceitual para o universo físico, esta limitação da lógica torna-se evidente. No cado da inferência se a = b então b = a, o problema é que no universo físico não existem duas entidades iguais - este é um dos muitos conceitos que só existem no universo do pensamento, pois mesmo dois átomos de hidrogênio apresentam cada um particularidades que não são encontradas no outro.
Se igualdade não existe no mundo físico, todas as inferências decorrentes desta premissa estão incorretas, já que não podemos tirar conclusões verdadeiras de premissas falsas.
Apesar disto, nossa lógica é evidentemente bem sucedida, pois valendo-nos dela nos tornamos a espécie dominante do planeta, construímos a civilização e iniciamos a exploração do espaço, cabe perguntar por que uma lógica deficiente é eficaz?
Uma resposta é que desenvolvemos a capacidade do pensamento abstrato, que é conceitual, e aprendemos à aplicar este pensamento abstrato e conceitual às situações reais.
Isto advem de nossa capacidade de avaliar a magnitude do erro lógico e prever seu impacto em nosso objetivo, desconsiderando o erro quando ele não prejudica ou prejudica de modo desprezível o atingimento do objetivo.
Assim, aprendemos que uma lança pode atingir maiores distâncias se lançada para cima, descrevendo uma parábola, do que se atirada em linha reta, direto contra o alvo.
Parábola e reta são conceitos, as trajetórias descritas pela lança na realidade não são nem retas e nem parabólicas, mas valendo-se da capacidade acima citada de correlacionar conceito e real, ADMITIMOS IDEALMENTE que as trajetórias se enquadrem nestas definições geométricas, sem as quais seria impossível analisá-las logicamente. Note que as premissas são incorretas, mas o erro é conhecido e desprezado por uma avaliação consciente focada em um objetivo - atingir um alvo com uma lança.
A observação indica o fato real, mas é o pensamento abstrato que nos permite concluir que a trajetória parabólica é mais eficiente que a trajetória reta. A partir daí estabelecemos a premissa de que a trajetória influencia na eficiência do lançamento da lança - premissa conceitual - extrapolando a premissa real observada de que a trajetória parabólica - especificamente - melhora a eficácia do lançamento.
Partindo desta nova premissa, é possível estabelecer novas inferências e novas premissas não diretamente ligadas à observação inicialmente feita, ou seja se a trajetória em forma de parábola é boa para arremessar a lança, TALVEZ variando-se o ângulo de lançamento tenhamos resultados ainda melhores. Esta percepção da possibilidade motiva o experimento, que por sua vez define uma nova premissa real e observada.
Note que a experiência real, percebida através de observação estabeleceu uma premissa - mas não existe um vínculo lógico entre o fato observado e a percepção das novas possibilidades advindas da experiência real. Lógica elementar infere usando as ferramentas mentais “se” e “então” - premissa e conclusão. O componente “talvez” não se encaixa neste mecanismo, uma vez que antes de testada a hipótese, não existe premissa que a valide. Isto é evidente na proposição se a = b talvez c = a. Não existe coerência lógica na proposição. Ela é uma hipótese, que pode ser testada e provada correta, estabelecendo assim uma nova premissa.
Hipótese por definição não é conclusão e nem premissa, portanto não é elemento constituinte da sequencia lógica linear. A esta capacidade humana de estabelecer hipóteses não advindas diretamente de premissas autoevidentes ou de inferências lógicas chamamos de INTUIÇÃO.
A intuição define uma ponte: realidade - conceito - realidade, que é pilar do pensamento criativo. CRIATIVIDADE sempre se origina do abstrato, mesmo quando inspirada pelo concreto.
O que pretendo demonstrar de tudo isto é que a lógica pode tirar conclusões a partir de premissas obtidas diretamente da realidade - ou seja de proposições auto-evidentes, o que de certa forma as formigas também fazem: se esta trilha conduz do formigueiro ao açucar, então conduzirá do açucar ao formigueiro.
O que a formiga não pode fazer e a lógica por si só também não, é CRIAR HIPÓTESES para novas premissas, pois isto é INTUITIVO. As formigas farão sempre o mesmo trajeto até que eventos físicos as motivem a mudar. Isto porque não podem formular a hipótese do caminho “B” talvez ser melhor que o caminho “A”. A lógica conclui que se o caminho “A” leva ao alimento, que é o objetivo, e o caminho “B” é desconhecido então a realização certa do objetivo está em manter-se no caminho “A”.
Seres Humanos não seguem esta lógica. Algo em nossa natureza nos impele a explorar, descobrir, ir além, saber o que existe lá fora. Enquanto animais migram por necessidades fisiológicas, somos os únicos seres exploradores, capazes de abandonar um território de recursos abundantes em razão da simples expectativa de outros territórios ainda melhores.
Biólogos evolucionistas como Stephen Jay Gould e Richard Dawkins defendem ampla argumentação para provar que tais características intrínsecas dos Humanos é resultado da seleção natural. Não vou entrar neste mérito aqui, mas considero estas teses reducionistas.
Com base no que expus acima, entendo que lógica mais seleção natural explicam satisfatoriamente a inteligência coletiva dos formigueiros, mas são insuficientes para explicar porque os Homens são seres conscientes.
Se desenvolvermos computadores extremamente avançados e incluirmos em seus bancos de dados toda a experiência e conhecimento humanos, todas as premissas lógicas e conceitos, programas capazes de transformar estímulos externos em inputs, proceder análise combinatória que extraia do banco de dados a melhor resposta ao input recebido e se ainda, o capacitarmos a analisar inputs e conclusões e melhorar o próprio programa sempre que um dado novo tornar um premissa programada obsoleta, ainda assim faltará o TALVEZ.
A inteligência artificial se tornou uma possibilidade da tecnologia porque podemos decodificar nossa lógica em linguagem matemática na forma algoritmos.
Estamos muito longe de fazer o mesmo com nossa intuição, criatividade, abstração, instinto explorador e essência consciente. Sem estes elementos dificilmente teríamos ido muito além do domínio da savana africana onde surgimos.
Apesar disto, nossa lógica é evidentemente bem sucedida, pois valendo-nos dela nos tornamos a espécie dominante do planeta, construímos a civilização e iniciamos a exploração do espaço, cabe perguntar por que uma lógica deficiente é eficaz?
Comandante Euclides escreveu:
Mas aí a seleção natural pode ter contribuido bastante para nos tornar únicos, não?
Quanto a esta questão eu só posso especular. A tese da Seleção Natural como motor da evolução ao meu ver precisa ser complementada. É nesta necessidade de complementação que os fundamentalistas cristãos encontram espaço para apregoar suas doutrinas pseudo-científicas.
A seleção natural tem por objetivo produzir espécimes aptos ao ambiente em que vivem. Atingida a aptidão o design evolutivo sofre ajustes finos, mas não mais modificações significativas. Exemplos vivos deste princípio são os tubarões, crocodilos e celacantos que não apresentam mudanças significativas em seu design básico há dezenas de milhões de anos.
Este fato e outros sugere que a curva evolutiva seja exponencial e não reta.
Se aceitamos que a seleção natural é o motor da evolução, direcionando a curva exponencial das modificações num sentido definido rumo à aptidão, um outro elemento, ainda desconhecido, define o ponto de inflexão do processo.
O ponto ao qual eu quero chegar é que inteligência não tem nada que ver com aptidão. Criaturas extremamente estúpidas são sucessos evolucionários há várias eras e a evolução não vê porque modificá-las mais.
No caso dos Humanos a história é diferente. Mesmo após termos garantido supremacia adaptativa em relação às demais espécies, nossos cérebros continuaram aumentando de tamanho. Por algum motivo ainda não definitivamente demonstrado, a evolução conduziu conosco um experimento completamente novo e que portanto pode ser associado a uma variante dos mecanismos evolutivos observados nas outras espécies. O que não fica evidente é o que teria causado esta variação. Existem várias teorias a respeito, como as exigências cerebrais do andar ereto, mas é pouco provável que o assunto se esgote em justificativas tão simples.
Acauan escreveu:O que a formiga não pode fazer e a lógica por si só também não, é CRIAR HIPÓTESES para novas premissas, pois isto é INTUITIVO. As formigas farão sempre o mesmo trajeto até que eventos físicos as motivem a mudar. Isto porque não podem formular a hipótese do caminho “B” talvez ser melhor que o caminho “A”. A lógica conclui que se o caminho “A” leva ao alimento, que é o objetivo, e o caminho “B” é desconhecido então a realização certa do objetivo está em manter-se no caminho “A”.
Comandante Euclides escreveu:Mas o ser humano quando nasce, aprende com exemplos(assimila dados) a possibilidade e as opcões de se variar modos de pesquisa. Eventos físicos fazem com que a lança não acerte o alvo se lançado reto. Mas aprende-se na vida que quando algo não funciona de um jeito, muda-se a forama de proceder reunindo dados de um grupo semelhante de situações para se optar por uma. E se ainda não funcionar, utiliza-se das outras opções.
Isto é vivência. Vivência os animais também possuem. Um macaco mordido por uma piranha (entenda-se o peixe) vai aprender a tomar mais cuidado na hora de beber água em qualquer lugar.
Já os homens podem observar a piranha, perceber seus dentes grandes e afiados e CONCLUIR que precisa tomar cuidado com aquele peixe, MESMO SEM NUNCA TER SIDO MORDIDO.
Isto é pensamento abstrato. CRIAR num universo mental uma realidade que não existe no universo físico, comparar realidade e abstração e identificar sob que condições a abstração pode se tornar real.
Até aí nos mantemos no domínio da lógica: premissa - inferência - conclusão.
Se dentes grandes e afiados podem cortar a pele e se a piranha possui dentes grandes e afiados, então a mordedura da piranha pode causar ferimentos.
A lógica no caso apenas trabalhou conceitos concretos para chegar a uma conclusão coerente.
No caso do arremesso da lança, o pensamento abstrato precisa valer-se de conceitos geométricos como formato da trajetória e ângulo de lançamento. Tais conceitos não existem na natureza. Não podem ser simplesmente observados e processados como dados de input. Eles tem que ser mentalmente concebidos. Aí voltamos à diferenciação entre inteligência abstrata criativa e raciocínio lógico concreto.
Comandante Euclides escreveu:Penso que coisas que nos parecem ser da natureza humana, muitas vezes são coisas aprendidas durante a vida, apartir de exemplos e imitações de ações. Explorar tbem é uma coisa que se aprende.
Muito do nosso aprendizado como espécie provém do exemplo e imitação de ações. Esta é uma característica de todos os primatas. O que nos diferencia dos demais primatas é nossa capacidade de aprender com COISAS QUE NÃO EXISTEM CONCRETAMENTE.
Note que se aprendizado humano se restringisse a aprender a partir de exemplos e imitações de ações, nós jamais teríamos desenvolvido a linguagem - alguém, em alguma época teve que apontar alguma coisa, fazer um determinado som, fazer com que os outros compreendessem que aquele som representava aquela coisa e fazer com que todos reproduzissem sempre aquele mesmo som quando quisessem se referir à coisa que o som representava. Depois de feito isto com algumas centenas de sons e coisas, aí sim as crianças passaram a aprender a linguagem por vivência, apenas ouvindo os humanos próximos falando e vendo o que os sons representavam. Só que antes disto, um processo extremamente complexo teve que ser CRIADO em nível mental e disseminado de modo físico, para que os demais envolvidos pudessem captar por meio dos sentidos. O que temos aí é o oposto do aprendizado por vivência, onde o real produz a idéia - no caso a idéia produziu o real, e apenas humanos podem fazer isto.
O que nos caracteriza como “racionais” é justamente nossa capacidade de aprender coisas que não existiam antes de nos próprios a desenvolvermos por meio da inteligência.
Quanto à exploração, ela também tem de ser vista na abrangência do seu significado para os humanos. Muitos animais são curiosos e diante de situações novas procuram entender do que se trata aquela novidade.
A diferença é que os animais NÃO PROCURAM POR NOVIDADES, eles se interessam por elas quando estas se apresentam diante deles, mas nada na natureza dos animais sugere que exista neles A NECESSIDADE DO NOVO. Esta necessidade do novo é essencialmente humana. Não olhamos as estrela apenas para tentar prever as chuvas, mas imaginando COMO PODERÍAMOS TOCÁ-LAS. Isto não nos tráz alimento ou abrigo, mas é sem dúvida uma necessidade inerente a todos nós.
Comandante Euclides escreveu:Por exemplo..... Antes de reverenciar a ação de um ser humano por ter criado em laboratório um novo tipo de material misturando substancias..... ha de se analizar que esse humano teve informações de que da mistura de componentes se obtém um novo material.
Isto é Química Experimental. Antes de chegar a ela havia a alquimia e antes da alquimia havia a crença no poder místico oculto na essência das substâncias. Paradoxalmente a ciência se origina de crenças supersticiosas. Os astrônomos podem hoje, com razão, desprezar a pseudo-ciência da astrologia como atualmente praticada. Mas a astronomia nasceu da astrologia - olhavamos o céu com intenções místicas e não científicas. De novo motivações abstratas nos conduziram à experimentação concreta e não o contrário.
Comandante Euclides escreveu:Você ta conseguindo entender a onde eu quero chegar?
Espero que sim.
ANAUÊ Comandante!