
Record encerrou o ano de 2006 como a segunda maior rede de TV brasileira em audiência e faturamento, ultrapassando o SBT. Nos dois últimos anos, a emissora reformulou toda a equipe jornalística, montou uma superestrutura para produção de novelas e tentou imprimir uma linha editorial distante da agenda política da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Foi um grande mérito. A emissora, de fato, se profi ssionalizou. De tempos em tempos, porém, o espectro da igreja do bispo Edir Macedo ressurge sobre a Record.
Em dezembro de 2005, a saída dos jornalistas Boris Casoy e Salete Lemos da emissora teve, segundo eles próprios, o dedo da Universal. A dupla queixa-se de que as críticas de ambos ao governo Lula vinham incomodando a cúpula da igreja, que tem um dos braços políticos no Partido Republicano Brasileiro. "O bispo Marcelo Crivella (PRB) fechou acordo com Lula para se eleger no Rio de Janeiro. E através do bispo a Record fechou com Lula. Por isso, não poderíamos [Salete e Boris] fazer nenhuma referência ao governo de forma crítica", conta Salete.
Recentemente, com a volta da discussão sobre a introdução do ensino religioso na grade curricular das escolas públicas brasileiras, em comeados de novembro de 2006, o dedo da Universal se fez presente novamente. E mais nítido do que nunca. Em uma série de reportagens veiculadas no programa "Domingo Espetacular" durante o mês de novembro, o tema ganhou ares de proselitismo. Entre as várias vozes autorizadas a dar depoimento, houve um certo desequilíbrio ao expor um assunto delicado. Os que se posicionavam contra a proposta ganharam destaque inversamente proporcional aos que a defendiam. O receio da Universal é quanto à obrigatoriedade do ensino religioso no país. Leia-se ensino religioso como ensino do catolicismo.
Para o diretor de jornalismo da Record, Douglas Tavolaro, a série de reportagens teve o objetivo jornalístico de discutir um assunto de interesse de todos os brasileiros, com plena isenção religiosa. "Prova disso é que a reportagem ouviu líderes budistas, judeus, protestantes e também católicos", defende ele, ao citar a repercussão do assunto em outros veículos, como a matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo em 14 de novembro ("MEC volta a debater ensino religioso na rede pública"). "Entendemos que o assunto merece uma discussão profunda de toda a sociedade, e isso motivou a reportagem da Record". Mas, na mesma Folha, o jornalista Daniel Castro alertava em nota na sua coluna a respeito da reportagem tendenciosa exibida no programa.

Vice-liderança: a Record ultrapassou o SBT em audiência e faturamento, vendendo espaços para a Universal. Os valores pagos são considerados "acima do preço de tabela".
Em sintonia
Coincidência ou não, o jornal da Universal, Folha Universal, fundado em 1992 e o jornal evangélico de maior circulação da América Latina, publicou na edição de 26 de novembro a matéria "Povo é contra ensino religioso nas escolas". Na reportagem, dos dez entrevistados nenhuma voz era favorável ao projeto. Tavolaro desconversa quando questionado sobre a coincidência entre as pautas: "Não posso responder pelo conteúdo da Folha Universal".
A dificuldade de se falar com diretores de veículos ligados à Universal é imensa. Em matéria de capa intitulada "Em nome de Deus", publicada por IMPRENSA em 1995, quando a Folha Universal estava só começando, nenhum jornalista tinha acesso às informações referentes ao jornal. À época, IMPRENSA não conseguiu falar com ninguém da diretoria. Procurados novamente onze anos depois para falar sobre a estrutura do jornal e se posicionar sobre o assunto, os entraves continuam. O editor do jornal, Josué Linhares, disse que qualquer informação teria que passar pelo diretor geral, Carlos Macedo. "Envie um email que retornaremos o contato", solicitou. Não houve retorno. No segundo contato, a subeditora Mônica Soares fez a mesma recomendação. E nada. Nem mesmo para dar informações básicas. Quantos jornalistas trabalham no jornal? São todos evangélicos?
A Folha Universal recebeu o prêmio Diploma de Mérito da Imprensa Brasileira por ter a maior tiragem da América Latina, de 2,35 milhões de exemplares por semana, concedido pela Federação Nacional da Imprensa e Federação das Associações de Imprensa do Brasil (Fenai/Faibra). Além disso, a Folha Universal também foi premiada pelo seu conteúdo editorial, projeto e formato gráfico, pela circulação nacional com distribuição em todos os municípios brasileiros.
Bancada evangélica
A ofensiva da Universal contra o ensino religioso na mídia é só um dos fronts. Mas é o mais poderoso. A luta pra valer contra a proposta do MEC começa no Congresso. A partir de 2007, entretanto, o número de representantes dos fiéis evangélicos diminuirá. Dos 61 deputados e três senadores que representavam a Frente Parlamentar Evangélica, composta por diversas correntes evangélicas, somente 25% conseguiram se reeleger nas últimas eleições. "Essa questão do ensino religioso é polêmica e requer muito cuidado. Vamos reunir todos os materiais e entregá-los aos deputados da Frente para que possamos definir diretrizes de atuação para o ano que vem", pondera o Pastor Reinaldo (PTB/RS), vice-presidente da Frente e representante da Igreja do Evangelho Quadrangular do Rio Grande do Sul.
Para o professor de Teologia da PUC/SP Fernando Altemeyer, a luta encampada pela Igreja Universal contra o ensino religioso é um mero detalhe. A proposta de ensino religioso é um dado curricular, segundo ele, presente na Constituição e reafirmado pela Lei de Diretrizes de Base da Educação, de 1996. "O debate não passa diretamente por eles [Universal]. A Universal não vai fazer grande diferença porque a discussão é saber como isso vai se estabelecer. A Record é a TV de maior importância religiosa no mundo, embora sua programação seja nula em termos de evangelização ou de projeto pedagógico", salienta.
Não é o que pensa o professor Laurindo Leal, do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA/ USP, que já publicou vários livros sobre televisão. A TV, segundo ele, empresta credibilidade a qualquer argumento. "O debate sobre o ensino religioso pode acontecer sem a televisão, mas teria menos respaldo. A televisão não é determinante, mas tem uma função legitimadora. Se isso fosse tão insignificante, não haveria essa luta feroz por espaços nas emissoras, entre a Igreja católica e a evangélica”, defende.

Salete Lemos: "Não dá pra separar a Universal da Record. Praticamente todos lá são bispos"

Douglas Tavolaro, diretor de jornalismo da Record: "A série de matérias sobre o ensino religioso teve o objetivo jornalístico de discutir um assunto de interesse de todos, com plena isenção religiosa".
EVANGELIZAÇÃO ATRAVÉS DA MÍDIA
Além da Rede Record de rádio e TV, a Igreja Universal do Reino de Deus possui uma série de publicações e veículos de comunicação no Brasil e no mundo. O jornal Folha Universal, com a maior tiragem da América Latina (distribuído também em Portugal e em comunidades africanas que falam português), representa apenas um dos recordes da IURD com relação à mídia. O sinal da Record Internacional, por exemplo, é recebido nos Estados Unidos, Canadá, Europa e em todo o continente africano. No Japão circula o jornal Universal Shinbun, do mesmo modo que o El Universal, em Buenos Aires, serve os argentinos. Confira os principais “fronts” midiáticos da IURD no Brasil:
Televisão
Rede Record - Atualmente a segunda maior audiência da TV brasileira, a Record foi comprada pelo bispo Edir Macedo em 1992.
Rede Mulher - Com a maior parte de sua programação voltada para a audiência feminina – embora haja também alguns programas de produção independente – a emissora foi fundada em 1994. A Rede Mulher foi comprada, na verdade, pela própria Record em 1999.
Rede Família - Em 2001, foi fechado um contrato em que a emissora exibiria "todos" os programas da Rede Mulher. Foi assim até 2005, quando ela abandonou a parceria. Com a programação destinada inteiramente à IURD, é a principal concorrente da Rede Vida, da Igreja Católica.
Impressos
Jornal Folha Universal - Periódico semanal distribuído nos templos da IURD que recentemente ganhou o prêmio Diploma de Mérito da Imprensa Brasileira por ser o veículo de maior tiragem da América Latina, com a espetacular marca de 2,35 milhões de exemplares, concedido pela Federação Nacional da Imprensa e Federação das Associações de Imprensa do Brasil (Fenai/Faibra).
Jornal Hoje em Dia - Terceiro mais lido do estado de Minas Gerais, o diário tem uma tiragem de 22 mil exemplares, mas 80% desse montante são voltados para assinantes. O jornal circula em mais de 300 municípios mineiros, além do Distrito Federal, onde é distribuído ao primeiro escalão do governo federal, ao Congresso Nacional e a 2 mil VIPs.
Revista Plenitude - Com uma tiragem mensal de mais de 320 mil exemplares e distribuída em todo o Brasil, a publicação traz matérias cotidianas, testemunhos de fiéis e artigos assinados por bispos e pastores.
Internet
O portal Arca Universal, criado em abril de 2001, traz informações sobre a doutrina da fé praticada pela IURD. Mensalmente, são registrados 14 milhões de pageviews no portal, segundo informações da Igreja.
Rádios
No Brasil, a IURD possui uma rede nacional de rádios em FM, a Rede Aleluia (mais conhecida como Rádiocomunicação para a Evangelização do Povo de Deus), com programação musical gospel e várias emissoras locais, em AM e FM, com conteúdo apenas evangélico. Recentemente, a Rede Record voltou a fazer parte da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
Gravadora e gráfica
A editora Gráfica Universal, que edita o semanal Folha Universal, também é responsável pela publicação de livros escritos por profissionais de diversas áreas ligadas à IURD e por bispos e pastores. A gravadora da Igreja Universal – a Line Records – é a responsável, por exemplo, pela comercialização dos CDs gospel da cantora e apresentadora Mara Maravilha. O CD “Deus de Maravilhas”, de 2003, ganhou disco de platina, com mais de 160 mil cópias vendidas.