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O que as pessoas esperam do casamento

Enviado: 24 Mar 2007, 14:46
por Fernando Silva
"O Globo" 24/03/07

Eros aprisionado
Roni Filgueiras

A figura magra de Esther Perel, autora do recém-lançado “Sexo no cativeiro — Driblando as armadilhas do casamento” (editora Objetiva), contrasta com o vigor de seu discurso veloz, do pensamento de lâmina de barbear, da simpatia a granel e das observações bem-humoradas: — Preciso assistir à esta peça que está em cartaz “Não sou feliz, mas tenho marido” — diz rindo à larga.

A peça com Zezé Polessa tem tudo a ver com Esther, cujo livro examina, discute e analisa — de maneira clara e muito inteligente — a secular instituição a partir de sua experiência de mais de 20 anos de consultório em Nova York, atendendo casais — heteros, gays, jovens, maduros, com e sem filhos — em crise.

A entrevista com a psicoterapeuta se deu em cinco das sete línguas que a autora, uma nova-iorquina de origem belga, domina: inglês, francês, italiano, espanhol e um português aos pedaços.

E, lógico, ela acredita na instituição — ela mesma goza de uma parceria de mais de 20 anos e com dois filhos — e aponta os vários males de que as uniões padecem. Entre eles, a crença de que o casamento é a panacéia curativa para todos os problemas existenciais.

E a maldição da felicidade, que atravessa homens e mulheres ocidentais e capitalistas e que arruína suas vidas, prega ela. A outra praga das uniões são as separações que acontecem com o nascimento do primeiro filho. É curioso que aquilo que coroa o êxito de uma parceria é justamente o que o degenera, escreve Esther em seu livro, sucesso de vendas em EUA e Europa.

— As pessoas nunca investiram tanto no amor e nunca se desiludiram tanto com as limitações do casamento. Quando se divorciam, elas não duvidam do casamento. Acreditam que existe realmente uma pessoa com quem podem ter tudo, simplesmente não escolheram a pessoa certa.

Mas afinal, o que se deseja com o casamento? — As pessoas querem sempre as mesmas coisas: estabilidade, suporte econômico, filhos.
E agora também, o melhor amigo, um confidente e um amante passional.
Uma contradição, segundo a terapeuta.

— É contraditório procurar excitação e aventura no mesmo lugar em que se busca estabilidade e segurança.
A terapeuta aconselha seus pacientes a expulsar do quarto ideais igualitários.

— O modelo relacional de hoje é o da transparência, de compartilhar tudo, de igualdade. São valores fundamentais, mas tiveram conseqüências na vida sexual que não previmos. O modelo igualitário neutraliza o poder, desfaz as diferenças.

Mas não podemos neutralizar o poder do desejo sexual. Desejar algo embute certa agressividade, no sentido positivo. Quando digo que quero ser desejada, há poder nisso, me sinto poderosa.
Ela aconselha seus pacientes a cultivar o mistério, que mantém a voltagem erótica entre quatro paredes.

— O amor quer ter. E o desejo quer querer.

Para querer tem que ter intensidade e a busca de algo que não temos. Desejamos mais o que não possuímos. O mistério é a idéia de ter sempre algo por descobrir. O mistério nos agrada, mas não dentro de casa. Os mistérios nos desestabilizam. E depois os casais se queixam de tédio! Mas são elas que constróem a previsibilidade para si e começam a achar que a aventura está fora de casa.

Algumas de suas posições podem parecer polêmicas e até moralmente questionáveis para alguns. Como a idéia de “inverdade delicada”, quando defendeu manter o silêncio diante da tentativa de um paciente de revelar para o cônjuge sua traição. A seu ver, seria apenas uma forma daninha de purgar a culpa do adúltero.

Nem sempre uma aventura extraconjugal sinaliza uma crise. É apenas sexo, sem maiores conseqüências. Assim como as fantasias. Nem todas as fantasias eróticas têm que ser divididas com o companheiro pelo simples motivo de quem nem todas são aceitas.

— Compartilhar tudo erradicou a privacidade de homens e mulheres. A privacidade aumenta a intimidade, pois aumenta o mistério.
Não há permissão para a autonomia dentro do casamento. Mas as pessoas confundem isso com segredo, este sim acaba com a intimidade.
É preciso espaço, distância para o encontro erótico acontecer.

As sociedades ocidentais, dominadas pela economia de mercado, pregam o ideal da felicidade universal, necessária e eterna. O que faz mal não só ao casamento, mas à vida, segundo a escritora: — São as expectativas exageradas que destroem o casamento. Mas o principal desencadeador de separações é a idéia do direito à felicidade. Se não sou feliz no meu casamento, tenho o dever de buscá-la em outro lugar.

A freqüência das relações sexuais também é alvo de críticas da terapeuta: — As pessoas acreditam que se não têm sexo a cada dois dias com seu parceiro, elas têm problemas.
Mas digo que há muitos bons casais que não fazem sexo. Mas, claro, isso só funciona se ambos se sentem bem com essa abstinência.

Pode-se fazer sexo todos os dias, sem conexão erótica. E há quem faça sexo uma vez por mês com muita intensidade erótica — afirma Esther.
Como dizia vovó, nem sempre tamanho é documento.