"O Globo" 24/03/07
A dona da beleza eterna
Ana Lucia Azevedo
Ninguém sabe exatamente como ela se parecia ou vivia. Mas as histórias de sua beleza e seu poder impregnaram culturas e venceram séculos. Passados quase três milênios dos primeiros relatos sobre a Rainha de Sabá, ela ainda influencia mulheres no Oriente Médio e permanece viva no imaginário ocidental.
Foi o fascínio pela força do mito e de suas raízes na História que levaram a arqueóloga e historiadora Fernanda de CamargoMoro, uma especialista nas rotas do incenso e das especiarias e consultora da Unesco, a ir ao Iêmen em busca da rainha.
O Iêmen, a antiga Arábia do Sul, é apontado por Fernanda como a provável de origem do mito. Coração da rota secular do incenso, o Iêmen é a terra onde a rainha ainda inspira as mulheres.
O resultado desse trabalho está em “As caravanas da Lua” (Ed. Record), que chega neste fim de março às livrarias.A seguir, Fernanda fala de suas pesquisas e da permanência de um personagem que mistura ficção e realidade.
MITO E REALIDADE:
“Tudo leva a crer que houve uma rainha de grande personalidade que teria vivido no país de Sabá, ao sul da Arábia. Ela é citada em diversos documentos antigos. Eles mencionam não só os reinos da Arábia do Sul , os chamados Reinos Caravaneiros, mas a existência de rainhas.
Foi achado num sítio arqueológico um texto que demonstra a existência de uma rainha exatamente ali.
Esse documento foi encontrado em Jawf, na parte oriental do Iêmen. Eu cheguei a ver o texto. A rainha teria vivido na Arábia do Sul, atual Iêmen.”
INCENSO:
“Sabá existiu e é citado em textos da Mesopotâmia (inscrições em tabletes de argila) e do Egito. Ficava no atual Iêmen e ficou famoso por sua imensa riqueza oriunda do comércio do incenso, arômatas e produtos indianos, que chegavam através dos portos de Mukala e Qana W.
Os produtos eram levados por caravanas, que atravessavam desertos e seguiam para Egito, Palestina, Síria.
Sabe-se que Sabá foi governado por uma mulher. O número de rainhas na Arábia do Sul foi muito grande.”
NOMES:
“A figura majestosa da Rainha de Sabá aparece com vivacidade nas chamadas religiões do livro (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo), e na cultura laica. Ela é a rainha que contracena com Salomão na Bíblia e no Alcorão. É a Rainha do Meio Dia ou Rainha do Sul no Novo Testamento. Para os etíopes, é Makeda. Mas é, sobretudo, a incrível Bilqis da tradição árabe, viva da Antigüidade aos nossos dias. São incontáveis os relatos, as poesias e as músicas sobre Bilqis.”
FORÇA MILENAR:
“A Rainha de Sabá é o mais antigo mito de uma mulher que não era divindade. Forte, bela, reinou sobre terras importantes por séculos. Se acredita que as histórias datam do séculos IX ou X a.C. Mas acho que o século VIII é o mais provável.
O mito persiste. No Iêmen ela é um dos baluartes da projeção atual da mulher.
Ela inspira o movimento de emancipação da mulher iemenita. Surpreendentemente, também é considerada a mulher ideal pelos beduínos nômades e nas aldeias pesqueiras orientais. Ela permanece um símbolo da beleza no mundo inteiro. Além de Oriente Médio e África, há histórias sobre a rainha na Europa, na Índia e na China.”
EM BUSCA DE UM ROSTO:
“Há versões de que seria negra, como etíope, ou morena, como árabe. Acho que seria morena, parecida com as iemenitas. É preciso lembrar que a história da Rainha de Sabá foi levada para a Etiópia pelos árabes do sul da península. A documentação arqueológica oriunda da antiga Arábia do Sul demonstra que a rainha ou seu mito teriam se originado ali.”
SOBERANA DA BELEZA:
“As descrições e a iconografia a fizeram linda. A arqueologia nos revela a pequenina e charmosa Maryan, uma figurinha linda de alabastro, porém ela não seria a Rainha de Sabá, e sim um protótipo anterior da figura feminina da região.
Mesmo as citações de que teria pés de cabra não conseguiram obscurecer sua beleza.
As mulheres e os homens do Iêmen a consideram a beleza perfeita. Chamar alguém de Rainha de Sabá é o maior elogio.”
SABEDORIA:
“O mito da Rainha de Sabá tem muito a ensinar. Era persistente, sábia, responsável e, ao mesmo tempo, romântica.Antigos textos indicam que nos reinos da península arábica as mulheres não sofriam os cerceamentos vistos em outros povos do Oriente. Hoje, o mito é inspiração para a emancipação da mulher no Iêmen.”
A rainha de Sabá
- Fernando Silva
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