Transgênicos e a indecisão de Lula
Enviado: 24 Mar 2007, 15:16
"O Globo" 22/03/07
Atrasos por ideologia
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Na entrevista ao “Fantástico” de quase quatro anos atrás (17 de agosto de 2003), o presidente Lula se saiu com esta: “Transgênicos, por exemplo, já fui politicamente muito contrário; hoje, cientificamente, tenho dúvidas.” A polêmica naquele momento girava em torno da legalização da safra de soja transgênica plantada no Rio Grande do Sul, afinal resolvida.
A polêmica, entretanto, permanece, agora em torno da autorização para outras variedades de transgênicos, como as de milho, em debate na CTNbio (a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança). E segue nos mesmos termos colocados por Lula, entre a política e a ciência.
Mas como pode ser política? Transgênicos (ou alimentos geneticamente modificados, na sigla GM) constituem uma questão científica. O ponto central é avaliar a qualidade dos GM e saber se prejudicam ou não o homem e/ou a natureza. Trata-se de biotecnologia.
Mas se não é política, a questão pode ser politizada — e é justamente o que faz o pessoal contrário aos transgênicos, como confirma a confissão de Lula de anos atrás. A oposição aos GM se tornou uma posição de esquerda.
No campo científico, o pessoal do contra perde feio. Não há cientista ou instituição de peso e reconhecimento internacional que se oponha aos transgênicos com argumentos científicos. Todos reconhecem que, como qualquer tecnologia nova, esta também traz riscos.
Mas, como se diz, é como um avião novo que acaba de sair da linha de montagem e vai voar pela primeira vez. Tem risco de cair? Tem. Mas a ciência, a tecnologia e a experiência que se acumulam naquele aparelho sugerem que a maior probabilidade, disparada, é de que decole sem problemas.
Assim com os transgênicos. Passam em todos os testes de laboratório e de campo, e não aconteceu nada de errado nos países que os utilizam há anos. Além disso, reduzem a necessidade de pesticidas e agrotóxicos, são mais produtivos e, pois, mais rentáveis, razão pela qual exercem irresistível atração entre os agricultores.
Mas, diz o pessoal contrário, é preciso respeitar o princípio da precaução e dar um tempo — mais ou menos como deixar o avião no hangar para ver o que acontece.
Na verdade, trata-se de uma posição política contrária ao agronegócio moderno — capitalista e globalizado. Além disso, ocorre que o primeiro GM comercial no mundo foi a famosa soja da Monsanto, multinacional americana, que foi agressiva, truculenta mesmo, na campanha para viabilizar seu produto.
Fez lobby pesado em Washington, cooptou autoridades americanas para “vender” o produto em outros países, entrou em conflito com os produtores de sementes convencionais e de pesticidas e agrotóxicos.
Hoje, porém, há pesquisas de transgênicos por toda parte, inclusive no Brasil, onde a Embrapa estuda, por exemplo, variedades de cana, feijão e outros produtos resistentes à seca.
Os primeiros dados dessas pesquisas são sensacionais: plantas que permanecem perfeitas depois de vários dias sem uma gota de água, de interesse óbvio para o Brasil nordestino.
Mas se Lula se declarava “cientificamente em dúvida” em 2003 (estaria já convencido hoje?), seus companheiros continuam politicamente contra e tentando bloquear pesquisas e comercialização.
Já há prejuízos para o país. Tome-se o caso do milho. Como os EUA estão usando boa parte do milho (transgênico) para produzir etanol, o preço do produto sobe e encarece diretamente os alimentos derivados, assim como as cotações de aves, alimentadas com ração à base de milho.
O Brasil tem boa oportunidade de aumentar sua safra de milho — a variedade transgênica é mais eficiente e lucrativa.Outro prejuízo: o Brasil lidera a tecnologia do álcool de cana, mas precisa avançar.
E há variedades dependendo de autorização da CNTbio.
Em conseqüência dessa contradição inerente ao governo Lula—tem gente a favor e contra os transgênicos —, a política pública para isso acaba sendo a paralisia.
No esforço de conciliar posições, chega-se ao impasse, como a regra que inviabilizava decisões da CNTbio, ora em mudança no Congresso. Parece que, afinal, as mudanças vão privilegiar o aspecto científico e o simples bom senso.
Mas atrasa. Como no caso de outras paralisias por ideologia. Naquele mesmo agosto de 2003, Lula dizia à revista “Veja”: “Como é que nós vamos fazer saneamento básico nas regiões metropolitanas deste país sem atrair investimentos de fora? Não cabe mais aquele discurso ideológico de que saneamento básico é obra do governo federal e responsabilidade do governo estadual e do prefeito. Esse discurso seria maravilhoso se tivéssemos dinheiro para fazer. Não adianta fazer um bom discurso ideológico e o povo continuar pisando em esgoto a céu aberto e bebendo água não-tratada.”
A nova lei de saneamento saiu só agora, e, ainda assim, tem aspectos não esclarecidos, que dificultam tanto investimentos privados quanto públicos.
Atrasos por ideologia
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Na entrevista ao “Fantástico” de quase quatro anos atrás (17 de agosto de 2003), o presidente Lula se saiu com esta: “Transgênicos, por exemplo, já fui politicamente muito contrário; hoje, cientificamente, tenho dúvidas.” A polêmica naquele momento girava em torno da legalização da safra de soja transgênica plantada no Rio Grande do Sul, afinal resolvida.
A polêmica, entretanto, permanece, agora em torno da autorização para outras variedades de transgênicos, como as de milho, em debate na CTNbio (a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança). E segue nos mesmos termos colocados por Lula, entre a política e a ciência.
Mas como pode ser política? Transgênicos (ou alimentos geneticamente modificados, na sigla GM) constituem uma questão científica. O ponto central é avaliar a qualidade dos GM e saber se prejudicam ou não o homem e/ou a natureza. Trata-se de biotecnologia.
Mas se não é política, a questão pode ser politizada — e é justamente o que faz o pessoal contrário aos transgênicos, como confirma a confissão de Lula de anos atrás. A oposição aos GM se tornou uma posição de esquerda.
No campo científico, o pessoal do contra perde feio. Não há cientista ou instituição de peso e reconhecimento internacional que se oponha aos transgênicos com argumentos científicos. Todos reconhecem que, como qualquer tecnologia nova, esta também traz riscos.
Mas, como se diz, é como um avião novo que acaba de sair da linha de montagem e vai voar pela primeira vez. Tem risco de cair? Tem. Mas a ciência, a tecnologia e a experiência que se acumulam naquele aparelho sugerem que a maior probabilidade, disparada, é de que decole sem problemas.
Assim com os transgênicos. Passam em todos os testes de laboratório e de campo, e não aconteceu nada de errado nos países que os utilizam há anos. Além disso, reduzem a necessidade de pesticidas e agrotóxicos, são mais produtivos e, pois, mais rentáveis, razão pela qual exercem irresistível atração entre os agricultores.
Mas, diz o pessoal contrário, é preciso respeitar o princípio da precaução e dar um tempo — mais ou menos como deixar o avião no hangar para ver o que acontece.
Na verdade, trata-se de uma posição política contrária ao agronegócio moderno — capitalista e globalizado. Além disso, ocorre que o primeiro GM comercial no mundo foi a famosa soja da Monsanto, multinacional americana, que foi agressiva, truculenta mesmo, na campanha para viabilizar seu produto.
Fez lobby pesado em Washington, cooptou autoridades americanas para “vender” o produto em outros países, entrou em conflito com os produtores de sementes convencionais e de pesticidas e agrotóxicos.
Hoje, porém, há pesquisas de transgênicos por toda parte, inclusive no Brasil, onde a Embrapa estuda, por exemplo, variedades de cana, feijão e outros produtos resistentes à seca.
Os primeiros dados dessas pesquisas são sensacionais: plantas que permanecem perfeitas depois de vários dias sem uma gota de água, de interesse óbvio para o Brasil nordestino.
Mas se Lula se declarava “cientificamente em dúvida” em 2003 (estaria já convencido hoje?), seus companheiros continuam politicamente contra e tentando bloquear pesquisas e comercialização.
Já há prejuízos para o país. Tome-se o caso do milho. Como os EUA estão usando boa parte do milho (transgênico) para produzir etanol, o preço do produto sobe e encarece diretamente os alimentos derivados, assim como as cotações de aves, alimentadas com ração à base de milho.
O Brasil tem boa oportunidade de aumentar sua safra de milho — a variedade transgênica é mais eficiente e lucrativa.Outro prejuízo: o Brasil lidera a tecnologia do álcool de cana, mas precisa avançar.
E há variedades dependendo de autorização da CNTbio.
Em conseqüência dessa contradição inerente ao governo Lula—tem gente a favor e contra os transgênicos —, a política pública para isso acaba sendo a paralisia.
No esforço de conciliar posições, chega-se ao impasse, como a regra que inviabilizava decisões da CNTbio, ora em mudança no Congresso. Parece que, afinal, as mudanças vão privilegiar o aspecto científico e o simples bom senso.
Mas atrasa. Como no caso de outras paralisias por ideologia. Naquele mesmo agosto de 2003, Lula dizia à revista “Veja”: “Como é que nós vamos fazer saneamento básico nas regiões metropolitanas deste país sem atrair investimentos de fora? Não cabe mais aquele discurso ideológico de que saneamento básico é obra do governo federal e responsabilidade do governo estadual e do prefeito. Esse discurso seria maravilhoso se tivéssemos dinheiro para fazer. Não adianta fazer um bom discurso ideológico e o povo continuar pisando em esgoto a céu aberto e bebendo água não-tratada.”
A nova lei de saneamento saiu só agora, e, ainda assim, tem aspectos não esclarecidos, que dificultam tanto investimentos privados quanto públicos.