Bruxaria e Discos Voadores

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Christiano
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Bruxaria e Discos Voadores

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Bruxaria e Discos Voadores

Cláudio Tsuyoshi Suenaga


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RESUMO: Este artigo procura aproximar dois fenômenos aparentemente distintos. Para tanto, aponta vários pontos de interseção.

UNITERMOS: bruxaria; feitiçaria; magia; ritual; extraterrestre; fenômeno OVNI.

SUENAGA, C. T. Witchery and Flying Saucers.

ABSTRACT: This article is intented to approximate two phenomenons with distincts appearence. In this sence, indicate various intersections.

KEYWORDS: witchery; witchcraft; sorcery; ritual; extraterrestrials; UFO Phenomenon.

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Advertência Necessária

Urge antes de mais nada falarmos um pouco a respeito do crescente número de pessoas que vêm adotando nos últimos tempos comportamentos criminosos aberrantes em nome de tradições das quais se julgam herdeiras. Distorcendo valores e subvertendo códigos, sacrificam crianças em rituais invocando preceitos éticos privados, revestidos de uma pretensa legitimidade. A insurgência desses delitos irracionais atestam sobretudo o desvirtuamento de determinadas concepções e a prevalência de sistemas de pensamento fundamentados além da realidade. Despertam a preocupação por parte das autoridades constituídas pela forma escabrosa com que são cometidos. Nos meios ufológicos __ em que se estuda, pesquisa e debate o assunto dos discos voadores __, sintomaticamente, é cada vez maior a infiltração de pessoas decididas a arregimentar desavisados, atraindo-os com a promessa do “encontro com a verdade”. Propensos a acreditar em discursos que oferecem a transcendência, muitos aderem a grupos aos quais lhes caberia a denominação de seitas, em função de seus modos típicos de organização.
Cabe mencionar aqui a propósito, o caso de Valentina Andrade, coordenadora da seita Lineamento Universal Superior (LUS). A alguns anos atrás circulava à vontade em congressos ufológicos disseminando suas idéias “iluminadas”. Autora de uma cartilha intitulada Deus, a grande farsa, fazia apologia de si própria ao declarar-se detentora de segredos e conhecimentos que lhe confeririam a autoridade para argüir sobre assuntos místicos, religiosos e ufológicos.
Em 1992, no entanto, fatos inesperados vieram à tona. Ela e seu companheiro Jose Alfredo Teruggi foram acusados pela morte do menino Evandro Caetano, de 6 anos, e pelo desaparecimento de Leandro Bossi, de 8 anos, na cidade balneária de Guaratuba, litoral do Paraná. Encontrado morto e mutilado em 11 de abril, Evandro teria sido sacrificado num ritual de magia negra por Celina Abagge, mulher do ex-prefeito da cidade, Aldo Abagge, sua filha Beatriz, o pai-de-santo Oswaldo Marceneiro e seus auxiliares Davi dos Santos, Vicente de Paula, Sérgio Cristofolni e Airton Bardelli. A Polícia apurou que Valentina e Teruggi estiveram em Guaratuba no dia do desaparecimento de Leandro. Uma fita de vídeo apreendida posteriormente mostra Teruggi aparentemente incorporado por algum espírito, dizendo à sua mulher: “Mate a criancinha”. Além disso, Valentina foi acusada de envolvimento com um grupo de exterminadores de crianças em Altamira, Pará. Apesar do envolvimento de Valentina e Teruggi nos crimes, atualmente ambos encontram-se foragidos.
Sobre Valentina e sua seita pesam ainda outras suspeitas que se revestem de aspectos singulares. Tarcísio Ivo Franco de Araújo num alarmante artigo publicado na revista UFO, afirmou que “Os membros dessa organização, com sede em Londrina e representantes até na Argentina e Uruguai, dizem receber orientações dos extraterrestres. [...] Alguns membros da seita já moraram em Altamira por alguns meses, período em que, segundo eles, realizavam processo de aproximação de extraterrestres. Depois voltaram à Londrina e continuaram lá suas operações. Mas, pelo que se sabe, alguns deles ainda retornaram à Altamira em 1987, justamente 1 ano antes de começarem as mortes dos meninos naquele município”. Tarcísio conta que o falecido ufólogo Osni Schwarz a encontrou num vôo da Varig para Belém. Na ocasião, Valentina teria dito a Osni que ela trabalhava “para os extraterrestres e para Deus. Garantiu também que era no Pará, numa fazenda próxima à Altamira, onde os ETs iriam descer à Terra para contatar seu grupo” (Araújo, julho 1994 : 22-23).
O jornal Diário Popular reportou algo semelhante à seita de Valentina. A notícia dizia que “Uma pessoa gorda e de aspecto inofensivo, conhecida por Edward Mielnik, espalhou o pânico na Polônia como chefe de uma seita pseudocientífica chamada Antrovis, que supostamente extrai órgãos humanos para doá-los a extraterrestres. A imprensa polonesa dedica sua atenção há uma semana aos assassinatos de dois homens relacionados com esta organização que foram torturados e mutilados como castigo por sua deserção”. Mielnik pregava que quem conseguisse chegar em 1999 com um “valor universal cósmico” seria evacuado da Terra por discos voadores. “O problema é que os salvadores extraterrestres necessitam de órgãos humanos para sobreviver e a dúvida é quem serão as pessoas doadoras e as que cairão nas graças da seita” (Diário Popular, 22-5-1995 : 12).
De nossa parte, preferimos pensar que os únicos responsáveis por todas essas atrocidades são seres bem terrenos, embora pouco humanos. Cumpre asseverar que o aparecimento de seitas como o de Valentina e de Mielnik, deve-se aos mesmos fatores que vem propiciando o crescimento do esoterismo e de igrejas evangélicas. Os temores em torno do fim do milênio __ decorrentes aliás de uma simples mudança cronológica arbitrariamente estabelecida pelo calendário gregoriano __, reforçados pelo caos em que a humanidade se encontrava mergulhada, fertilizaram o terreno em que vicejaram pseudoprofetas e demais exploradores da fé alheia. Numa edição da revista UFO dedicada a denunciar as aleivosias da seita do “guru” Trigueirinho, A. J. Gevaerd disse a propósito que “A fé cega em pseudo-líderes carismáticos leva pessoas a entregarem seus corpos e suas almas a movimentos ditos ‘santos’ ou ‘salvadores’, sem que, em nenhum momento, os seguidores que se entregam tenham condições de se questionarem sobre seus atos. Fé cega e senso de necessidade de salvação fazem isso a milhões (senão bilhões) de seres humanos nesse planeta” (Gevaerd, agosto-setembro 1991 : 31).
A ideologia neoliberal em voga, calcada na competição desenfreada __ lei do mais forte __, na ostentação de riquezas __ status __ e no consumismo exacerbado __ materialismo __, gerou um clima favorável a uma espécie de salvacionismo individual, em detrimento de projetos coletivos de transformação social. Como assinalou o historiador Carlos Roberto Figueiredo Nogueira numa entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo, é o “salve-se quem puder” aplicado ao campo místico-religioso. Nogueira postulou ainda que o que foi perpetrado por Valentina, Teruggi e seus amigos ignaros não se filiava a nenhuma tradição cultural, e sim a uma vulgarização do horror e da violência tal qual o cinema e a televisão vinham empreendendo. Derivava mais de um certo “satanismo inculto” surgido nos anos 70, que se alimentava de uma literatura esotérica de segunda mão. Por conta disso, qualquer um podia proclamar-se esotérico e fundar uma seita. Nogueira completou dizendo que “O que assusta no crime de Guaratuba é o fato da violência se voltar contra uma criança, vista na civilização ocidental como um ser inocente, a ser amparado. Quando se passa por cima de um valor assim tão arraigado, é sinal de que a crise é mesmo muito grave” (Couto, 2-8-1992 : 4).

Bruxaria, Ufologia e História

Podemos afirmar que a discrepância entre bruxaria e o fenômeno dos OVNIs (Objetos Voadores Não Identificados) é apenas aparente. Ao propugnarmos uma releitura dos conceitos relativos a magia e das práticas a ela imbricadas, visamos aproximá-los de modo a tecer relações.
Relegada a um segundo plano até a algumas décadas, a bruxaria tornou-se um dos temas que mais tem atraído a atenção de historiadores, antropólogos, sociólogos, psicólogos e estudiosos das religiões. Contribuíram para diminuir a importância da bruxaria, a visão de mundo “racionalista” que o iluminismo implantou no século XVIII __ cuja filosofia propunha que tudo o que dizia respeito a religião não passava de superstição, ignorância e mistificação __, e o marxismo __ calcado na prevalência dos sistemas econômicos e políticos sobre a religião, “o ópio do povo” __, que orientou grande parte da intelectualidade do século XX. Não deixa de ser curioso verificar que enquanto o iluminismo e o marxismo perderam sua força doutrinária, a bruxaria, assim como outras formas de manifestações mágico-religiosas, passaram a despertar cada vez mais interesse. A chamada “história das mentalidades”, área eminentemente interdisciplinar, atenta a isso, recuperou o trabalho pioneiro de historiadores e antropólogos que recolheram os primeiros dados e elaboraram conceitos valiosos, inaugurando os estudos num campo ainda não tão bem definido.
Percorrendo os quase três séculos (XV-XVII) do fenômeno da caça às bruxas na Europa moderna, inferimos tantas analogias com os acontecimentos hodiernos que somos obrigados a convir que aí residem os motivos desse renovado interesse, além daqueles inerentes a atemporalidade do inconsciente coletivo. Perseguição em massa de inocentes, segregação de minorias étnicas e religiosas, demonização do inimigo e instauração de processos inquisitoriais em que as culpas dos réus eram estabelecidas com provas forjadas e confissões extraídas mediante torturas, soam pertubadoramente familiares. As analogias que nos propomos a estudar aqui entretanto, deixam um pouco de lado esses aspectos __ importantíssimos por sinal __ e se concentram sobre outros, que particularmente para nós soam ainda mais pertubadoramente familiares.
O fenômeno da bruxaria representou para as populações da época o que o fenômeno OVNI representa para hodiernamente. Bruxas que voavam, realizavam aportes, metamorfoseavam-se, fabricavam clones, arruinavam colheitas, matavam animais, extraíam sangue à distância e mantinham relações sexuais com seres demoníacos, faziam parte de suas vidas cotidianas, tanto quanto os contemporâneos discos voadores e seres extraterrestres.
O padrão que se criou em torno de casos de mulheres engravidadas por alienígenas é semelhante ao dos seqüestros por demônios, pactos com Satã e vôos no Sabbat, incluindo as marcas do Diabo no corpo das feiticeiras. Conforme o sociólogo francês Pierre Lagrange observou em uma conversa com Jacques Vallée, “o único elemento que falta é o familiar __ o gato preto ou a coruja usados para acompanhar as bruxas!” (Vallée, s.d. : 173). Vallée propugnou também, e com razão, que “Os ‘exames médicos’ a que foram submetidos os seqüestrados, conforme descrevem, são com freqüência acompanhados por manipulação sexual sádica, uma reminiscência das histórias medievais de encontros com demônios” (Ibid.: 28).
Concretamente, a bruxaria adquiriu uma dimensão que se superpunha à realidade social circundante. Costumavam referir-se a ela em termos não menos materiais daqueles empregados em questões pecuniárias, do dia a dia. “Para os homens da modernidade, a bruxaria existia. Inúmeros manuais e livros doutrinários estabeleciam a base de suas crenças, mobilizavam-se aparatos civis e eclesiásticos em seu combate, procedimentos que traziam consigo a afirmação de uma personagem obscurecida e trágica: a bruxa. A presença do ‘agente de Satã’ no seio da coletividade cristã é atestada pela cultura erudita, pelas consciências daqueles que se julgam vítimas ou em perigo iminente de tornarem-se alvos de suas manipulações e seus atos maléficos” (Nogueira, 1991 : 47). Jules Michelet, o primeiro historiador a abordar o assunto com agudeza __ cuja obra fora resgatada __, observou em 1862: “O que espanta é que [...] a feiticeira criou verdadeiramente um ser. Ele tem todos os semblantes da realidade. Tem-se visto, ouvido esse ser. E qualquer um pode descrevê-lo” (Michelet, 1974 : 12-13).
Derivada de antigos rituais pagãos, a bruxaria insurge na Europa da Alta Idade Média como uma reação ao cristianismo, religião vencedora que impunha seu domínio. Prática mágica eminentemente rural de caráter coletivo repleta de conotações sexuais, a bruxaria distingue-se da feitiçaria por dispensar o uso de técnicas especiais. Os poderes da bruxas viriam diretamente do Demônio, com quem manteriam um pacto e por conseguinte um contato permanente, servindo aos seus desígnios. A bruxa representa assim uma negação do poder oficial da Igreja, constituindo um instrumento de forças sobrenaturais. Na visão católica, isso implicava a mais grave heresia a ser combatida pela Inquisição.
A feitiçaria, por sua vez, originou-se de antigos sistemas agrícolas de tendência matriarcal, em que a mulher era a sacerdotisa que comandava os cultos. Ao chegar às cidades no período clássico da Antigüidade greco-romana, tornou-se um ofício. Sofreu igualmente a perseguição do cristianismo, sendo relegada à esfera do mal, não obstante fosse admitida a existência de feiticeiras boas, com poderes curativos, ao contrário da bruxa, vista apenas como algo potencialmente maléfico. Embora também seja oriunda do meio rural, a feitiçaria consolidou-se como uma prática eminentemente urbana e individual. As feiticeiras não prescindiam de substâncias pretensamente dotadas de propriedades mágicas, daí nascendo a imagem tão comum de recintos abarrotados de poções que visavam atingir um fim almejado.
Na década de 30, Evans-Pritchard publicou uma obra clássica sobre os Azande do sul do Sudão e nordeste do Congo, mostrando que naquela tribo as bruxas diferenciavam-se das feiticeiras por não se valerem de rituais, encantamentos ou poções. A bruxaria desempenhava o papel de restabelecedor do equilíbrio social, funcionando como uma válvula de escape para medos, conflitos e tensões. Mesmo advinda de um modelo extra-europeu, essa conceituação ajuda-nos a entender melhor o que se passou na Europa cristã (Evans-Pritchard, 1976).
Perscrutando os primórdios do fenômeno da bruxaria, Carlos Roberto Nogueira descobriu que “Em 1409, na região de Dauphiné e nas localidades em torno do lago de Genebra, a Inquisição acusa a grupos de judeus e cristãos de praticarem, juntos, rituais contrários às duas crenças. Esta alusão parece apontar no sentido da formação de um estereótipo diabólico que começará a tomar corpo nos tratados dos inquisidores, como uma nova forma de malefício que surge, dotado de um ritual que prevê a homenagem ao Diabo e a profanação da cruz e dos sacramentos cristãos. As notícias mais antigas deste culto, cujo propósito é servir ao Diabo em seus intentos infames e inconfessáveis, aparecem nos processos levados a cabo pelos tribunais seculares em 1428, no cantão suíço de Velais, que constituem os primeiros registros de uma perseguição sistemática à bruxaria. Ali [...] aparecem pela primeira vez __ nas confissões arrancadas sob tortura aos acusados __ a imagem da bruxa voadora que vai nutrir, mais tarde, a grande caça às bruxas: a imagem do Sabbat” (Nogueira, 1991 : 38-39).

Processos Inquisitoriais

Selecionamos dois processos inquisitoriais de um período no qual a caça às bruxas atingira o seu paroxismo. Não é difícil notar que ambos explicitam elementos comuns ao fenômeno OVNI.
O primeiro começa com Pierre Lancre, encarregado de investigar denúncias de atividades de bruxaria na região basca do Babourd, em 1609. Lancre, conselheiro do rei da França, ouviu denúncias acusando Necate de Urrugne de sorguina (bruxa). Certificaram-lhe que ela penetrava de noite nas casas, cavalgava em vassouras e em poucos minutos se encontrava longe, além do mar. A própria Necate gabava-se de tais atos, confirmando que mantinha contato com o Demônio e costumava desaparecer, ficando ausente por um ou dois meses. Presa pela Inquisição, confessou coisas impressionantes. Surpreendeu a todos quando disse que mesma estando reclusa na cela, o Demônio havia lhe aparecido e aberto a porta da prisão, levando-a até a costa de Underalse. Confrontada com o fato de ter sido vista dormindo, explicou que “O mestre, quando nos leva pelos ares, põe em nosso lugar, se necessário, um outro corpo semelhante, para que ninguém note a nossa falta. Enquanto isso, voamos pelos céus, atravessamos em poucos minutos distâncias muito grandes e sentimos um imenso prazer. [...] E é lindo vermos o céu nublar-se de repente, à nossa ordem, e desencadear-se um furacão”. Urrugne, como não poderia deixar de ser, fora condenada a fogueira (Ibid.:150-156).
Já o processo de Suzanne Gaudry inclui acusações de ter recebido a marca do Diabo em seu corpo. Inquirida, respondeu que por 25 ou 26 anos manteve relações sexuais com o Diabo, descrevendo-o da seguinte forma: “seu nome é ‘Petit-Grignon’, usa calções negros e um pequeno chapéu achatado”. Com uma agulha ele gravou-lhe a sua marca no ombro esquerdo. No veredicto final decretado em 9 de julho de 1652, consta que “no relatório de sieur Michel de Roux foi julgada pelo médico-doutor de Ronchain e o oficial das hautes oeuvres de Cambrai”, que, após terem-na examinado, concluíram “não ser uma marca natural, mas uma marca do Diabo, o que eles sustentaram com juramento...”. Gaudry foi condenada à morte, levada à forca e estrangulada, e seu corpo foi queimado e as cinzas espalhadas nos bosques das cercanias (Ibid.: 156-162).
Às bruxas também eram atribuídas uma inclinação especial para destruir colheitas e, por extensão, o fruto das uniões entre os homens. Alegava-se que o corpo das crianças sangravam ante uma delas, por força do Diabo. Logravam chupar o líquido vital “pela natura”, deixando-as exangues. Uma tal de Françouneto, que teve a sorte de sobreviver a esses ataques, contou que “antes de enveredar pela seara demoníaca, chegara a sofrer esse tipo de feitiço: quando bebê, seus pais ouviam com freqüência um barulho estranho no seu quarto e encontravam-na fora do berço, que apresentava nas bordas gotas de sangue coalhado” (Mello e Souza, 1987 : 18-19).
Quanto ao Sabbat __ reunião ou assembléia das bruxas __, “mais do que sacrifícios humanos e do que a inversão dos valores da religião cristã, [...] celebrava a sexualidade desenfreada, a entrega total de homens e mulheres ao Diabo. [...] Para ir ao Sabbat, as bruxas se esfregavam com ungüentos especiais dados pelo Diabo ou confeccionados segundo receitas diabólicas, expressamente aviadas para esse fim. Saíam voando pelas janelas, em vassouras, e tinham a capacidade de simular um sósia, que ficava dormindo na cama enquanto a assembléia se desenrolava, ludibriando maridos e progenitores. [...] As bruxas diziam ser extremamente dolorosa a cópula que tinham com o Demônio: seu membro viril era disforme, escamoso, retorcido, atestavam elas. De Lancre descreveu-o como sendo composto parcialmente de metal. O sêmen ejaculado no ato carnal era gélido, e as mulheres saíam muitas vezes ensangüentadas daquilo que estava bem longe de ser um doce colóquio” (Ibid.: 22-23).
Um dos costumes mais usuais de Satã era o de enviar demônios para darem seus préstimos às feiticeiras. Por vezes, assumindo formas animalescas, chupavam o sangue da feiticeira em pontos que ficavam marcados para sempre. Tomavam o peito às bruxas, que os amamentavam como se fossem seus filhos.

Feitiçaria no Brasil Colonial

Verifica-se aqui os mesmos fenômenos que perturbavam a Europa, agravados pelo paganismo indígena e pelos costumes e tradições trazidos pelos escravos africanos, conforme demonstrou Laura de Mello e Souza. Esse sincretismo e os problemas inerentes a condição colonial, fizeram do Brasil um lugar “mágico” por excelência. O Santo Ofício, temendo perder o controle de seus domínios para o inimigo, não poupou esforços, envidando missões de cunho extremamente repressor. A Inquisição agiu aqui de forma implacável, procurando debelar tudo o que pusesse em risco ou contrariasse o cristianismo.
Destacaremos agora alguns casos recuperados por Laura de Mello e Souza que demonstram com riqueza de detalhes a presença de fenômenos similares a tantos já reportados.
Um deles teve como protagonista Leonor Martins, mulher sozinha que viera do Reino degredada por feitiçaria e que vivia na rua de João Eanes, no Recife. “Certo dia, chamara Madalena de Calvos, moradora em casa de sua irmã Isabel Martins, e lhe dissera que, diante da amizade que tinham, queria-lhe revelar um segredo: ‘alevantou-se as fraldas e se descobriu na ilharga esquerda no vazio e junto da costa fundeira, lhe mostrou, na sua própria carne, uma concavidade metida para dentro cujo vão era redondo da grandeza de um tostão, e dentro do vão na mesma sua carne estava no meio prelada (sic!) para fora uma figura de rosto humano, e isto era mesma a sua carne. [...] Como as feiticeiras inglesas, Leonor trazia no corpo a marca antinatural que acusava suas ligações com Satã e que, mais do que o clássico ponto insensível, manifestava-se como protuberância ou cavidade” (Mello e Souza, 1986 : 252). Igualmente, “A famosa Gonçalves Cajada falava amiúde com os diabos, tratando e dormindo com eles, que a ajudavam a fazer feitiços diversos; em troca, alimentava-os com seu sangue, tendo sempre aberta no pé uma ferida: ‘em certos dias da semana, os diabos lhe tiravam daquela chaga um pedaço de carne...’ ”.
Não faltam descrições dando conta de mulheres que entregavam seus filhos: “O sangue devido ao Diabo como parte do pacto estabelecido podia ser pago através da concessão dos filhos gerados. Em 1734, no arraial do Tejuco, dizia-se que a meretriz Arcângela Pereira tinha feito um escrito ao Diabo ‘para este a ajudar nas suas maganagens’. Chamavam-na ‘a mulher do Diabo’ e corria que ‘fizera pacto com o demônio de lhe dar os filhos que parisse para por este meio ter fortuna’; tivera uns acidentes de saúde e o próprio médico, dr. Henrique de Lemos, chegou a acreditar que se passava com ela algo de sobrenatural. Com o tempo, verificou-se que eram ‘folhetos uterinos’. Sobre ela, mulher pobre que nada tinha de seu, continuou entretanto a pesar a alcunha, sempre indicando o consórcio sobrenatural” (Ibid.: 254).

Tipologia Demoníaca

Um caso envolvendo um súcubo (demônio feminino) ocorreu com o escravo José Francisco Pedroso nos campos da Cotovia e em Vila de Cavalinhos, local onde também foram queimadas bruxas em 1559, em Lisboa. Ele confessou ao inquisidor que mantinha relações sexuais com o Diabo: “...limitou-se a contar que o diabo lhe aparecera por três vezes ‘em figura de mulher bem vestida e bem bizarra’, dando-lhe ‘amplexos e ósculos’, e que ‘se tratava com ele torpemente, repetindo por vezes atos lascivos” (Ibid.: 258-259). Semelhanças com os casos de Antônio Villas Boas e de Antônio Carlos Ferreira são bastante evidentes. Ambos alegaram terem mantido relações sexuais com mulheres de compleição humana mas de origem extraterrestre a bordo de discos voadores. O primeiro na região de São Francisco de Sales, em Minas Gerais, em 1957, e o segundo na região de Mirassol, interior de São Paulo, em 1979. Os súcubos, bem entendido, costumavam atacar os homens adormecidos, sob o aspecto de mulheres formosas, impelindo-os a quebrarem votos de castidade. Os íncubos (demônios masculinos), em contrapartida, atacavam as mulheres. “Tomás de Aquino pensava que um demônio agia como um súcubo para o homem, recebendo o seu sêmen, e depois deitava-se como um íncubo com uma mulher, para gerar filhos (Summa Theologica I. 51, art. 3)” (Nogueira, 1986 : 44). Curiosamente, a versão moderna dos íncubos aparece nos relatos de um grande número de mulheres que passaram a alegar terem sido fecundadas por seres extraterrestres a bordo de discos voadores. Seus fetos, conforme afirmam, são retirados depois de 3 meses pelos mesmos seres que os utilizam em experiências genéticas visando a obtenção de híbridos entre humanos e extraterrestres.
Convêm, afinal, falar um pouco dos demônios, os verdadeiros responsáveis pelos atos praticados pelas bruxas e feiticeiras segundo os religiosos da época. Para facilitar o combate às entidades malignas, procuraram classificá-los em variados gêneros: Os ígneos erram em torno da região superior do ar e não têm nenhum contato com os homens, pois jamais descem à terra. Os aéreos, que rondam pelo ar e estão perto de nós, podem descer e corporificar-se para aparecer aos homens e perturbam o ar causando tempestades e trovões. Juntos, preparam a ruína do gênero humano. Os terrestres vivem nos bosques e florestas e pregam peças nos caçadores. No campo, levam os viajantes a se perderem. Os aquáticos, cheios de cólera, habitam ao redor de rios e lagos. Os subterrâneos, que habitam as cavernas e grutas, são de aparência muito desagradável e atacam aqueles que cavam poços e minas de metais ou procuram tesouros escondidos. Finalmente, há os lucifuges, assim chamados porque fogem do dia e só podem formar seus corpos à noite” (Ibid.: 64-65). Poderíamos perfeitamente adaptar essa classificação ao Fenômeno OVNI, sem que fossem necessárias quaisquer modificações.
No que tange a suas feições e tipologias, a maioria não difere dos seres descritos nos dias de hoje pelas testemunhas e contatados por extraterrestres: “Demônios com anatomias animais ou semi-humanas ou deformadas: cobertos de pêlos ou escamas, com cabeças demasiadamente grandes ou demasiadamente pequenas em relação ao corpo, dotados de olhos saltados e bocas rasgadas e cavernosas, chifres, rabos e asas, garras e cascos, cabeças de pássaros ou bicos, com inúmeras faces, braços, pernas e outros apêndices, enfim quantas outras monstruosidades a imaginação pudesse criar” (Ibid.: 56).

Conspiração Universal

Milhares de pessoas, mulheres em sua quase totalidade, pereceram nas fogueiras da Inquisição na Europa Moderna. Algumas estimativas falam até em nove milhões de mulheres queimadas. Só o dominicano espanhol Tomás de Torquemada (1420-1498) mandou para a fogueira dez mil e duzentas bruxas no período de dois decênios, enquanto mandou enforcar pelo menos cem mil delas. A brutalidade em curso, fez com que em Quedlinburg (Saxônia), em 1589, fossem executadas cento e trinta e três bruxas em um só dia. Em Trier, sob o Bispo Johann, em 1585, foram deixadas vivas apenas duas pessoas em duas vilas, e em vinte e duas outras, nas vizinhanças de Trier, de 1587 a 1592, executaram-se trezentos e sessenta e oito pessoas. O auge da repressão se deu entre 1560 e 1630. As últimas mulheres julgadas bruxas foram mortas em 1836 na Alemanha e em 1850 na França. Nos EUA, as últimas bruxas foram queimadas vivas em 1877.
Sobre as mulheres pesava uma suspeição constante. Carregando a culpa do pecado que tirou o homem do paraíso, a Igreja encarregou-se de reforçar os estereótipos negativos a seu respeito. Reduzida a um único papel, a de animal reprodutor, a ela era impedido até mesmo a manifestação do prazer durante o ato sexual. Destinada à submissão, bradou seu grito de revolta assumindo a identidade de bruxas e feiticeiras. Tal alternativa contudo, foi encarada pela Igreja como uma guerra precípua contra Deus e seu reino.
Postular o antagonismo pondo em cheque o sistema religioso estabelecido configurava uma aversão a priori, permitindo supor a devoção ao maligno. Durante muito tempo aceitou-se essa visão simplista consagrada pelos inquisidores, não faltando os que a defendessem, querendo com isso amainar, encobrir ou justificar as crueldades perpetradas pela Igreja. Outros incorreram no erro de não examinar o assunto com a rigorosidade necessária, reforçando preconceitos e arbitrariedades. Esta visão, indelevelmente, permaneceu nos espíritos ocidentais, tornando-os afeitos a acreditarem nos poderes das trevas. Curiosamente, ela persiste até os nossos dias. Na pesquisa ufológica encontramos seus reflexos. Insipientes, sem se aperceberem do equívoco, muitos ufólogos caem nesta armadilha, pretendendo separar os alienígenas que nos visitam em dois campos distintos, um Divino e outro Demoníaco. De nada vale, porém, apregoar uma antítese simplista entre Bem e Mal, uma vez que estas duas categorias se confundem e se interpenetram. A cultura oriental percebeu isso bem antes que nós e as concebeu como forças antagônicas dinamizadoras, inerentes a condição humana. Os opostos se condicionam reciprocamente e no fundo constituem uma só e mesma coisa, dizia o psicólogo Carl Gustav Jung (Jung, 1982 : 21).
O mais determinado e bem informado defensor da ortodoxia católica no século XX, o reverendo Montague Summers, acreditava piamente nas declarações dos juízes inquisidores __ o diabo auxiliava as bruxas nos atos maléficos imputados a elas. Summers afirmava __ mas nunca provou __ ter sido escolhido e que por isso sua missão era a de caçar demônios presentes em nosso meio. Ele não tinha dúvidas de que as bruxas constituíam um vasto movimento político, uma sociedade organizada, anti-social e anárquica, uma conspiração universal contra a civilização.
Sondar as razões da propensão inevitável dos seres humanos para a adoção de inúmeros comportamentos fundamentados além da realidade conduz-nos a um campo de estudo interdisciplinar extremamente complexo. As conclusões daí aferidas nunca se afiguram definitivas. Não obstante, é consensual que um processo psicossocial está na base de todas as motivações coletivas. As pessoas crêem no sobrenatural e, se a crença for reforçada pela urgência de suas necessidades, ela passa a ter existência real. Demônios, bruxas, anjos, duendes, fantasmas e extraterrestres são mais do que acreditados: para muitos eles existem de fato. Onde as barreiras entre o real e o fantástico são rompidas, não existem absurdos e as possibilidades são inesgotáveis. É por isso que a crença em seres como os extraterrestres no final do século XX é uma parte tão importante e essencial destes tempos tecnológicos, que sustentar uma opinião contrária advoga contra todas as nossas esperanças de futuro.

Cláudio Tsuyoshi Suenaga é mestre em História pela Faculdade de Ciências e Letras de Assis (FCLA), campus local da Universidade Estadual Paulista (Unesp), consultor da revista “UFO” e colaborador da revista “Sexto Sentido”.

Trancado