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Ensaio "A Bahia voltada para o passado"
Enviado: 30 Mar 2007, 22:46
por André
Foi um ensaio que fiz recentemente.Tem alguns problemas por vezes é um pouco repetitivo.
Vou postar os tópicos em mensagens separadas, devido ao tamanho.
Ensaio: A Bahia voltada para o Passado.
Introdução
Esse ensaio é uma reflexão sobre a política baiana, tomando como base o contraste entre a figura histórica de Rômulo Almeida e a tradição oligárquica da Bahia. A idéia surgiu, especialmente, por ocasião da leitura do livro “Rômulo: Voltado para o Futuro”, conjunto de entrevistas com Rômulo Almeida organizadas e conduzidas por Joviniano Neto e outros pesquisadores do grupo de trabalho da associação dos sociólogos do Estado da Bahia, a ASED.
A reflexão passa pelas dificuldades que Rômulo enfrentou quando assessor do governador Antonio Balbino na década de 50, sua experiência posterior em empreendimentos privados como a CLAN, assim como suas perspectivas em relação à economia do Nordeste e da Bahia. Essas perspectivas trabalhavam tanto com o desenvolvimento da indústria, do comércio, quanto com a socialização dos resultados dessa produção para o atendimento das necessidades básicas e diminuição das desigualdades sociais.
Refletimos também sobre o dito “enigma baiano” relativo ao atraso e perda de importância da Bahia no cenário primeiro econômico, e progressivamente político, especialmente a partir de meados do século XIX. A Bahia, como Rômulo disse, do “Já Teve”, ou como Israel Pinheiro destaca com a sua “... fixação do passado como referência recorrente no presente” , reflexo do orgulho, da soberba que está por trás da construção da idéia de que haveria um enigma no fato da Bahia ter ficado atrasada em relação ao Centro Sul do Brasil.
Existe a necessidade de explicar o título. Provocativo, o título é uma referência ao contraste que existe entre Rômulo Almeida, que foi um exemplo de homem voltado para o futuro, com compromisso ético e vinculado ao serviço público, e a causas coletivas e democráticas, e a Bahia, mais especificamente as elites tradicionais da política baiana. Essas que estiveram em geral ao lado do poder, fazendo referência a partir de meados do séc XIX aos seus tempos de glória no passado, a fim de garantir os privilégios da ordem privada, da qual fazem parte.
Isso não significa um decreto relativo a toda a história baiana, como Israel Pinheiro destaca, no texto já mencionado. A Bahia esteve na vanguarda de movimentos e revoltas como a Sabinada, e o movimento pelo federalismo, mesmo no início do séc XIX. Em meados do mesmo século, a estagnação econômica e a perda de destaque no cenário nacional (que já vinha em curso no século XVIII com a transferência da capital foi acentuado) levam, a partir de meados do séc XIX, à hegemonia das forças conservadoras, não por motivos ideológicos ou de projeto político, e sim conservadoras do poder privado, legitimado pelo Estado. Logo “A Bahia voltada para o passado” não expressa uma situação atemporal, mas refere-se a um momento que se inicia e passa por transformações e desgastes. A existência de uma vanguarda baiana em outros tempos, demonstra que não existe uma vocação baiana para o atraso, mas que circunstâncias, escolhas e ações, pavimentaram o caminho da Bahia tanto para o atraso econômico como para a hegemonia política das oligarquias rurais.
Enviado: 30 Mar 2007, 22:47
por André
Trabalho no presente construção para o futuro
Rômulo Almeida foi um baiano singular. Para isso não são necessários muitos argumentos o trabalho de referência já citado fundamenta tal afirmação suficientemente além de dar conta de sua trajetória pessoal. Resta então lembrar, mesmo que rapidamente, que Rômulo foi um dos principais assessores de Vargas em seu segundo e último mandato na década de 50, Criou o CPE (Comissão de Planejamento Econômico) esteve ligado a SUDENE, foi um dos primeiros representantes brasileiros em Fóruns de integração econômica Latino-Americana como a conferência da CEPAL. Esteve ligado ao projeto de criação da Petrobrás, foi presidente do Banco do Nordeste, criou um sistema de planejamento e muitas outras iniciativas pioneiras na área de planejamento econômico.
Rômulo enfrentou várias disputas políticas não somente pessoais. Embora tenha sido deputado, candidato a senador, e a outros cargos políticos, envolveu-se fundamentalmente em disputas em torno de projetos políticos. Uma dessas considero de fundamental importância, porque significou não apenas uma derrota de Rômulo, ou dos desenvolvimentistas, mas em minha avaliação, foi uma derrota do Brasil, frente a interesses privados. Refiro-me aos projetos de implantação de transportes coletivos, e de materiais, especialmente as ferrovias, entendidas por Rômulo como fundamentais, para conectar áreas produtivas do interior aos grandes centros, e por terem menores custos, e serem menos poluidoras , do que o transporte rodoviário, além de serem mais eficientes para transporte de grandes cargas. Vargas, que comungava dessa visão, tomou algumas iniciativas nesse sentido, mas, posteriormente, a pressão da indústria automobilística e a concepção que “governar é fazer estradas”, acabaram prevalecendo, e o investimento acabou por se concentrar nesse tipo de transporte. Isso acabou resultando na ausência de uma rede nacional de transporte ferroviário, e num relativo abandono pelos transportes coletivos.
É importante destacar que não se trata de uma questão mutuamente excludente, a idéia é que transportes ferroviários fossem complementares, e complementados pelo transporte rodoviário. A opção por região, relativa a função, obedeceria às necessidades do local, e para isso o planejamento e o estudo da economia das regiões era tão vital. Os objetivos eram alcançar uma maior eficiência, comunicação, e diminuição de custos, combinando as diversas formas de transporte, obedecendo a um planejamento a fim de promover o desenvolvimento das regiões. Porém interesses políticos privados, cedendo á pressão da indústria automobilística, como Rômulo aponta, acabaram “vitoriosos”.
Rômulo se mostrava antenado ao que melhor se produzia em termos de teoria econômica, tal como a Bahia no início do séc XIX estava antenada ao federalismo republicano que era parte do que havia de mais avançado para a época nos EUA e Europa. Mas, a partir de meados do séc XIX, a Bahia perde essa característica para se tornar atrasada economicamente e politicamente, e sua elite vira parasitária do Estado, dos cargos públicos e do poder conferido a suas lideranças locais, postura que vai atravessar o séc XX. Já Rômulo acaba por desenvolver uma perspectiva, influenciado não apenas por suas leituras e estudos, mas pela prática em diversas funções que assumiu, que consideramos por demais interessante para deixar de comentar. Do ponto de vista econômico, entendia que se deveria procurar compatibilizar desenvolvimento tecnológico, econômico, livre comércio e trocas, com planejamento e ação estatal, no sentido de promover esse desenvolvimento. Simultaneamente promover inserção social, atendimento das necessidades básicas e diminuição das desigualdades, considerando que a Bahia deveria conquistar espaço no cenário nacional, dando sua contribuição para o desenvolvimento do país.
Tal concepção combinava aquilo que Rômulo entendia como o caráter dinâmico do capitalismo para a geração de riquezas, o “livre comércio”, ao mesmo tempo em que esse poderia ser promovido, e conduzido para atingir macros objetivos, tanto de desenvolvimento econômico, quanto do atendimento das necessidades básicas e diminuição das desigualdades socioeconômicas. Foge, portanto à perspectiva clássica de controle da economia, um controle completo da produção, como a perspectiva do socialismo real, inclusive porque aceita a colaboração de empresas privadas, mas simultaneamente rejeita a autonomia da economia como espaço que o Estado deve abrir caminho para a iniciativa privada, e simplesmente fazer cumprir as leis, agindo em outras áreas como educação, segurança, que é uma perspectiva mais liberal. O socialismo para Rômulo estava na idéia de distribuição de riquezas para diminuir a exclusão social. Inclusive em tempos de Guerra Fria, ele rejeita, não somente as teses econômicas do socialismo real, como também as teses políticas, ao consolidar uma perspectiva democrática em relação ao exercício do poder.
Tudo isso encontra um flagrante contraste na Bahia depois de sua perda de relevância em termos econômicos, e diminuição de sua importância política (embora essa tenha demorado mais para ocorrer). Primeiro que, como Israel Pinheiro aponta, com o controle das oligarquias rurais a preocupação que resta é a manutenção dos privilégios e do poder local. Segundo que, uma dinamização da economia significaria competição, o que ameaça a hegemonia dessa elite, e Rômulo alerta para que essa preferia o ganho certo, mesmo que fosse pouco. Competição significaria riscos que essa oligarquia não estava disposta a correr. No entanto, iniciativas como o Pólo Petroquímico de Camaçari, foram implantadas, e houve uma política de planejamento. Como explicar? É importante lembrar que os projetos de Rômulo Almeida eram muito mais ambiciosos sobre isso. O próprio Rômulo diz:
“Foi realmente uma coisa importantíssima para o Estado. Agora se vocês me perguntarem: Assim resolveu os problemas do Estado? É o ideal? Não, isso não, nós tínhamos sugerido uma série de políticas para internalizar os efeitos do Pólo e essas políticas não foram adotadas”.
Além de não serem adotadas as medidas que iriam reverter os efeitos do Pólo em maiores benefícios para o Estado e para os baianos, muitos projetos de Rômulo tendiam a ser diminuídos pela falta de ambição. Um exemplo disso é a ambição da criação de centros tecnológicos, assim como do que ele chamou de “... reservar mercado nacional para atividades econômicas competitivas no Nordeste”. Nisso ele se diferencia de uma perspectiva comum à esquerda da época que defendia atividades de mais baixo capital, que seriam mais “empregadoras”. Isso Rômulo percebeu que não funcionaria, pois sem a competitividade, essas atividades não se sustentariam frente à produção do centro sul especialmente de São Paulo no que se refere à indústria leve. Assim tais atividades, sejam elas industriais ou agropecuárias, precisavam ser competitivas e complementares. Competitivas porque sem isso não iriam se sustentar e o sendo poderiam se expandir, pagar melhores salários, e iriam acabar empregando mais ou de forma mais eficiente. Complementares, pois levando em consideração o papel da Bahia ou do Nordeste em relação ao Brasil, a complementaridade seria um instrumento de desenvolvimento nacional, por se investir e priorizar mais em setores diferentes daqueles já bem desenvolvidos em outra região. Isso é o que, aliás, para Rômulo justifica a implantação do Pólo Petroquímico de Camaçari e a instalação de indústria pesada na Bahia, já que competir com a indústria leve de São Paulo seria inviável. A complementaridade já citada também é relativa à agroindústria ou atividade agropecuária, já que como a Bahia têm terras e gado, é uma questão de explorar esses recursos adequadamente, de maneira a complementar a produção nacional. Porém, essa lógica, com adaptações atravessa os parâmetros (competitividade e complementaridade) estipulados nos planejamentos desenvolvidos por Rômulo Almeida, não limitados, portanto, a uma avaliação do que era necessário ao desenvolvimento da Bahia.
Outra característica de Rômulo que contrastam em grande medida com as elites tradicionais baianas é o seu compromisso ético, convicções democráticas e políticas. Não apenas seu compromisso ético com o serviço público ao ter aberto mão de riqueza pessoal para contribuir com o país, mas por agir de acordo com seus princípios e ter tido que muitas vezes que pagar o preço e no caso que vamos citar não sozinho. Poderíamos buscar exemplos do início de sua trajetória, ou de meados dela, mas nos aproximamos no tempo para o período do regime militar por que esse período e esse exemplo acabam melhor definindo os contrastes.
Importante dizer que Rômulo, como ademais praticamente todo político, negocia, junta forças, cede em certos momentos, para pelo menos realizar parte do que planeja. Logo, a ética não é como uma mordaça que impede a negociação, ela serve para estabelecer os limites, dizer o ponto que não se pode atravessar, quando mesmo que a lei permita, a consciência evita. Rômulo volta ao Brasil em 66, e se inscreve no MDB, partido que seria “oposição” ao regime do bipartidarismo estabelecido pela ditadura militar. São oferecidos a ele cargos, na Sudene, no Ministério da Indústria e Comércio, e por convicção democrática, e sendo contrário ao regime não aceita, atuando politicamente no MDB e na vida privada na empresa de consultoria criada por ele e amigos, a CLAN.
No mesmo período, em 66, houve a eleição para senador. Vieira de Melo foi candidato pelo MDB e pela Arena foi candidato Aloísio de Carvalho Filho, amigo pessoal de Rômulo de longa data, muito mais próximo pessoalmente e seu ex-professor Apesar disso, Rômulo foi suplente de Vieira de Melo e fez campanha para ele devido às suas convicções políticas de que era preciso fortalecer a oposição ao regime. Já percebemos diferenças fundamentais entre as posições de Rômulo com a elite tradicional. Essa, por característica, é governista, e se adaptou sem problemas ao novo regime, apoiando a Arena, sendo que na Bahia nas “... eleições de 1970, dos 336 municípios da Bahia, a Arena estava organizada em todos, o MDB em 150.” Além disso, a elite tradicional valorizava muito mais ligações pessoais do que convicções políticas, logo, para um membro dessa elite o apoio de Rômulo a Vieira era uma completa inversão de valores, por esse não ser do partido do governo e ter como adversário um amigo de Rômulo.
No período em que Balbino foi governador, Rômulo, como seu assessor, já havia entrado em atrito com ACM quando por ocasião de uma manifestação de estudantes. Rômulo orientou Balbino a não colocar a força policial contra os estudantes, idéia defendida por ACM, segundo relato de Rômulo, e Balbino preferiu ouvir seu assessor ao invés daquele que na época era um político em ascensão na UDN, no caso ACM. Isso, combinado com o que já foi relatado, somando-se ao fato de ACM ter ido para a ARENA, e Rômulo para a oposição no MDB, fez deles inimigos políticos. Quando ACM volta ao governo de Estado, em 1979, começa, segundo Rômulo, a perseguir a CLAN que fazia consultoria técnica ao Estado. Depois de ser perguntado sobre o assunto por um dos membros da ASED Rômulo explicita:
“O que posso dizer é que ele tentou destruir, não conseguiu, mas conseguiu desativá-la. Foram grandes os prejuízos, administramos a crise, passamos dois anos e meio em “Déficit” , concluindo obrigações contratadas, liquidando ativos. O pior prejuízo creio foi para o Estado, pois sempre servimos com criatividade e entusiasmo independente de divergências pessoais”.
Pois foi exatamente uma desavença pessoal com Rômulo que ACM levou para a esfera pública, cancelando contratos ganhos tecnicamente pela CLAN, além de ameaçar a empresa com sanções: “... o pior é que ele transmitiu direta ou indiretamente aos nossos associados no projeto de Expansão Urbana, da Nova Dias D’Ávila, no projeto DETEN e no projeto POLITENO, que o governo adotaria sanções se nos continuássemos como associados. Trancou também a PROPAR para dar apoio a projetos que nos tínhamos desenvolvido, projetos, inclusive de maior importância para a Bahia.” O uso patrimonialista do Estado, a confusão entre público e privado, o recurso ao clientelismo punido de forma vingativa, dispensam maiores comentários. Por isso quando se fala que ACM esteve envolvido na modernização, é importante o adendo, desde que funcione para aumentar seu poder pessoal, e que ele pudesse realizar essa modernização para benefício daqueles ligados a ele. Não por convicção política ou “ideológica”, mas sim porque esse era o contexto, e como membro dessa elite tradicional e pertencente a esse estilo de se fazer política, tinha que se aproveitar do contexto político, como todo bom governista, para gerir recursos públicos à sua maneira, usando troca de favores e privilégios. ACM, sem dúvida, compreendeu bem como fazer a política na Bahia dos líderes do interior funcionar para acumulação de prestígio pessoal.
Para concluir esse tópico entendo ser importante expressar que se fica clara a admiração pela figura de Rômulo Almeida, isso não apaga seus erros ou eventuais discordâncias que podemos ter com suas idéias. Na juventude, Rômulo chegou a ser atraído pelo integralismo, devido fundamentalmente ao nacionalismo existente nessa tendência, nacionalismo que Rômulo compartilhava e que não era comum nas esquerdas que defendiam o internacionalismo. Não por acaso a Internacional comunista era uma das principais organizações da esquerda. Porém tais equívocos não duraram, ele se afastou de qualquer tendência que se aproximasse do fascismo, por sua adesão a idéias democráticas, embora tenha mantido vivo o nacionalismo. Não nos focamos nesses aspectos, ou nas poucas divergências com Rômulo porque não é o objetivo do ensaio, vale a menção apenas para demonstrar que a admiração pela figura histórica não impede uma avaliação crítica de suas idéias e ações.
Enviado: 30 Mar 2007, 22:48
por André
Desmistificando o “Enigma Baiano”
As razões pelas quais a Bahia perdeu importância econômica no nível nacional, e progressivamente força política, embora essa última tenha se mantido por muito mais tempo, não são tão difíceis, nem muito menos enigmáticas de se apontar. Citando Pinto de Aguiar, que nos lembra vários daqueles que se debruçaram sobre o assunto, são vários os fatores complementares que podem ser destacados e nos ajudam a compreender a questão do atraso da Bahia.
“No quadro da causalidade, por exemplo, Thales de Azevedo sugeriu a influencia materna na constituição das famílias irregulares de nossa sociedade, Rômulo Almeida lembrou o escasso espírito empresário-industrial de homens que visavam apenas elevados lucros nas atividades mercantis, Mario Barbosa apontou a alta rentabilidade e adequação de nossas lavouras à exportação como um elemento contrapolarizador da indústria, Braz de Amaral salientou a sangria de braços da Guerra do Paraguai, Clemente Mariani apontou a pequena capacidade de absorção das poupanças quando elas existiam entre nós. Inúmeras outras causas concorrentes têm sido apontadas para o nosso reduzido crescimento, condicionante do nosso atraso industrial: Causas institucionais, crédito escasso, técnica atrasada, instrução reduzida, pouco espírito de iniciativa, formação excessivamente jurídico-literária, etc; causas econômicas, como ruína, - pela concorrência do açúcar de beterraba e pelo avanço técnico das usinas antilhanas, - de nossa indústria básica: o açúcar, a escassez de certos recursos ; tais como carvão, o ferro e mesmo petróleo, o pequeno poder aquisitivo do mercado local, a má orientação de certas linhas de transporte, em traçado ou capacidade, etc. E esta enumeração é exemplificativa.”
Podemos ainda acrescentar o que Manuel Pinto de Aguiar faz, mais a frente na mesma entrevista e Rômulo Almeida faz no trabalho já citado acerca do papel do café.
“Bem, o processo histórico fez com que o Nordeste fosse marginalizado; porque o Nordeste não teve possibilidade de desenvolver a industrialização, a não ser muito moderadamente em Pernambuco. A industrialização brasileira foi o resultado do café. Tanto pela formação do capital como pela atração da mão-de-obra e, pela criação de um mercado, pois o café é muito empregador direta ou indiretamente. E, como o Nordeste não teve chance nos seus produtos de exportação, o açúcar e o fumo caíram em importância, os outros produtos caíram ainda mais, o algodão é uma coisa muito pequena, então o Nordeste nesse tempo foi ficando cada vez mais dependente do Sul. Essa é uma visão minha. E uma visão de alguns analistas, não poderia, não poderia dizer que fosse uma visão geral.”
Tenho algumas discordâncias em relação ao que Rômulo depõe nesse momento. Mas, antes, devo lembrar que a proximidade do Centro Sul do centro político, a partir do séc XVIII, é outro fator, e que os desequilíbrios entre Nordeste e Centro sul estão ligados, como já foi citado, à incapacidade de competição com a indústria leve. A discordância se refere não ao papel do café, que foi relevante para a atração de mão de obra para a região e conseqüente acumulação de capital, como atestam outros estudos. A discordância se refere ao trecho que ele diz que o Nordeste não teve possibilidade de industrialização.O café e o contexto impõem dificuldades, as razões já citadas do empobrecimento, da concorrência do açúcar das Antilhas, do fato do refinamento do açúcar e sua distribuição por boa parte da história dessa produção, não ter sido feita aqui, mas na Holanda, tudo isso somado as outras razões impõe dificuldades, um contexto desfavorável, porém as elites, que controlavam tanto o poder político quanto o econômico, ao não investirem em aprimoramento técnico também foram responsáveis. Particularmente por sua postura de buscar o controle do Estado, a ocupação dos cargos públicos, tendo como prioridade a manutenção do seu poder e hegemonia, garantindo o ganho certo sem uma preocupação em se adequar aos novos tempos.
Possibilidades haviam, não somente nos anos 50 quando o próprio Rômulo acreditava, mas antes disso. Podemos avaliar, sim, que a conjuntura do final do séc XIX e início do séc XX era menos propensa, e a partir de meados do séc XX a perspectiva desenvolvimentista fornece circunstâncias mais favoráveis. Mas, o inexorável e o inescapável raramente fazem sentido na história humana, produto simultaneamente de escolhas dos indivíduos e das condições em que esses estão envolvidos.
Assim sendo, surge a pergunta: o que leva à criação do mito do “Enigma Baiano”? Traduzindo, esse mito significa que as razões pelas quais a Bahia se tornou atrasada seriam desconhecidas, algo ainda fora do alcance da nossa compreensão, algo ainda a ser desvendado, o atraso que causa surpresa, inesperado e ilógico. Não existe nada de ilógico no atraso, podemos divergir em relação a qual teria sido o fator predominante, mas podemos elencar suficientemente uma lista de fatores capazes de convencer os mais céticos que não existe surpresa, dado o processo histórico transcorrido, no fato de que a Bahia fosse progressivamente perdendo força política e importância econômica no cenário nacional.
Sobre essa mitificação Nelson de Oliveira já aponta:
“Desde finais do século XIX, ao invés de um confronto com sua decadência socioestrutural, a Bahia viu-se envolvida numa série de mitificações que passaram a ocupar o lugar de fontes e a servir de justificativas para uma possível percepção acerca do que vinha se processando no seu interior.”
As razões do mito acabam por simplificar a compreensão de sua função. Como Nelson de Oliveira indica, a estagnação era mais do que uma ameaça era um dado concreto do qual não se podia fugir ou esconder. Mas as elites provaram que poderia ser mitificado. Admitiam o atraso, mas como foram elas que estiveram no poder, no comando de uma estrutura autoritária por todo o período em que esse atraso se desenvolveu, o tratavam como um mistério, do qual não tinham qualquer responsabilidade. A responsabilidade para recair sobre os mais pobres e trabalhadores era difícil, devido a opaca participação democrática, tão valorizada por Rômulo, tão escassa na história do Brasil, e na Bahia agravada pelo autoritarismo e fraudes eleitorais e tradições clientelistas. Para se responsabilizar os trabalhadores, os mais pobres, somente se recorrendo a um outro mito, o mito da preguiça do baiano, da sua aversão ao trabalho como uma singularidade local, já desmistificado por outros trabalhos e sobre o qual não faremos mais considerações.
Voltando ao mito do “Enigma baiano”, vejamos o que Nelson de Oliveira expressa:
“O ‘enigma baiano’ foi assim o primeiro dentre os mitos que viriam povoar a imaginação, cujo afã de explicar o que parecia fora de qualquer explicação lógica, abrira caminhos para que uma relação se estabelecesse por aqui, mais do que em qualquer outro espaço regional, entre o mítico-transcendente e o real. O primeiro fomentando o segundo, numa relação de dependência que fugia a qualquer preocupação de coerência lógica, num fomento apologético proposital do irracional, como se isto aqui não se explicasse mesmo. Certamente, uma postura cômoda para quem aposta que o mais importante é caminhar, ainda que esse caminhar nem sempre seja possível em determinadas circunstâncias, pelo menos para a grande maioria dos pretensos caminhantes. Cômoda, não só por isto, mas por outras razões, sobretudo as velhas e carcomidas classes dominantes, uma vez que, não havendo explicações, desapareceriam também quaisquer motivações para mudanças profundas no modo de ser histórico, ou deslocamentos definitivos nas relações internas entre as classes.”
Então fica clara a razão e a função. A razão para o mito é o dado objetivo do atraso, e ao mesmo tempo a necessidade de explicitar sua inexplicabilidade. Explicá-lo seria, além de depositar uma parte considerável da responsabilidade por esse atraso nas elites tradicionais, criar o imperativo por mudanças estruturais na política e economia, mudanças essas que eram temidas, por uma elite que não desejava ameaças ao seu poder. Essa, entretanto, não foi capaz de evitar todas as transformações que vieram a ocorrer nos anos 60 e 70. Como Israel Pinheiro aponta: “Elites, definidas não mais necessariamente pelo brasão familiar, pela tradição do nome, mas pelo poder econômico, por alguma forma de poder exercido sobre os demais da comunidade.” Isso não significa uma mudança significativa até porque a tradição do nome é algo que ainda ajuda, porém deixa de ser determinante, e se o perfil da liderança local passa por essa alteração, a sua forma de fazer política e se adequar ao jogo de troca de favores, se mantêm pouco alterada.
Enviado: 30 Mar 2007, 22:49
por André
Conclusão
O atraso econômico da Bahia é resultado, como fica claro, de uma série de circunstâncias, combinadas com escolhas, nas quais, se as elites tradicionais não são as únicas responsáveis, certamente sua responsabilidade é relevante. O estar “Voltada para o passado” está presente em três dos trabalhos citados, quais sejam o de Israel Pinheiro, Nelson de Oliveira, e nas entrevistas concedidas por Rômulo Almeida à ASED. Essa postura esteve ligada a uma mitificação do atraso que um exame acurado demonstra que era fruto de razões políticas e da função que tais mitificações exerciam em uma elite tradicional, cujo prestígio e soberba com relação a seu poder pessoal, necessitava de uma cortina de fumaça sobre os motivos do atraso e das transformações que seriam necessárias para superá-lo, mudanças essas que a elite temia, pois com essas mudanças sua hegemonia política não estaria mais garantida.
É importante lembrar que as generalizações referidas são sempre do predomínio e não da totalidade, e a Bahia pela sua extensão e dinâmicas diferentes por região, impede uma caracterização absoluta. Porém a percepção do que predomina, até por dados eleitorais, pela forma como se constrói o poder das lideranças, pode ser percebido, mesmo na heterogeneidade existente.
Uma vez chegando a essas conclusões resta a pergunta: O que fazer diante disso? Reconhecer as razões do atraso, compreendê-las, é o primeiro passo, trabalhar no sentido da superação dessas, o segundo passo, mais difícil e espinhoso, que exige transformações para trilhar o caminho de superação do atraso, do autoritarismo político, ampliando a participação democrática e, lembrando de Rômulo Almeida, na ambição de dinamizar a economia, sem se esquecer do compromisso ético, de fazer os resultados desse desenvolvimento serem revertidos em benefícios para todos os baianos. Especialmente aqueles mais enfraquecidos pelo atraso, e que mais necessitam de ajuda, não a ajuda do cabide do cargo público (que é para poucos e deveria ser assumido obedecendo a critérios de competência técnica e compromisso com o serviço), mas a ajuda para poder trabalhar e produzir, seja na terra, em serviços, na indústria ou em outro setor.
O compromisso, portanto, é buscar garantir igualdade de oportunidades, e o atendimento das necessidades básicas de todos baianos e, como indicaria o nacionalismo de Rômulo, para todos os brasileiros. Nosso humanismo pode ampliar tais anseios para toda a humanidade e mesmo que pareçam distantes, Rômulo nos alertava, a descrença na possibilidade do desenvolvimento é a primeira inimiga que precisa ser desfeita e desmistificada.
Referências Bibliográficas
Oliveira, Nelson de, Sob o manto da Concórdia: Bahia como contrafação do moderno, Salvador, Comissão Justiça e Paz, 2000. p. 11-29.
Pinheiro, Israel de Oliveira, A política na Bahia: Atraso e personalismos, Ideação, Feira de Santana, n.4, 1999. p. 49-78. Disponível em:
http://www.uefs.br/nef/israel4.pdf (Ultima consulta feita 29/03/2007)
Pinto de Aguiar, Manoel. Notas sobre o “Enigma baiano”. Salvador, v. 5, n.4,1977.p.123-135.
Almeida, Rômulo. Rômulo: Voltado para o futuro. Fortaleza, BNB, 1986, p.242. (Entrevistas concedidas ao grupo de trabalho da ASED).
Enviado: 30 Mar 2007, 22:53
por André
As notas de rodape não foram.Bem elas indicam os textos e a pagina das citaçoes.Ai estão elas na ordem.
Israel de Oliveira Pinheiro, A política na Bahia: Atraso e Personalismos, p.57
Rômulo já demonstrava preocupação ecológica o que comenta não estava na moda na década de 50.
Rômulo Almeida, Rômulo: Voltado para o Futuro, p.163.
Rômulo Almeida, Rômulo: Voltado para o Futuro, p.181.
Que durou até 1979 quando voltou o pluripartidarismo no governo de Figueiredo.
Rômulo Almeida, Rômulo: Voltado para o Futuro, p.170
Israel de Oliveira Pinheiro, A política na Bahia: Atraso e Personalismos, p.72.
Rômulo Almeida, Rômulo: Voltado para o Futuro, p.173.
Rômulo Almeida, Rômulo: Voltado para o Futuro, p.174.
Manuel Pinto de Aguiar, Notas sobre o “Enigma Baiano”, p.125.
Rômulo Almeida, Rômulo: Voltado para o Futuro, p.78.
Nelson de Oliveira, Sob o manto da Concórdia: Bahia como contrafação do moderno, p.11.
Nelson de Oliveira, Sob o manto da Concórdia: Bahia como contrafação do moderno, p. 11.
Como nos relata Rômulo.
Nelson de Oliveira, Sob o manto da Concórdia: Bahia como contrafação do moderno, p.12.
Israel de Oliveira Pinheiro, A política na Bahia: Atraso e Personalismos, p.74.
Se houver qualquer duvida de relação so me perguntar que eu esclareço já que ficou meio estranho assim.De qualquer forma ai está.