Complexo antidengue
Saúde desafia Estado e mantém homeopatia
São José do Rio Preto, 29 de março de 2007
Giseli Marchiote, Vívian Lima e Daniel Martins
Edvaldo Santos
Secretaria de Saúde acionou a PM e registrou boletim de ocorrência
A Secretaria de Saúde de Rio Preto acionou ontem de manhã a Polícia Militar para impedir fiscais da Vigilância Sanitária do Estado de recolher frascos do complexo homeopático contra a dengue da Unidade Básica de Saúde (UBS) do Jardim Americano. “Mandei chamar a polícia para registrar o que estava acontecendo”, afirma o secretário de Saúde de Rio Preto, Arnaldo Almendros de Mello. “Estão desconstruindo o trabalho contra a dengue feito nas UBSs e prejudicando a população de Rio Preto.” Assim que chegaram à UBS, fiscais encontraram um frasco de 100 mililitros do medicamento em um das salas da unidade. No local, pacientes com sintomas da dengue eram atendidos e recebiam a medicação. O recipiente foi lacrado e um auto de infração preenchido por fiscais, que se trancaram com a gerente da unidade na sala da direção.
Por mais de meia hora, duas viaturas da Polícia Militar permaneceram no local para registrar o boletim de ocorrência. Apesar do tumulto dentro da unidade de saúde e da interminável reunião que aconteceu na sala das psicólogas, o atendimento ao público não foi interrompido. Fiscais permaneceram durante toda a tarde na UBS discutindo medidas administrativas e punições à Secretaria Municipal de Saúde diante da existência de dois frascos do complexo homeopático com 100 mililitros cada e 30 recipientes com cinco mililitros que seriam distribuídos a pacientes com os sintomas da doença. Horas depois, representantes da Vigilância Sanitária lavraram termo de interdição, que impede a utilização e distribuição do remédio na UBS. “O medicamento vai permanecer na unidade de saúde, que passa a ser sua fiel depositária”, diz a diretora da Vigilância Sanitária Estadual, Mara Lúcia Soler. “Caso a Secretaria descumpra a ordem, ela vai responder judicialmente por isso.”
Apesar de a Secretaria Estadual de Saúde informar ontem que o medicamento seria recolhidos das UBSs e enviado para análise no Instituto Adolfo Lutz em São Paulo, nenhuma amostra foi recolhida. “Não sei dizer se amostras do remédio serão enviadas para análise. Não posso afirmar isso”, diz Mara Lúcia. A equipe da Vigilância também esteve ontem na UBS Central. No local, nenhum frasco do medicamento foi encontrado. De acordo com a gerente do local, Célia Regina Correa, desde a última sexta-feira a UBS só fornece o complexo após apresentação de receita médica.
Guerra
Edvaldo Santos
Funcionárias da Vigilância estiveram ontem em UBS para recolher complexo
A Secretaria Estadual de Saúde declarou anteontem guerra contra o complexo homeopático. Nota oficial distribuída pela pasta afirma que a Prefeitura de Rio Preto não tem seguido regras de manuseio e distribuição do medicamento. A Secretaria – diz a nota – verificou que o produto vem sendo oferecido à população indiscriminadamente, até mesmo sem receita médica e para pessoas que não estão com dengue. As normas brasileiras para produtos homeopáticos, definidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), proíbem que haja distribuição de uma mesma fórmula em larga escala, sem que o produto seja individualizado.Em 10 dias, 19.440 pessoas foram às UBSs em busca do complexo homeopático. Balanço da Secretaria de Saúde de Rio Preto mostra que 96,7% daqueles que receberam o medicamento não apresentavam sintomas da doença.
Município aciona Ministério Público
Edvaldo Santos
Secretário de Saúde de Rio Preto vai processar o Estado
A Secretaria de Saúde de Rio Preto vai acionar o Ministério Público contra a interdição de fracos do complexo homeopático contra a dengue distribuídos na Unidade Básica de Saúde (UBS) do Jardim Americano. “Vamos procurar o Ministério Público para impedir que essas ações irregulares continuem e prejudiquem a população de Rio Preto”, afirma o secretário municipal de Saúde, Arnaldo Almendros de Mello. A diretora da Vigilância Sanitária Estadual em Rio Preto, Mara Lúcia Soler, afirma que o município está distribuindo o medicamento à população de forma irregular. “Não questionamos a eficácia do complexo, mas a maneira como ele é disponibilizado”, diz Mara Lúcia. “Por ser homeopático, cada dose deve ser feita de acordo com a prescrição do médico. Ela não pode ser única para todos.”
Mello discorda da Secretaria Estadual e afirma que todos os pacientes que levam o medicamento para casa foram examinados e o médico determinou a dosagem em cada caso. De acordo com o secretário, todos os questionados do Estado em relação ao complexo foram respondidos e a Secretaria se adequou a alguns pedidos, por isso deixou de disponibilizar o complexo àqueles que não apresentavam os sintomas da dengue. “Publicamos uma portaria que determina que apenas aqueles que foram examinados e têm os sintomas da doença podem tomar o complexo”, diz Mello. “Fizemos isso devido à alta procura pelo remédio.” Mara Lúcia afirma que fiscais da Vigilância vão percorrer outras UBSs hoje em busca do complexo homeopático. “Se encontrarmos o remédio, ele será interditado. Notificamos o município no dia 15 de março para recolher o remédio devido aos problemas de distribuição”, diz a gerente. “Como nenhuma providência foi tomada, vamos impedir a distribuição.”
‘Ação do Estado foi brutal’, diz médico
Homeopata Renan Marino que implantou o complexo antidengue em Rio Preto
O médico Renan Marino, responsável pela introdução do tratamento homeopático no sistema municipal de saúde, classificou como ‘brutal” e “truculenta” a ação do Estado de interditar os produtos homeopáticos contra a dengue usados em Rio Preto. Para ele, as alegações da Secretaria de Estado da Saúde são frágeis. O Estado argumenta que o produto não tem registro e estaria sendo distribuído indiscriminadamente e em larga escala. “A medicina homeopática é uma preparação magistral e não precisa de registro em lugar nenhum”, diz o médico. A assessoria de comunicação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirma que medicamentos homeopáticos manipulados não estão sujeitos ao registro na agência, diferentemente dos complexos industrializados.
Ainda de acordo com a Anvisa, as três substâncias que compõem o complexo contra a dengue - o Eupatorium 30 CH (retirado de uma planta americana), o Crotalus horridus 30 CH (veneno de uma cobra cascavel norte-americana) e o Phosphoros 30 CH (fósforo mineral) - estão entre as substâncias reconhecidas pela agência para medicamentos homeopáticos. A assessoria da agência explica que as secretarias de saúde podem manipular essas substâncias diante de prescrição médica em laboratórios homeopáticos próprios ou conveniados. Com relação à entrega do complexo aos pacientes, a Anvisa diz que se aquele que busca o medicamento foi atendido por um médico que lhe indicar o complemento homeopático, o procedimento não apresenta irregularidade. Diferente do fato de uma farmácia que fornece o medicamento homeopático ao consumidor sem que este possua prescrição médica.
Uma portaria publicada no último sábado restringe o fornecimento do complexo homeopático a pacientes com sintomas da dengue. Segundo a assesoria de comunicação da Prefeitura, o paciente sintomático passa pelo médico e, se desejar, pode ter acesso ao medicamento alternativo. O vice-presidente da região Sudeste da Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB), Carlos Alberto Fiorot, explica que tomou conhecimento da experiência do complexo homeopático contra dengue em Rio Preto por meio do noticiário. Para ele, a homeopatia tem como princípio a individualização do tratamento e a massificação não estaria dentro das expectativas dos melhores resultados. Para Fiorot, mesmo não atendendo a alguns critérios do homeopatia, experiências como a de Rio Preto não estão impossibilitadas de apresentar bons resultados.
“Não seguir todos os princípios homeopáticos não invalida pesquisas com outros parâmetros, mas com critérios exigidos por lei.” Para Renan Marino, a aquisição feita pelo município de 50 mil doses (50 frascos de 100 ml) não é configura-se escala industrial. Ele também diz que em situações de risco epidêmico a homeopatia pode ser usada em série. “A medicação homeopática só se justifica em série a partir da individualização do quadro epidêmico. Chegamos a essa equação depois de analisar quadros clínicos isolados.”
Butantã desenvolve vacina antidengue
Estudos de alternativas de enfrentamento da dengue vão desde o complexo homeopático introduzido em Rio Preto ao desenvolvimento de vacinas. Segundo informações da Secretaria de Saúde do Estado, o Instituto Butantã estuda o desenvolvimento de uma vacina contra a dengue para imunizar os tipos 1,2,3 e 4 da doença. O medicamento deverá ser testado em camundongos e a expectativa é obter resultados iniciais até o final deste ano. Após as experiências iniciais, será necessário obter aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para testes em humanos. No estudo sobre a vacina contra a dengue, o Instituto Butantã atua em parceria com o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. Mais informações sobre a vacina contra a dengue devem ser divulgadas pelo Butantã no próximo mês, para quando está previsto anúncios sobre o medicamento.
Medicamentos distintos
O médico homeopata Renan Marino explica que o complexo homeopático tem atuação distinta de uma vacina. O medicamento utilizado em Rio Preto age amenizando os sintomas da doença, enquanto uma vacina imuniza o paciente. No caso dos pacientes assintomáticos que, por ventura, tenham acesso ao medicamento, o complexo faz com que o indivíduo que vive em uma área de risco, ao entrar em contato com o vírus, fique com seu sistema de defesa em “prontidão”, tendo maior sucesso na reação ao agente da doença.
Novas perspectivas
O homeopata diz que há a possibilidade de uma parceria entre o Instituto Homeopático François Lamasson (sociedade civil sediada em Ribeirão Preto, de caráter científico cultural que congrega homeopatas) e Cuba para o desenvolvimento de uma vacina contra a dengue a partir dos quatro tipos virais da doença.
Complexo antidengue é distribuído em UBSs
Edvaldo Santos
Gotas do complexo foram prescritas aos pacientes com sintomas
Apesar da guerra declarada pela Secretaria Estadual de Saúde ao complexo homeopático contra a dengue, a distribuição do medicamento não será interrompida nas 23 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) de Rio Preto. “É uma alucinação o que o Estado está fazendo. Vamos continuar o trabalho. Quem tiver os sintomas da doença vai receber o complexo após prescrição médica”, afirma o secretário municipal de Saúde, Arnaldo Almendros de Mello. Enquanto fiscais interditavam fracos do complexo na UBS do Jardim Americano, a dona-de-casa Tatiane Soares Ferreira levou sua filha de 1 ano para uma consulta na unidade de saúde do Solo Sagrado. “Ela está com febre há uma semana. Não dorme, nem come direito”, diz.
Após ser examinada, a pequena Iara recebeu duas gotas do complexo homeopático. “A distribuição do medicamento só será interrompida se a Justiça determinar”, afirma Mello. “Quero que a Secretaria Estadual me prove que estou comentendo algum ato ilício.” A diretora da Vigilância Sanitária Estadual, Mara Lúcia Soler, afirma que se a distribuição for mantida na UBS do Jardim Americano, a Secretaria Municipal vai responder pela infração na Justiça.
Bebedouro inicia hoje o tratamento
A cidade de Bebedouro começa a distribuir hoje na rede municipal doses homeopáticas para combater os sintomas causados pela dengue. Inicialmente, serão distribuídas 20 mil doses do medicamento, que foi doado por farmácias de homeopatia. Até ontem, a cidade havia registrado 976 casos da doença só em 2007. Há 1.538 casos suspeitos e já foram confirmados duas ocorrências de dengue hemorrágica em pacientes já recuperados. A coordenadora da Vigilância Epidemiológica de Bebedouro, Iara Maria de Brito Ramalho Luz, afirma que não se pode confundir o medicamento com vacina.
“Ele só combate os sintomas em quem já tem a doença. Não vai prevenir que a pessoa não pegue dengue”, diz. As cidades de Mirassol e Ilha Solteira não adotaram a medicação homeopática no combate aos sintomas da dengue. Em Mirassol, a implantação do remédio estava em estudo, mas foi suspensa. Em Ilha Solteira, o medicamento foi considerado ineficiente pela diretoria municipal de Saúde.
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