Entrevistadas contam como fizeram aborto
Enviado: 15 Abr 2007, 10:32
As entrevistadas contam como fizeram o aborto
Por Andréa Leal
O primeiro argumento levantado na matéria de capa sobre aborto nesta semana, defendida pelo novo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, para defender o plebicito sobre o aborto é a questão de saúde pública. Não é porque o aborto é proibido que as mulheres deixam de abortar. A única diferença está entre mulheres ricas e pobres. As de classe média podem pagar clínicas onde são bem tratadas e com segurança. As outras, passam por pessoas sem nenhum conhecimento de medicina e se submetem a procedimentos rudimentares que põem em risco sua saúde. As entrevistadas da matéria são retratos dessa realidade.
A atriz Cássia Kiss seguiu indicação de um casal de amigos. “Era uma clínica no Leblon, com hora marcada, com o médico perguntando “tem certeza de que vai fazer?”. Ela diz que tomou remédios que a deixaram quase desacordada e não sentiu nenhum tipo de dor. "Foi uma curetagem com anestesia. Muito rápido, durou cerca de dez minutos", afirma. Voltou para casa e não teve nenhuma seqüela. Bem diferente da ex-apresentadora de TV e atual vereadora de São Paulo pelo PT, Sônia Francine. Ela não só sentiu muita dor durante o procedimento, mas teve que voltar a um hospital público por causa das hemorragias que teve. Soninha abortou aos 22 anos, e teve que juntar o dinheiro que tinha guardado com o marido para pagar os cerca de R$ 600,00 cobrados na clínica indicada por uma amiga. Clínicas de boa qualidade chegarm a custar R$5.000,00. O consultório em que Soninha foi era um prédio de escritório no Belém, bairro pobre de São Paulo, e o pessoa que fez o procedimento, ela nem sabia se era médico. “A referência era: minha amiga fez e saiu andando, então está ótimo”. A anestesia foi local e externa, ou seja, praticamente sem efeito.“Era uma raspagem. Curetagem é um nome bonito demais. Ele perfura a bolsa e raspa. Eu mordi a mão do meu marido, que eu me lembre, para não gritar. Doía muito. Eu me lembrava de quando estudei em colégio de freiras e assistia a um vídeo falando dos métodos de aborto em que uma pessoa mostrava entre os dedos um pezinho em miniatura, do tamanho da ponta de uma caneta, e dizia que aquilo era um feto”. Para que Soninha ficasse com a consiciência mais tranqüila, sua amiga sugeriu: “se você quiser, pede para ver. Ele vai te mostrar uma bacia cheia de sangue que não tem um vestígio que lembre um feto”. “Não me lembro se eu olhei. Acho que meu marido olhou”, diz Soninha.
A técnica mais rudimentar foi a que sofreu a estudante de direito Luzia de Almeida Alves, de 49 anos. Luzia abortou aos 20 anos, depois de ter engravidado do noivo. Eles prouraram uma parteira. "Era uma casa tenebrosa, escura. Eu tinha 20 anos e nunca tinha ido ao ginecologista. Eu me deitei e ela colocou um objeto cumprido, de uns dez centímetros no meu útero. Colocou, eu levantei e fui embora, não senti dor, fiquei com aquilo dentro de mim", afirma. Diferentemente de Soninha e Cássia, que passaram pela curetagem, o procedimento usado pela parteira em Luzia foi deixar um objeto perfurante no útero da paciente. O feto seria expelido depois. "Eu não sabia o que ia acontecer depois. Ainda fui trabalhar à tarde. O efeito veio às duas da manhã, quando eu acordei com cólicas muito fortes. Fui ao banheiro e vi o feto escorrer junto com o sangue. Mergulhei as mãos no vaso sanitário e tirei. Eu estava de quatro meses, o feto era do tamanho da palma da minha mão fechada no formato de uma cunha. Coloquei num pedaço de papel e fiquei olhando para ele, ele tinha os dedinhos formados. Eu queria olhar o sexo, mas não tive coragem. Eu sempre quis ter um filho homem, e até hoje só tive três meninas", diz. Mesmo com o feto fora do organismo, o corpo de Luzia continuou reagindo à agressão, através de uma hemorragia incessante. "Amanheceu, eu tomei um ônibus, fui na casa do meu noivo e disse: “eu não estou suportando mais, eu vou morrer”. Ele me levou de volta à casa da parteira. Ela fez uma raspagem sem anestesia. Doeu muito, é terrível. Nunca fui em médico nenhum, e a vergonha? Eu tinha medo de ser presa", diz.
A maioria das mulheres que abortaram e deram entrevista à matéria de capa da Época desta semana fala da decisão com uma intensa carga de culpa. Destoando delas, a atriz Vera Zimmermmann diz que encarou o aborto como um aprendizado e que depois de interromper a gravidez sentiu apenas uma tristeza passageira. “Não é uma coisa para se sentir culpada, é para tomar consciência do erro e não fazer mais. Ficar se culpando é uma grande bobagem”. Vera conta à Época como foi e como encara o fato de ter feito um aborto.
Ela tinha 25 anos quando engravidou por acidente de um namorado. Nem pensou na possibilidade de ter o filho. “A primeira razão era que eu não estava apaixonada, nem queria me casar com ele. A segunda é que eu não tinha maturidade nem vontade de ter um filho”, diz. Assim como as mulheres de classe média fazem quando decidem interromper uma gravidez indesejada, Vera procurou uma clínica particular indicada por uma amiga. “Tive sorte de poder ser bem atendida, com anesia, tudo certinho, foi tranqüilíssimo”
Tristeza, Vera afirma ter sentido por pouco tempo depois de ter abortado. “Dá uma sensação ruim, uma certa depressão. É uma sensação de irresponsabilidade, de perda, de arrependimento, mas passa logo. Eu não sou de ficar digerindo muito tempo esse tipo de sentimento”, afirma. Arrependimento, entretanto, ela não carregou. “Acho que ficar se culpando é uma grande bobagem. Há tantas coisas maiores para a gente se preocupar e se entristecer. Não menosprezando o aborto, mas todo mundo comete erro. Acho que ter feito um aborto não é uma coisa para se sentir culpada, é para tomar consciência do erro e não fazer mais”, diz.
Vera acredita que, assim como ela pôde decidir por não ter o filho que não desejava, todas as muheres deveriam poder. É francamente a favor da discriminalização. “Discordo totalmente do argumento de que se o aborto fosse lagalizado, as mulheres sairiam por aí fazendo três, quatro abortos. É claro que vai haver mulher pensando “ah, o aborto está liberado, então não preciso me preocupar com gravidez”, é claro que vai haver, mas é uma minoria. A maioria faz um e nunca mais. Toda mulher que fez um aborto tem consciência do erro que cometeu. Eu senti na pele, e não é fácil”, diz.
Apesar de admitir que abortar foi uma experiência difícil, a atriz afirma que, se engravidasse por acidente novamente, abortaia outra vez. “Errar uma vez é burrice, a segunda, ignorância. Mas não digo que, se acontecesse de novo, eu não faria, porque não posso errar duas vezes. Posso, sim. Eu faria outra vez. Mas digo que não vai acontecer, porque eu tomo muito cuidado”.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/E ... 56,00.html
Por Andréa Leal
O primeiro argumento levantado na matéria de capa sobre aborto nesta semana, defendida pelo novo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, para defender o plebicito sobre o aborto é a questão de saúde pública. Não é porque o aborto é proibido que as mulheres deixam de abortar. A única diferença está entre mulheres ricas e pobres. As de classe média podem pagar clínicas onde são bem tratadas e com segurança. As outras, passam por pessoas sem nenhum conhecimento de medicina e se submetem a procedimentos rudimentares que põem em risco sua saúde. As entrevistadas da matéria são retratos dessa realidade.
A atriz Cássia Kiss seguiu indicação de um casal de amigos. “Era uma clínica no Leblon, com hora marcada, com o médico perguntando “tem certeza de que vai fazer?”. Ela diz que tomou remédios que a deixaram quase desacordada e não sentiu nenhum tipo de dor. "Foi uma curetagem com anestesia. Muito rápido, durou cerca de dez minutos", afirma. Voltou para casa e não teve nenhuma seqüela. Bem diferente da ex-apresentadora de TV e atual vereadora de São Paulo pelo PT, Sônia Francine. Ela não só sentiu muita dor durante o procedimento, mas teve que voltar a um hospital público por causa das hemorragias que teve. Soninha abortou aos 22 anos, e teve que juntar o dinheiro que tinha guardado com o marido para pagar os cerca de R$ 600,00 cobrados na clínica indicada por uma amiga. Clínicas de boa qualidade chegarm a custar R$5.000,00. O consultório em que Soninha foi era um prédio de escritório no Belém, bairro pobre de São Paulo, e o pessoa que fez o procedimento, ela nem sabia se era médico. “A referência era: minha amiga fez e saiu andando, então está ótimo”. A anestesia foi local e externa, ou seja, praticamente sem efeito.“Era uma raspagem. Curetagem é um nome bonito demais. Ele perfura a bolsa e raspa. Eu mordi a mão do meu marido, que eu me lembre, para não gritar. Doía muito. Eu me lembrava de quando estudei em colégio de freiras e assistia a um vídeo falando dos métodos de aborto em que uma pessoa mostrava entre os dedos um pezinho em miniatura, do tamanho da ponta de uma caneta, e dizia que aquilo era um feto”. Para que Soninha ficasse com a consiciência mais tranqüila, sua amiga sugeriu: “se você quiser, pede para ver. Ele vai te mostrar uma bacia cheia de sangue que não tem um vestígio que lembre um feto”. “Não me lembro se eu olhei. Acho que meu marido olhou”, diz Soninha.
A técnica mais rudimentar foi a que sofreu a estudante de direito Luzia de Almeida Alves, de 49 anos. Luzia abortou aos 20 anos, depois de ter engravidado do noivo. Eles prouraram uma parteira. "Era uma casa tenebrosa, escura. Eu tinha 20 anos e nunca tinha ido ao ginecologista. Eu me deitei e ela colocou um objeto cumprido, de uns dez centímetros no meu útero. Colocou, eu levantei e fui embora, não senti dor, fiquei com aquilo dentro de mim", afirma. Diferentemente de Soninha e Cássia, que passaram pela curetagem, o procedimento usado pela parteira em Luzia foi deixar um objeto perfurante no útero da paciente. O feto seria expelido depois. "Eu não sabia o que ia acontecer depois. Ainda fui trabalhar à tarde. O efeito veio às duas da manhã, quando eu acordei com cólicas muito fortes. Fui ao banheiro e vi o feto escorrer junto com o sangue. Mergulhei as mãos no vaso sanitário e tirei. Eu estava de quatro meses, o feto era do tamanho da palma da minha mão fechada no formato de uma cunha. Coloquei num pedaço de papel e fiquei olhando para ele, ele tinha os dedinhos formados. Eu queria olhar o sexo, mas não tive coragem. Eu sempre quis ter um filho homem, e até hoje só tive três meninas", diz. Mesmo com o feto fora do organismo, o corpo de Luzia continuou reagindo à agressão, através de uma hemorragia incessante. "Amanheceu, eu tomei um ônibus, fui na casa do meu noivo e disse: “eu não estou suportando mais, eu vou morrer”. Ele me levou de volta à casa da parteira. Ela fez uma raspagem sem anestesia. Doeu muito, é terrível. Nunca fui em médico nenhum, e a vergonha? Eu tinha medo de ser presa", diz.
A maioria das mulheres que abortaram e deram entrevista à matéria de capa da Época desta semana fala da decisão com uma intensa carga de culpa. Destoando delas, a atriz Vera Zimmermmann diz que encarou o aborto como um aprendizado e que depois de interromper a gravidez sentiu apenas uma tristeza passageira. “Não é uma coisa para se sentir culpada, é para tomar consciência do erro e não fazer mais. Ficar se culpando é uma grande bobagem”. Vera conta à Época como foi e como encara o fato de ter feito um aborto.
Ela tinha 25 anos quando engravidou por acidente de um namorado. Nem pensou na possibilidade de ter o filho. “A primeira razão era que eu não estava apaixonada, nem queria me casar com ele. A segunda é que eu não tinha maturidade nem vontade de ter um filho”, diz. Assim como as mulheres de classe média fazem quando decidem interromper uma gravidez indesejada, Vera procurou uma clínica particular indicada por uma amiga. “Tive sorte de poder ser bem atendida, com anesia, tudo certinho, foi tranqüilíssimo”
Tristeza, Vera afirma ter sentido por pouco tempo depois de ter abortado. “Dá uma sensação ruim, uma certa depressão. É uma sensação de irresponsabilidade, de perda, de arrependimento, mas passa logo. Eu não sou de ficar digerindo muito tempo esse tipo de sentimento”, afirma. Arrependimento, entretanto, ela não carregou. “Acho que ficar se culpando é uma grande bobagem. Há tantas coisas maiores para a gente se preocupar e se entristecer. Não menosprezando o aborto, mas todo mundo comete erro. Acho que ter feito um aborto não é uma coisa para se sentir culpada, é para tomar consciência do erro e não fazer mais”, diz.
Vera acredita que, assim como ela pôde decidir por não ter o filho que não desejava, todas as muheres deveriam poder. É francamente a favor da discriminalização. “Discordo totalmente do argumento de que se o aborto fosse lagalizado, as mulheres sairiam por aí fazendo três, quatro abortos. É claro que vai haver mulher pensando “ah, o aborto está liberado, então não preciso me preocupar com gravidez”, é claro que vai haver, mas é uma minoria. A maioria faz um e nunca mais. Toda mulher que fez um aborto tem consciência do erro que cometeu. Eu senti na pele, e não é fácil”, diz.
Apesar de admitir que abortar foi uma experiência difícil, a atriz afirma que, se engravidasse por acidente novamente, abortaia outra vez. “Errar uma vez é burrice, a segunda, ignorância. Mas não digo que, se acontecesse de novo, eu não faria, porque não posso errar duas vezes. Posso, sim. Eu faria outra vez. Mas digo que não vai acontecer, porque eu tomo muito cuidado”.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/E ... 56,00.html